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André Singer
asinger@uol.com.br
  06 de fevereirode 2001
  Mistura Fina
  
  

A ameaça que vem de fora

O ano começou com uma série de notícias positivas na área econômica. Redução dos juros, diminuição do desemprego, crescimento industrial. Verdade que eram todos índices moderados. Os juros brasileiros ainda são dos mais altos do planeta; o emprego só apareceu para uma parcela pequena dos milhões que precisam trabalhar; a produção da indústria nos devolve a patamares apenas um pouco superiores aos de 1994.

Mesmo tímida, a série de números apontava para um ambiente positivo neste 2001. Com a inflação baixa, o aumento de 4% do PIB significaria desafogo para uma parcela de brasileiros, sobretudo se fosse possível implementar políticas públicas distributivas.

A vitória de partidos de esquerda nas eleições municipais do ano passado contribuiria para isso. Tanto porque colocava em cidades importantes administrações comprometidas com iniciativas voltadas para os setores mais carentes quanto porque dava um alerta para o bloco de apoio a FHC. PSDB, PMDB e PFL perceberam que o "social" havia voltado à agenda e seria decisivo no pleito de 2002.

Vários fatores conspiravam, assim, para que o Brasil entrasse em um ciclo de resgate lento _bem mais lento do que gostaria o colunista_ porém contínuo de combate à miséria e à pobreza. No entanto, uma ameaça, até agora pouco visível para o grande público, paira sobre tal cenário. Trata-se do desajuste das contas externas.

Outra vez um tema com aparência técnica _como o é a taxa de juros_ tem potencial para turvar o fim do mês de muita gente. Até o começo de fevereiro, o país já havia acumulado um déficit de US$ 557 milhões (diferença entre o que foi importado e o que foi exportado). À medida que saem mais dólares do que entram, os investidores estrangeiros começam a fazer cálculos a respeito do que aconteceria caso houvesse uma corrida e todos os que possuem dinheiro investido aqui resolvessem trocar seus reais por dólares, de modo a levá-los embora.

As reservas brasileiras são grandes. Ocorre que o volume de recursos externos que afluiu para cá depois do Real é imenso. Ao mesmo tempo, os seis anos que se passaram desde que o plano foi adotado foram de saldo negativo, ou seja importamos mais do que exportamos. Em outras palavras, gastamos mais dólares do que obtivemos.

O resultado dessa contabilidade não é difícil de perceber. A cada ano em que o Brasil deixa de aumentar as reservas em passo compatível com o fluxo de capital estrangeiro, o buraco potencial agrava-se e os investidores ficam mais preocupados. O mercado financeiro é irracional, ou seja, a corrida pelos dólares pode começar a qualquer momento. Basta um boato forte, do tipo "o próximo governo não vai honrar a dívida", para que a boiada estoure. Óbvio: todos sabem que, racional ou irracional a corrida, quando ela se inicia, quem fica para trás paga o mico porque não haverá dólares para todos.

No curto prazo, ao governo brasileiro resta apenas uma saída, já que a orientação neoliberal da equipe econômica não permite imaginar uma atitude no sentido de controlar o capital especulativo que entra no país. O Banco Central será orientado no sentido de aumentar os juros. Por enquanto, o BC vai apenas parar de reduzir a taxa. É o que se prevê para a reunião do Comitê de Política Monetária da semana que vem . Depois, se a situação da balança comercial se agravar, os juros podem até voltar a subir.

Com isso, perturbam-se as expectativas de crescimento para 2001 e os benefícios sociais esperados, que já não eram grande coisa, podem ser menores ainda. Enfim, poderemos ficar mais próximos de marcar passo, como aconteceu nas décadas de 80 e 90.

Para reverter o quadro negativo no intercâmbio comercial com o exterior são necessárias políticas públicas de médio e longo prazo.

Tanto para exportar mais, como indica o economista do BNDES e do BID Maurício Mesquita Moreira , quanto para vender produtos com maior valor, como aponta o economista João Furtado, da Unesp, é necessário planejar e executar decisões cujos efeitos demoram a aparecer, uma vez que mexe-se nas cadeias produtivas. Nada, portanto, que ajude a melhorar a situação de quem não pode esperar dez anos para fazer o supermercado do mês.

Esperemos que os gelados ventos canadenses não se espalhem e um golpe de sorte ajude a espantar o mal agouro que vem de fora.


Livro da semana
"César" (Ediouro, 2000, 302 páginas) é um romance de Allan Massie, em que Brutus rememora a personalidade do ditador que admirava, mas acabou por assassinar em 15 de março de 44 aC, no Senado romano. Nada como um pouco História para colocar os grandes dramas da atualidade em perspectiva.

Trecho
"E assim a noite se fechou sobre mim. Escrevi para Antônio e para Otávio, mas estou resignado com a morte. Meu último desejo é evitar a desonra. Por isso, narrei minha história de participação na morte de César. Caso esta história sobreviva, confio que a posteridade me julgará um leal servo da República".

Verso pop da semana (na torcida)
"Os Paralamas do Sucesso vão tocar na capital"
Cantado por Herbert Vianna em Vital e sua moto.

Verso pop do fim de semana (ainda na torcida pelo Herbert)
"I’am not surprised
But I’ll survive"

B.B. King, em I’ll survive.

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