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Gustavo Ioschpe
desembucha@uol.com.br"
  24 de janeiro de 2001
A brasilidade e o universal
 
   

Todo brasileiro de bom nível intelectual e, especialmente aquele que já teve a oportunidade de passar longas temporadas longe da pátria-mãe, já deve ter se dado conta de dois fenômenos paralelos que acometem a sua alma: a constatação de que amamos o Brasil acima de qualquer país e o enxergamos como depositário do maior número de virtudes dessa terra, ao mesmo tempo em que vemos que outros países, ditos de primeiro mundo, têm quase tudo melhor - de educação e saúde à cultura e lazer, estradas, prédios, universidades, etc. E, segundo, já deve ter sido vitimado pela estupefação que acompanha nós, brasileiros, que crescemos ouvindo que Deus é brasileiro e que a nossa pátria amada, idolatrada, salve salve, é a melhor do mundo, quando uma pessoa de outro país diz exatamente a mesma coisa a respeito do seu lugar de origem. Me lembro do espanto que me acompanhava cada vez que ouvia alguém dizer que a Polônia, El Salvador ou a Nigéria era o melhor país do mundo.

Foi só depois de alguns anos fora, e já com o distanciamento necessário, que consegui finalmente entender que todo mundo - com exceção de um punhado de revoltados e filhos de diplomatas - acha (aliás, tem certeza) que seu país é o melhor do mundo. Cada um usa para justificar sua crença o argumento que mais lhe convém: os americanos falam da riqueza, os franceses da cultura, os italianos das belle donne e da comida, os mexicanos da alegria do lugar, e os brasileiros da simpatia e joie de vivre dos nativos. E, cada um está certo, à sua maneira, porque não existe o melhor lugar ou o pior lugar do mundo, mas sim aquele que é melhor para uma determinada pessoa. E, frequentemente, esse lugar é o lugar onde nascemos e nos criamos, pois é de lá nossa língua materna, nossas lembranças de um período magicamente feliz chamado "infância", nossa família e os amigos mais chegados. E também porque, por mais qu conheçamos um país estrangeiro, sua língua e sua história, dificilmente pertenceremos àquele país tanto quanto os locais.

Digo isso aqui porque frequentemente recebo manifestações de leitores que sentem nessas linhas um desapego e até um certo desprezo pelo Brasil, e uma fascinação deslumbrada com o primeiro mundo. Nada poderia estar mais errado.

O fato de me preocupar com as questões brasileiras e me exasperar com nossos descaminhos deriva justamente de um forte amor, que mais de cinco anos de exílio só fizeram crescer. Esse amor, contudo, não é sinônimo de nacionalismo ou de ufanismo. Quando vejo o Brasil, quero poder discorrer sobre ele com a mesma imparcialidade e olhar crítico que uso para todos os outros assuntos aqui tratados. E quando comparo práticas brasileiras com costumes mais elevados de outros povos, não é para menosprezar ninguém, mas para tentar mostrar que há outras alternativas, melhores, para fazer o que fazemos errado. Rejeito o patriotismo que, de tão embevecido com a pátria-mãe, vê um certo romantismo na corrupção, no jeitinho, nas favelas, na mortalidade infantil, no analfabetismo, na pobreza intelectual, no coronelismo, no elitismo, etc. etc. Só o olhar crítico permite a mudança, e o Brasil precisa encarecidamente de mudanças em muitas áreas.

Não escrevo essas linhas para me desculpar, porque erro ou má-fé nunca houve, nem para granjear simpatias. Escrevo para convidar o leitor a despir-se desse e de tantos outros "ismos" que embaçam a nossa visão. Nascemos em uma determinada classe social, região do país, grupo étnico, origem familiar; adquirimos determinada orientação política, ideológica e sexual. Todas essas características, quando valorizadas em excesso, tendem a levar o sujeito incauto a uma visão incorreta de si mesmo e, pior, à rejeição do diferente. Livrar-se dessas amarras, despir-se das camadas de conceitos pré-estabelecidos e idéias herdadas e pensar por si mesmo, sem ao mesmo tempo esquecer-se da paixão que nos torna gente: eis o caminho para a descoberta do núcleo humano redentor, comum a gregos e troianos e que permite uma mente aberta e uma vida equilibrada. É a esse santuário que dirijo as minhas preces, e se conseguir motivar alguém a aderir ao mesmo credo, melhor. Se não, paciência.


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