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Não
é que a minha vida esteja interessante. A vida pública está tão
chinfrim (só dá escândalo) que decidi ficar em mim mesmo. Num deses
dias, com a praia incerta, peguei o carro e fui visitar o túmulo
de Mila, um pouco distante de onde moro.
No caminho, comprei violetas num vasinho que parecia com a tigelinha
na qual ela gostava de beber água de coco. Como o Dom Casmurro do
Machado de Assis, Mila tinha fumos fidalgos.Quando ia ao Arpoador
não bebia a água plebéia dos outros, preferia água de coco, que
durante algum tempo foi a âncora do nosso câmbio. Custava sempre
um dólar quando o dólar estava a quase três mil cruzeiros. Com o
plano real ficou valendo um dólar. Hoje, está mais caro.
O embaixador Roberto Campos, que está se recuperando de uma isquemia,
frequenta a mesma praia, toma água de coco, só que com um canudinho
vagabundo de plástico. Mila exigia a sua cumbuquinha de louça, comprada
num antiquário, em Roma. Era, em todos os sentidos, uma dama, uma
lady, uma Queen of Sheba. O citado embaixador, que não gosta de
cães, um dia dignou-se a observar: - Ela é muito bonita!
Pois o vaso com as violetas tinha a mesma forma. Nele, eu levava
as flores, muito roxas e agarradinhas, que formavam um buquê pequenino.
Coloquei-as sobre o túmulo de granito cor-de-rosa que mandei fazer
para ela, no qual gravei a dedicatória do livro que ela me ajudou
a escrever: "A mais que amada".
A poeira de cinco anos esmaeceu as letras, estavam quase apagadas.
Ia limpá-las com o lenço mas preferi usar as mãos. Mila gostava
delas, exigia a toda hora que eu as passasse em sua cabeça. Quando
eu chegava da faina diária, ela só parava de latir depois que lhes
sentia o cheiro e o calor. Mãos que ficaram inúteis, cinco anos
atrás. E de repente encontraram novamente o que fazer.
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09/5/2000
- O macaco e o galho
04/5/2000 - Vizinhos
e internautas
02/5/2000 -
Dos
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27/4/2000 -
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25/4/2000 -
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aérea
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