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André Singer
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  06 de fevereirode 2001
  Mistura Fina
  
  

É o eleitorado irracional?

A eleição em Israel, com a vantagem prevista do Likud, parece contrariar as teses que sustentam a inteligência média dos eleitores nas democracias de massa. O problema não é ideológico. Votar na direita pode ser tão razoável quanto na esquerda, a depender da posição social do votante. Ocorre que, no caso do Oriente Médio, a vitória de Ariel Sharon prenuncia, na opinião de todos os analistas que tive a oportunidade de ler, um agravamento da guerra entre judeus e palestinos (Folha, 6/02, p. A 13).

Poder-se-ia argumentar, no entanto, que os eleitores do general da reserva pensam diferente dos analistas aos quais dou crédito. Embora o raciocínio dos comentadores seja linear _Sharon representa endurecimento, o qual levará a reação equivalente do outro lado--, sempre pode-se imaginar que os cidadãos acreditam na eficácia de uma ação dura por parte de Israel.

O argumento não é absurdo, como pode parecer a primeira vista. O Estado israelense sempre impôs-se pela força. Desde a década de 40, quando lograram estabelecer uma nação moderna no território da antiga Palestina, os judeus aprenderam que todas as conquistas dependeram, em última análise, da força das armas. Diplomacia, operações de imagem, divulgação de idéias. Tudo foi secundário em face da força das armas.

O povo de Israel acostumou-se a viver em guerra. Homens e mulheres armados de metralhadoras, fardados ou não, são comuns nas ruas de Telaviv e Jerusalém. Quando estive naquele país, no final dos anos 80, tive a impressão de estar de visita a Cuba após a invasão da Baía dos Porcos em 1962. Segundo os relatos, naquela os cubanos estavam prontos a ir para a frente de batalha a qualquer segundo.

Para um país que nasceu e cresceu nesse clima, é difícil concluir que as armas são parte do problema e não da solução. Para atingir a lucidez demonstrada pelo escritor Amós Oz (Veja, 7/02, p. 11), há um duro e penoso caminho, no qual ouso imaginar que o Muro das Lamentações seja de pouca valia. Oz observa de modo simples e direto que só existe uma solução possível para a região. Dividir o território israelense em dois. Dar uma metade para cada povo e resolver a disputa.

Compreende-se que os israelenses apeguem-se ao que conquistaram à custa de imensos sacrifícios. Como afirma o escritor, "soluções de compromisso são assim mesmo: nunca satisfazem plenamente as duas partes, seja na separação de um casal ou na dissolução de uma sociedade".

Em outras palavras, reconhecer a legitimidade da reivindicação do outro povo significa, no caso, admitir que não há solução ótima. Tanto palestinos quanto judeus gostariam que o outro não existisse. As minorias fundamentalistas de ambos os lados alimentam a fantasia de que seria possível eliminar o rival da face da Terra. Assim, tudo estaria, de uma hora para outra, resolvido.

Os fatos, contudo, demonstram que os dois povos continuarão a existir. Perseguidos, expulsos, massacrados, em momentos diferentes da História, palestinos e judeus demonstraram uma capacidade redobrada de sobreviver. Com certeza, as provações redobraram a força da identidade nacional. Se é assim, só resta concordar com Óz. Será preciso cortar ao meio, até mesmo a cidade sagrada de Jerusalém.

Ao recusar essa conclusão inevitável, a maioria do eleitorado israelense condena-se a seguir debaixo das pedras, das balas e das bombas palestinas. Não importa quem começou, nem quem está com a razão ética. Trata-se da "verdade efetivas das coisas", como dizia Maquiavel.

Devemos concluir, então, que o eleitorado é irracional? Se racional é aquele que sabe encontrar o meio mais eficiente de atingir um fim e o fim almejado é a paz, sim. Mas se entendermos que uma parte significativa dos eleitores quer a guerra, com todos os custos que tem, porque ela se tornou um modo de vida, cultivado por décadas, para não falar em milênios, então a resposta é não. O eleitorado não é irracional. Irracional, por assim dizer, é a própria História.


Livro da semana
"César" (Ediouro, 2000, 302 páginas), é um romance de Allan Massie, em que Brutus rememora a personalidade do ditador que admirava, mas acabou por assassinar em 15 de março de 44 aC, no Senado romano. Nada como um pouco de História para colocar os grandes dramas da atualidade em perspectiva.

Trecho
"E assim a noite se fechou sobre mim. Escrevi para Antônio e para Otávio, mas estou resignado com a morte. Meu último desejo é evitar a desonra. Por isso, narrei minha história de participação na morte de César. Caso esta história sobreviva, confio que a posteridade me julgará um leal servo da República".

Verso pop da semana (na torcida)
"Os Paralamas do Sucesso vão tocar na capital"

Cantado por Herbert Vianna em Vital e sua moto.

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