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Já se sabia que o FMI é, talvez, a mais lateral das instituições multilaterais em funcionamento hoje no mundo. Embora mantenha salas com ar-condicionado e assistentes trilingues para diretores-executivos de grupos pobres e emergentes, até os postes de Washington sabem que os EUA mandam naquele pedaço.
A União Européia funciona como uma espécie de atriz coadjuvante tentando roubar o papel principal. O resto, ou nós, é claro, somos todos figurantes.
Os EUA detêm 18% das quotas do Fundo o que os torna o maior acionista da instituição_ e influenciam diretamente em todos os programas de ajuste espalhados pelo mundo.
Alguns detalhes dessa influência foram revelados ontem, na Folha, por meio de cópias de telegramas e documentos internos do governo norte-americano.
Um dos que chama mais atenção data de 4 de fevereiro de 1994, quando o Plano Real começava a sair da cabeça de nossos tecnocratas.
Naquele mês, uma missão do FMI estava em Brasília colhendo dados e ensinando a nós, pobres mortais, como sair da espiral inflacionária usando, como instrumentos, o enxugamento do Estado e a privatização.
Antes mesmo de relatar oficialmente suas conversas à diretoria do FMI em Washington, o então chefe da missão do Fundo no Brasil, o argentino José Fajgenbaunn, arranjou tempo para ser entrevistado por diplomatas norte-americanos em Brasília.
"Nossa embaixada (em Brasília), depois de entrevistar o chefe da missão do Fundo, concluiu que as perspectivas de um stand-by até 10 de março são remotas. O Brasil foi incapaz de apresentar os dados fiscais para o FMI e pediu ao time que retorne ao país no fim do mês."
Tal "entrevista" não só estupra as regras básicas de conduta de funcionários do FMI _teoricamente empregados do Fundo e não dos EUA.
Ela também nos irrita profundamente. Nos acostumamos, durante 20 anos, a receber em nosso país técnicos do Fundo que se negam a conversar com a imprensa ou com acadêmicos brasileiros e nunca aproveitaram seu tempo para visitarem favelas, universidades e comunidades de bairro _ou seja, os seres humanos afetados pelas políticas de ajuste do FMI.
Além de tudo, são mal-humorados e mal-educados. O argentino Fajgenbaunn, que transforma-se em ícone desse comportamento com o telegrama descrito acima, foi tão solícito com os norte-americanos que até fez a gentileza de locomover-se de seu hotel onde hospedava-se em Brasília para a embaixada dos EUA. Lá, contou as últimas novidades, feito um empregado dando satisfação ao patrão.
É bom lembrar que nem todos os funcionários do Fundo agem dessa forma. Em sua última viagem ao Brasil, o número dois da instituição, Stanley Fischer, não retornou os inúmeros telefonemas feitos por funcionários norte-americanos a seu hotel e montou uma agenda de tal maneira a nunca encontrar-se com diplomatas norte-americanos nos eventos aos quais comparecia.
Não que Fischer esteja distante do governo norte-americano _aliás, é o técnico do FMI mais próximo do Tesouro dos EUA. No entanto, ele percebe que os detalhes às vezes denunciam o conjunto. E precipitam reações não desejadas.
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