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Passados
cinco anos e meio de governo, o presidente Fernando Henrique Cardoso
resolveu anunciar, com pompa, um código de ética para o funcionário
público. Em seu discurso, falou de cadeados colocados em casa arrombada
e constatou que a corrupção está cada vez mais ousada.
Não se sabe porque só agora FHC decidiu adotar um discurso mais duro
contra a corrupção. Desde o início do seu primeiro mandato, pipocaram
vários casos obscuros _Sivam, compra de votos, grampos da privatização,
dinheiro barato para bancos quebrados, viagens em jatinhos particulares.
Mas nenhum recebeu tanto empenho retórico como o episódio envolvendo
seu ex-auxiliar Eduardo Jorge. Daí as medidas já terem recebido o
apelido de "Código EJ".
O próprio EJ não passaria pelo código, assim como muitos outros que
atuaram no primeiro escalão do governo. Público e privado se misturaram
em diversas ocasiões, sem merecerem críticas severas. Até essa semana,
o presidente não parecia tão empenhado em demonstrar que é um combatente
contra o desvio de dinheiro público. Logo que assumiu, em janeiro
de 95, ele extinguiu a Comissão Especial de Investigação, que apurava
denúncias de irregularidades no governo. Pelo menos 15 inquéritos
ficaram sem conclusão.
Agora, quando o discurso parece que vai mudar, já surgem "rebeliões"
contra as medidas nas chamadas bases governistas. O líder do PSDB
no Senado, Sérgio Machado, por exemplo, protestou contra o corte de
verbas para as obras consideradas irregulares. O vice-presidente do
PFL, senador José Jorge, argumentou: "Paralisar a obra é jogar no
lixo o dinheiro já aplicado".
Ambos parlamentares tratam cuidar de construções polêmicas em seus
Estados. O governo diz que vai manter a decisão de cortar o dinheiro
para empreitadas sob suspeita. Vamos ver se vai segurar a pressão
política.
Outro ponto de divergência é a tal quarentena para o funcionário público
_afastamento de quatro meses de funções na iniciativa privada que
tenham alguma relação com a exercida pelo servidor. No dia seguinte
ao anúncio do código, já se ficou sabendo que a medida é inviável
na prática, pois ninguém pode ser impedido de trabalhar. Um indicativo
de que o pacote moralizante foi feito às pressas, para enfrentar a
crise política.
Mas se o código não ficar só na retórica, o caso EJ já terá cumprido
um papel: o de colocar a questão da corrupção no centro do debate.
Vamos ver agora como ficam as ações (e punições) práticas. Para enfrentar
a maré, elas também vão precisar de mais ousadia.
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