Pensata

Kennedy Alencar

04/04/2008

O terceiro mandato de Lula

Uma regra de ouro do jornalismo recomenda ser crítico em relação às autoridades, desconfiar do que dizem, checar os números que divulgam, duvidar das versões que apresentam como fatos consumados. Isso é salutar, mas, levado ao exagero, funciona ao contrário, e informa mal os leitores.

No caso da tese de um terceiro mandato consecutivo para Lula, a imprensa tem cometido o pecado do excesso de ceticismo em relação às palavras do presidente da República. Inúmeras vezes, Lula reiterou publicamente que não pretende patrocinar uma articulação para mudar a Constituição a fim de ser candidato em 2010.

Lula já desautorizou o PT a levar a proposta adiante. No entanto, parlamentares da base de apoio do governo insistem em apresentar uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para permitir a re-reeleição. Eles estão em busca de seus 15 minutos de fama. Alguns são neófitos em Brasília. Outros foram poderosos em governos passados e tentam recuperar o prestígio perdido.

O fato concreto é o seguinte: quem acompanha os bastidores do governo Lula sabe que o presidente não tem interesse na re-reeleição.

Lula já disse que seria "brincar com a democracia". Para quem dúvida dessa argumentação "nobre", há razões mais humanas, digamos assim, a explicar a avaliação do presidente.

Uma articulação para o petista concorrer em 2010 teria um preço político altíssimo. Lula teria de entregar a sua cadeira no Palácio do Planalto para que deputados votassem a favor da emenda. Mais: a maioria do governo no Senado é apenas numérica. Numa batalha de verdade, o governo correria o risco de perder. Foi assim em dezembro passado ao tentar a aprovar a prorrogação da CPMF, o imposto do cheque.

Também seria inevitável a comparação com o tucano Fernando Henrique Cardoso, presidente que em 1997 patrocinou uma mudança constitucional em benefício próprio. Lula é o presidente mais bem avaliado da série histórica que o Datafolha faz desde 1990. FHC teve um segundo mandato recheado de problemas. O tucano encerrou o governo com popularidade em baixa. Já o petista nada de braçada no segundo mandato.

No futuro, Lula poderá dizer que tinha força política para tentar continuar no cargo, mas preferiu ser um democrata a mudar a lei para concorrer em 2010. Na disputa algo infantil com FHC, ele teria um bom argumento para marcar diferenças "positivas" em relação ao antecessor.

Por último, há um fator que desmonta a afirmação do vice-presidente, José Alencar, de que, consultado, o povo daria a Lula a oportunidade de tentar continuar no cargo. Pesquisa Datafolha mostrou que 65% dos brasileiros rechaçam a possibilidade de um terceiro mandato seguido para Lula.

*

Planos

Em entrevista à Folha, em outubro passado, Lula admitiu que poderia concorrer novamente à Presidência. Mas apenas em 2014 ou em 2015, a depender da regra em vigor. Ele rejeitou a re-reeleição.

Há, sim, uma articulação em curso entre PT e PMDB para tentar um acordo com o PSDB sobre o fim da reeleição. A intenção é votar em 2009 a extinção desse expediente e a recriação do mandato presidencial de 5 anos.

*

Opinião pura

A regra da reeleição é boa. Permitir apenas uma reeleição seguida é fundamental.

Mudar essa regra em 2009 será um casuísmo para contemplar petistas e tucanos.

Ter mudado a regra em 1997 para criar a reeleição em benefício de um presidente no poder também foi um casuísmo.

São desejáveis menos casuísmos na vida institucional brasileira.

*

Dilmagate

As novas revelações da versão impressa de hoje (04/04) da Folha provam que foi feito um dossiê dentro da Casa Civil contra FHC. Não dá para chamar de banco de dados um arquivo montado com uma clara diretriz política. Nos bastidores, a situação da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, é mais grave do que admitida de público pelo governo. Foi dada uma versão que não se sustenta. Lula gosta de Dilma e tenta protegê-la.

Jornalismo não é torcida. A expressão Dilmagate retrata com exatidão o escândalo atual. Precipitação, no caso, tem sido arrumar versões para tapar o sol com a peneira.

Kennedy Alencar colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre bastidores do poder, aos domingos. É comentarista do telejornal "RedeTVNews", de segunda a sábado às 21h10, e apresentador do programa de entrevistas "É Notícia", aos domingos à meia-noite.

FolhaShop

Digite produto
ou marca