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O caso da vaca louca mostra como o comércio internacional deixou de ser um jogo de criança. Um novo protecionismo, mais refinado, deu lugar ao uso escancarado e explícito de tarifas para impedir que produtos cruzem fronteiras. Em público, todos são favoráveis à integração comercial. Nos gabinetes, cientistas, não mais economistas, ganharam terreno tramando entraves sanitários, elétricos e eletrônicos para proteger mercados internos. São veterinários, médicos e especialistas em segurança do consumidor.
Hoje, para impedir que batatas de um determinado país concorram com as de um mercado interno específico, basta levantar a suspeita de que carregam peste ou doença. Normalmente, bastaria a confirmação de pelo menos um caso da doença para que a comunidade internacional (especificamente o comitê da OMC que cuida de assuntos sanitários) aceite o veto a um produto sob a alegação sanitária. Mas o precedente canadense fez empurrar ainda mais a fronteira desconhecida do neoprotecionismo. Agora, basta alegar risco teórico. O Canadá pode até estar com razão ao preocupar-se com a carne brasileira. Mas teria que esperar indícios mais evidentes e não basear-se apenas numa suposta dedução lógica.
O Brasil é inocente demais. Quando morei no Japão, testemunhei dois ministros da Agricultura brasileiros, visivelmente embriagados pelo conforto excessivo da receptividade japonesa, dizerem que a liberação do mercado japonês para as frutas brasileiras seria anunciada "em breve". Ao lado dos ministros, funcionários do governo japonês balançavam a cabeça, quase rindo, em sinal de aprovação.
Só que as frutas brasileiras continuam sem entrar no Japão. No caso da manga, por exemplo, o Brasil não teria conseguido provar que seus métodos de controle contra a mosca do mediterrâneo são eficazes. Todo ano, cientistas japoneses vão ao Brasil, animados com o sol e com as belas mulheres, estudar os avanços dos métodos nativos contra a tal mosca. Voltam ao Japão e, invariavelmente, pedem mais providências, julgando os avanços brasileiros insuficientes. Um olhar mais atento revela quem o Japão protege ao manter a proibição: produtores japoneses que plantam manga na Tailândia.
No mundo moderno, é assim que se faz. Só que o Brasil acredita que nós, mercados emergentes, somos mais prejudicados porque exportamos produtos básicos em larga escala e eles estariam mais sujeitos a barreiras sanitárias. Mas é mentira. Cientistas também podem assinar laudos dizendo que aparelhos celulares canadenses provocam risco de explosão, modelos de televisão japoneses causam cegueira e carros alemães são despreparados para estradas brasileiras. Basta alegar.
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O leitor Marcelus Zalloti, de São Paulo, registrou, corretamente, uma omissão na minha coluna anterior ("O bombril da antena e a TV digital", de 5 de fevereiro). Esqueci de mencionar o padrão japonês entre os que concorrem à tecnologia oficial de transmissão de TV Digital de alta qualidade no Brasil- conhecida como HDTV. É verdade. Eu havia citado apenas os padrões norte-americano e europeu. O leitor lembra que "o padrão japonês o único originalmente concebido para transmissões via aérea, através de antenas emissoras e receptoras, como é mais comum por aqui (no Brasil). Já os padrões usados nos EUA e Europa foram pensados para transmissões via cabo." A briga no Brasil entre os defensores dos três padrões está ficando cada vez mais quente.
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