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Carlos Heitor Cony
cony@uol.com.br
  11 de maio
  Assunto pessoal: as mãos
   
   

Não é que a minha vida esteja interessante. A vida pública está tão chinfrim (só dá escândalo) que decidi ficar em mim mesmo. Num deses dias, com a praia incerta, peguei o carro e fui visitar o túmulo de Mila, um pouco distante de onde moro.
No caminho, comprei violetas num vasinho que parecia com a tigelinha na qual ela gostava de beber água de coco. Como o Dom Casmurro do Machado de Assis, Mila tinha fumos fidalgos.Quando ia ao Arpoador não bebia a água plebéia dos outros, preferia água de coco, que durante algum tempo foi a âncora do nosso câmbio. Custava sempre um dólar quando o dólar estava a quase três mil cruzeiros. Com o plano real ficou valendo um dólar. Hoje, está mais caro.
O embaixador Roberto Campos, que está se recuperando de uma isquemia, frequenta a mesma praia, toma água de coco, só que com um canudinho vagabundo de plástico. Mila exigia a sua cumbuquinha de louça, comprada num antiquário, em Roma. Era, em todos os sentidos, uma dama, uma lady, uma Queen of Sheba. O citado embaixador, que não gosta de cães, um dia dignou-se a observar: - Ela é muito bonita!
Pois o vaso com as violetas tinha a mesma forma. Nele, eu levava as flores, muito roxas e agarradinhas, que formavam um buquê pequenino. Coloquei-as sobre o túmulo de granito cor-de-rosa que mandei fazer para ela, no qual gravei a dedicatória do livro que ela me ajudou a escrever: "A mais que amada".

A poeira de cinco anos esmaeceu as letras, estavam quase apagadas. Ia limpá-las com o lenço mas preferi usar as mãos. Mila gostava delas, exigia a toda hora que eu as passasse em sua cabeça. Quando eu chegava da faina diária, ela só parava de latir depois que lhes sentia o cheiro e o calor. Mãos que ficaram inúteis, cinco anos atrás. E de repente encontraram novamente o que fazer.


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