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Gustavo Ioschpe
desembucha@uol.com.br"
  3 de janeiro de 2001
Quer chiaccherare, seu obnoxious?
 
   

Não é por acaso que se diz que a língua é elemento fundamental na criação de uma identidade nacional. Não só por tornar a comunicação possível, mas também por evidenciar aspectos do inconsciente coletivo. Não só pelos tropeços cometidos no uso da linguagem, como já mostrava o avacalhado, digo, afamado Dr. Freud, mas também por aquilo que uma língua tem de particular.

Nas línguas em que conheço, há sempre uma idiossincrasia, um termo único, intraduzível e que pertence unicamente àquela língua, como é o caso dos vinte e tantos termos que os esquimós têm para falar de neve, algo tão onipresente em seu dia-a-dia quanto mulheres rechonchudas.

O inglês, por exemplo, é verdade, tem uma variedade vocabular bem maior do que o Português. E é verdade que existem centenas de vocábulos ingleses intraduzíveis, mas há dois que chamam a atenção. Um é "obnoxious", o outro é "successful". Successful é simples: literalmente, "cheio de sucesso". É palavra que sai da boca de onze entre dez estudantes americanos quando perguntados o que querem ser quando crescerem. O engraçado é que termo tão popular e tão simples não encontra correlatos de mesma aceitação em Português. Há "exitoso", mas é tão pouco usado que nem conta.

O outro termo é obnoxious, um adjetivo que qualifica um estágio todo especial, entre arrogante e pedante, mas com mais uma certa maldade. É também muito usado nas terras do Tio Sam, freqüentemente para descrever alguém muito successful.

O espanhol, por sua vez, ganha em diversidade por suas colorações regionais. Na Colômbia, por exemplo, a gíria para legal, bacana, "cool", é "chévre" - isso mesmo, aquela marca de queijo francês. Diz muito sobre um país quando a sua população usa a imagem de um queijo fedorento para descrever o que há de melhor. Na Argentina, a expressão campeã é o "boludo", tão ambígua para os portenhos como o "filho da mãe" pode ser do lado de cá do Prata. É freqüente a exclamação "Pero no seas boludo, boludo!", uma pérola de riqueza e sintaxe digna de deixar um Borges cego e surdo, e carregada de toda a ambiguidade e falicismo capazes de empregar a comunidade psicanalítica portenha por una bida entera, boludo. Já na Espanha, onde a única frescura tolerada é o cuspezinho saído quando se pronuncia "zumo" com a língua raivosa entre os dentes da frente, a expressão mais representativa me parece o "fatal". Essa palavra negra, tão pouco usada nos trópicos, pula na boca dos espanhóis como palito na de caminhoneiro. Quando a recepção telefônica está mal, me dizem: "No te oigo nada, tio, que esa línea está fatal!". Parece El Cordobés enfiando uma espada na testa do touro.

Mais pacíficos e malemolentes como nós são os italianos. E imagino que algum desocupado conversador da terra de Dante e Petrarca tenha criado o maravilhoso termo "chicaccherare", quase onomatopéico. Serve para descrever esporte comum entre italianos, que é de se sentar num café de alguma piazza perdida e jogar conversa fora, mas agitadamente e com ares de grande importância.

Pues, depois de analisar assim as línguas dos outros e tentar extrair delas o termo intraduzível que melhor expressasse sua inconfessável alma, fiquei pensando sobre o nosso Português. Cheguei a conclusão, entre uma lágrima e um riso de esgar, que os únicos termos da terrinha que nunca consegui traduzir para língua nenhuma foram "malandragem" e "sacanagem", e seus derivativos. Também pensei em "jeitinho", é verdade, mas aí entramos no ramo dos diminutivos, e a comparação seria...bom, sacanagem.


* * *

Cantinho do Energúmeno
Falando em traduções, um energúmeno que sempre dá a cara pra bater é o tradutor, especialmente o de títulos de livros e filmes. Nos filmes, o tradutor brasileiro sempre quer dar mostras de sua criatividade e raramente contenta-se em traduzir o título original. Sempre dá uma enrolada. "Good Will Hunting" vira "Gênio Indomável", "The Silence of the Lambs" ficou sem os carneiros mas com os "Inocentes" no Brasil. Sem falar na irresistível tentação de usar um apodo irrelevante. Os filmes no Brasil vêm volta e meia acompanhados de um " - A Missão" ou " - Duelo Final" ou " - Um Lutador" que nunca existiram no original. Devia ser proibido. O direito autoral é do autor da obra, e não cabe ao tradutor mudar seu título. O troféu vai para o tradutor do livro "The Physician", traduzido para "O Físico" no Brasil porque o tradutor não deve gostar muito da palavra "médico".

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