NOSSOS
COLUNISTAS

Amir Labaki
André Singer
Carlos Heitor Cony
Clóvis Rossi
Eleonora de Lucena
Elvira Lobato
Gilberto Dimenstein
Gustavo Ioschpe
Helio Schwartsman
Josias de Souza
Kennedy Alencar
Lúcio Ribeiro
Luiz Caversan
Magaly Prado
Marcelo Coelho
Marcelo Leite
Marcia Fukelmann
Marcio Aith
Nelson de Sá
Vaguinaldo Marinheiro

Gustavo Ioschpe
desembucha@uol.com.br"
  17 de janeiro de 2001
De túmulos, covas e políticos
 
   

Lembro-me como se fosse hoje de uma noite em 1985, quando minha mãe me tirou da cama para que fosse assistir a TV. Tancredo Neves acabara de morrer, era o que dizia o então porta-voz Antonio Britto, e a nação entrava em luto, depois de quarenta dia de vigílias, rezas, velas e muita esperança. O primeiro democrata a ascender ao posto máximo da nação depois de quase 21 anos de ditadura era fulminado por uma diverticulite, que o ceifou antes que assumisse o cargo.

Minha mãe, se não me engano, chorava. E eu, com certeza, chorava. Entendia menos de política àquela época do que entendo agora, e o único impacto que a ditadura teve sobre os meus poucos oito anos de vida foi proibir-me de ver alguns filmes. Mas, institivamente, vendo os choros e velas, sabendo do que se passara nas Diretas-Já, sentia um certo apego ao Tancredo; um facho de esperança numa terra de canalhas. E, por isso, acho, chorei junto.

Lembro-me disso agora porque acabo de saber que o câncer do governador Mário Covas atingiu sua medula. E, mesmo sem saber muito de medicina, dá pra se depreender que uma metástase que atinge o sistema nervoso não deixa muitas esperanças de sobrevivência. Uma vez mais, me emociono.

Me emociono porque Mário Covas é um dos poucos homens desse país dedicados ao serviço público e ao povo que o elege repetidamente. É um dos poucos a abarcar o sentido tradicional, grego, do homem público: defensor da polis e seus habitantes, comprometido com os mais altos preceitos morais, desapegado ao dinheiro, cargos e retóricas vazias, determinado a engrandecer o espírito humano e cônscio de que o serviço público, longe de ser um ninho de burocratas, corruptos e preguiçosos, é, sim, o ofício mais alto e mais nobre que um homem pode prestar a sua população e seu país. Mário Covas é assim, sempre foi.

Sua merecida fama de turrão e ranzinza é fruto desse comprometimento inabalável com a causa pública e seu respeito por ela. Só pode flanar e divertir-se com as mazelas de uma população tão carente e sofrida quem está nesse barco a passeio, e Covas não é desses.

Não escrevo aqui obituário, que Covas está muito ativo e, tomara, assim continuará por muito tempo. Mas, se os corvos que pousaram em sua sorte resolverem de lá não decolar, há que se registrar a ternura e a esperança geradas por Covas nessa caatinga infestada de abutres. Covas alça o espírito brasileiro e, se não por mais nada, já por isso merece um pagamento imensurável. Vai, Aquiles, segue a tua batalha. Estamos todos contigo.

* * *

Canto do Canto

Nada a ver com coisa alguma, mas recentemente caí de novo sobre esse soneto (o 18) de Shakespeare e não consegui me lembrar nada mais belo que já tivesse ouvido. E gostaria de reparti-lo. Transcrevo-o aqui no original; não me arrisco a traduzir esse monumento.

Shall I compare thee to a summer's day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date:
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm'd;
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature's changing course untrimm'd;
But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou ow'st;
Nor shall Death brag thou wander'st in his shade,
When in eternal lines to time thou grow'st:

    So long as men can breathe, or eyes can see,
    So long lives this, and this gives life to thee.


Leia colunas anteriores
10/01/2001 - Lalau, Inc.
03/01/2001 - Quer chiaccherare, seu obnoxious?
27/12/2000 - Reencontro ou falsidade?
20/12/2000 - O jornalismo e a estatística
13/12/2000 - Europa por £1 por dia


| Subir |

Biografia
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A - Todos os direitos reservados.