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André Singer
asinger@uol.com.br
  2 de fevereiro de 2001
  Mistura Fina
   
   

Por um Parlamento republicano

Perdoem-me os leitores o tom solene do texto que segue. Mas creio que está na hora de expressar alguma indignação cívica diante do que se passa no Congresso Nacional.

A briga entre ACM e Jader Barbalho tem pelo menos uma vantagem. A de evidenciar uma ferida aberta. O Parlamento passa por um dos piores momentos desde que a democracia voltou a vigir no Brasil. Um personagem com grande conhecimento da política brasileira _a quem não posso identificar _ lembrava-me estes dias de que há não muito tempo o presidente da Câmara dos Deputados era Ulysses Guimarães.

Trata-se de uma lembrança oportuna. Não porque o "doutor" Ulysses fosse inquestionável. Como todo político da velha cepa pessedista, tinha os tiques clássicos das negociações miúdas. No entanto, chegado o momento das grandes decisões, soube colocar-se à altura do momento histórico.

Sem qualquer demérito pessoal, não vejo qualquer dos atuais disputantes com envergadura para organizar a resistência ao autoritarismo que Ulysses encabeçou nos anos 70. Não consigo, da mesma forma, imaginá-los na condução de um movimento como o das diretas-já, que lhe valeu o apelido de Sr. Diretas. Por fim, não os figuro, Constituição em punho, a entregar a nova Carta, alcunhada de "cidadã", ao povo brasileiro em 1988.

Insisto em que não se deve mitificar Ulysses ou qualquer outro dos políticos que tiveram projeção na retomada da democracia brasileira. Interessa observá-los em sua justa dimensão. Todos eles envolveram-se até o âmago em contradições, até porque não há outro modo de interagir com a realidade a não ser mergulhar nela, com toda a carga de pressões cruzadas que isso envolve. O que vale a pena indagar é o que houve com o sistema de seleção de lideranças em vigor no Parlamento. Não se deve buscar santos, porém nada mais normal que esperar doses razoáveis de virtude cívica nos dirigentes dos poderes da República.

Mesmo sem julgá-las, ação a que só a Jusitça está habilitada, as acusações que pesam sobre Jader Barbalho deveriam ser o suficiente para que o Senado bucasse outro homem ou mulher para representá-lo perante o país e as demais instituições. O próprio ACM, que carrega na biografia ter sido peça importante da dissidência que viabilizou a candidatura Tancredo Neves em 1985, é um homem controvertido. Dir-se-á que, pela natureza da luta partidária, o conjunto de envolvidos nas instituições representativas será sempre controvertido. Atacados por uns, amados por outros. É verdade. No entanto, todos reconhecem que existem aqueles que _independentemente de partidos _têm maior densidade política e moral. São líderes entre os líderes.

O que está em jogo, portanto, é a qualidade da liderança. A figura de Ulysses Guimarães foi aqui lembrada apenas porque sabe-se que ela impunha respeito à esquerda e à direita, preservadas as divergências programáticas.

Não é uma questão menor. Retiro o que disse em uma coluna anterior, quando afirmei que as mesas do Congresso eram um assunto doméstico. Não são. Os presidentes da Câmara e do Senado, com os chefes do Executivo e o Judiciário, lideram e simbolizam a República. E nós, os cidadãos, não queremos que ela seja de bananas.

Livro da semana

Ariel Dorfman foi uma espécie de menino-prodígio. Com menos de 30 anos ficou famoso ao publicar Para ler o Pato Donald, um texto do começo dos anos 70, em que criticava o imperialismo cultural. De lá para cá, Dorfman, que é chileno e norte-americano ao mesmo tempo, continuou a produzir ensaios, aos quais acrescentou obras de ficção, sempre com grande repercussão. Neste romance A babá e o iceberg, procura dar conta do Chile atual. Creio que vale a pena dar uma olhada, para quem quiser entender um pouco melhor o pano de fundo sobre o qual transcorre o caso Pinochet comentado acima.

Trecho

"Você quer que alguém destrua o iceberg?"

"Quero que tentem. Quero alguém lá fora que odeie o iceberg tanto quanto eu o amo, quero que faça a tentativa. Isso me manteria seguindo adiante. Deixe-me contar-lhe quando eu me senti mais vivo do que nunca. Escreva isso, vamos, isso permitirá que seus leitores estrangeiros entendam uma ou duas coisas. Você sabe quando? Quando Allende quis expropriar nossa fábrica de refrigeradores no início dos anos setenta. Sim, os socialistas queriam entregá-la aos trabalhadores. Como se eles tivessem alguma idéia de como administrá-la. Queriam derrubá-la, isso é o que queriam. E nós lutamos com eles, demos uma surra neles, vencemos. Chile, país ganador, um país que sabe como vencer."

Verso popular da semana:

"Solo el amor con su ciencia
Nos vuelve tan inocentes".


Violeta Parra (1917-1967), compositora e cantora chilena, em "Volver a los 17".

Verso pop do fim-de-semana:

"Te recuerdo Amanda
La sonrisa ancha
La lluvia en el pelo"

Victor Jara, cantor e compositor chileno, em Te recuerdo Amanda


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