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Tudo parecia muito certinho. A direita ia absorvendo sem problemas
o favoritismo do PT em São Paulo. Velhos líderes empresariais, formadores
de opinião (gostaria de saber por que a opinião que eles "formam"
sempre é conservadora), publicações que espumam diante do MST: não
houve quem não comemorasse o PT cor-de-rosa, o light do light, o PT
madame, o PT Chanel etc.
A direita estava civilizada e democrática. Mas não se contava com
a teimosia de Maluf. A radicalização de sua campanha, apelando para
todo tipo de preconceito e para uma linguagem que não se ouvia desde
os tempos do regime militar, teve um efeito bem maior do que se esperava.
Consolidou-se, ou explicitou-se, um foco não mais de direita, mas
de extrema-direita em São Paulo. Mais de um terço do eleitorado apóia
uma candidatura que só por eufemismo se pode chamar de conservadora.
Conservador é Mario Amato, que vai votar no PT. De direita é Romeu
Tuma, que diz apoiar Marta Suplicy. Reacionário é o Padre Marcelo,
que não quer se identificar com Maluf.
No desespero, Maluf desistiu de cortejar o empresariado, os banqueiros,
o governo federal, o clero conservador ou quem quer que seja. O bloco
que se forma em torno da candidatura pepebista não se localiza no
topo da pirâmide social, mas em seus subterrâneos.
Juntam-se Ratinho, a máfia dos vereadores, a banda heavy-metal do
aparelho de segurança pública, num discurso contra os direitos humanos,
altamente repressivo contra mulheres e homossexuais, usando do máximo
de demagogia no que diz respeito a drogas.
Soma-se a isso a estratégia, tipicamente malufista, de fingir que
não ouve as críticas a que é confrontado.
Em dois momentos isso foi fácil de perceber. Na entrevista a Fernando
Canzian e Plínio Fraga, publicada na Folha desta quinta-feira, Maluf
repetiu umas dez vezes uma única frase: "sou contra o aborto", quando
os repórteres insistentemente o lembravam que ele já havia defendido
o aborto em casos de malformação do feto.
E, no debate da rede Bandeirantes, não adiantou Marta Suplicy aparecer
com números provando que a criminalidade em São Paulo aumentou durante
sua gestão: Maluf simplesmente repetia que hoje há muito mais homicídios
do que na sua época.
Não adianta dizer que ele criou Celso Pitta. Maluf chega ao cúmulo
de identificar Pitta e Erundina, dizendo que é contra os dois.
O resultado é que Maluf simplesmente não tem compromisso com qualquer
debate racional. Se se aponta uma contradição em seu discurso, ele
não se embaraça; segue em frente, como se não tivesse ouvido nada.
O pior é que muita gente o chama de esperto, de inteligente. É uma
pena que se identifique esperteza ou inteligência com essa brutal
impavidez.
O único compromisso de sua campanha é com agitar os temas que correspondem
aos sentimentos mais obscuros de ódio, de ressentimento, de egoísmo
e destrutividade de uma pequena-burguesia ameaçada, autoritária e
voluntariamente desinformada. Só é liberal, complacente e tolerante
com a corrupção.
O que falta para o fascismo?
Acho que só uma coisa: a sociedade brasileira é desorganizada demais
para fazer paradas, usar uniformes e dispor-se à militância cotidiana.
O paulistano é privatista demais para sacrificar-se em torno de uma
"causa pública" de extrema-direita. E Maluf é Maluf demais para sair
pregando a regeneração dos costumes e a "limpeza" da sociedade, como
faziam os fascistas.
Temos, assim, um fascismo por procuração. O fascismo do "deixa que
ele resolve". O fascismo da "competência técnica". O fascismo do "senhor
doutor". O fascismo do "não tenho nada a ver com isso". O antigo fascismo
usava de grandes concentrações de massa e desfiles militares. Este
é o fascismo do cassetete e dos programas de auditório.
Leia colunas anteriores
20/10/2000 - Ôôô Dona Marta!
13/10/2000 - Descontrole emocional
06/10/2000 - Recado? Que recado?
29/09/2000 - Sobre o malufismo
22/09/2000 - Ganha quem ganhar
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