Vinicius Mota
23/10/2005
Nesse segmento, conseguiram seduzir parcela, se minoritária, representativa e influente dos que se ocupam do trabalho intelectual --jornalistas, acadêmicos e profissionais com acesso aos meios de comunicação de massa em geral. De repente, tornou-se "in" apertar a tecla 1 e registrar o voto "não".
A identificação da opção pela proibição a uma bandeira do governo Lula da Silva certamente contribuiu para essa migração. A tendência valeu a despeito de a frente favorável ao "sim", na realidade, ter extrapolado de muito essa conexão, envolvendo forças identificadas com diversos partidos políticos, entre eles muitos tucanos, para citar o maior pólo de oposição a Lula.
A confusão conceitual e ideológica provocada pelo decaimento das expectativas acerca do petismo e do lulismo --não são poucos os profissionais do intelecto que passam por uma profunda crise de identidade-- encontrou seu primeiro grande campo de provas. E alguns que antes não hesitariam em endossar a proibição do comércio armamentício tornaram-se defensores, ainda que céticos, da opção oposta. Afigurava-se, afinal, uma oportunidade de dar uma lição exemplar no governismo decaído.
Agregue-se a essa tormenta de convicções a comichão que nós articulistas de opinião sentimos toda vez que surge uma oportunidade tão evidente de remar contra a maré, de aparecer como os que operam, no jargão horrendo, a "desconstrução" de um consenso de pensamento. Foi a união da fome com a vontade de comer. Tornou-se vanguardista acatar o "não", ou levar o argumento verídico do baixo potencial de impacto do referendo sobre a realidade, qualquer que fosse seu resultado, a extremos que o transformaram em desprezo niilista pela votação.
Sem mais, esses filósofos tardios da reviravolta do consenso de idéias a favor do "não" associaram-se a uma campanha que amalgamou o individualismo radical, a tradicional demofobia de setores médios e ricos do Brasil (estão de volta os "cidadãos de bem"), o desprezo pelo Estado (tratado como incapaz, por definição, de prover segurança), o privatismo excludente (afinal, não se prega a distribuição de armas e munições, como conseqüência lógica de um direito que se julgue universal, nas periferias e cestas básicas do país) e a crença na violência como método por excelência de solução de conflitos sociais.
Devem estar orgulhosos do que fizeram. Venceram. Já os demônios do ódio de classes à brasileira que alimentaram não costumam voltar às profundezas tão cedo. Vão querer bis.
Tornou-se "in" votar "não"
Independentemente do resultado do referendo de hoje, os partidários do voto contra a proibição do comércio de armas de fogo e munições conquistaram ao menos uma importante vitória. Lograram, e estou me baseando nas pesquisas de opinião e na observação das argumentações publicadas sobre o tema, atrair a classe média para a sua causa.Nesse segmento, conseguiram seduzir parcela, se minoritária, representativa e influente dos que se ocupam do trabalho intelectual --jornalistas, acadêmicos e profissionais com acesso aos meios de comunicação de massa em geral. De repente, tornou-se "in" apertar a tecla 1 e registrar o voto "não".
A identificação da opção pela proibição a uma bandeira do governo Lula da Silva certamente contribuiu para essa migração. A tendência valeu a despeito de a frente favorável ao "sim", na realidade, ter extrapolado de muito essa conexão, envolvendo forças identificadas com diversos partidos políticos, entre eles muitos tucanos, para citar o maior pólo de oposição a Lula.
A confusão conceitual e ideológica provocada pelo decaimento das expectativas acerca do petismo e do lulismo --não são poucos os profissionais do intelecto que passam por uma profunda crise de identidade-- encontrou seu primeiro grande campo de provas. E alguns que antes não hesitariam em endossar a proibição do comércio armamentício tornaram-se defensores, ainda que céticos, da opção oposta. Afigurava-se, afinal, uma oportunidade de dar uma lição exemplar no governismo decaído.
Agregue-se a essa tormenta de convicções a comichão que nós articulistas de opinião sentimos toda vez que surge uma oportunidade tão evidente de remar contra a maré, de aparecer como os que operam, no jargão horrendo, a "desconstrução" de um consenso de pensamento. Foi a união da fome com a vontade de comer. Tornou-se vanguardista acatar o "não", ou levar o argumento verídico do baixo potencial de impacto do referendo sobre a realidade, qualquer que fosse seu resultado, a extremos que o transformaram em desprezo niilista pela votação.
Sem mais, esses filósofos tardios da reviravolta do consenso de idéias a favor do "não" associaram-se a uma campanha que amalgamou o individualismo radical, a tradicional demofobia de setores médios e ricos do Brasil (estão de volta os "cidadãos de bem"), o desprezo pelo Estado (tratado como incapaz, por definição, de prover segurança), o privatismo excludente (afinal, não se prega a distribuição de armas e munições, como conseqüência lógica de um direito que se julgue universal, nas periferias e cestas básicas do país) e a crença na violência como método por excelência de solução de conflitos sociais.
Devem estar orgulhosos do que fizeram. Venceram. Já os demônios do ódio de classes à brasileira que alimentaram não costumam voltar às profundezas tão cedo. Vão querer bis.
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Vinicius Mota, 33, é editor de Opinião da Folha (coordenador dos editoriais). Foi também editor do caderno Mundo e secretário-assistente de Redação da Folha. Escreve para a Folha Online aos domingos. E-mail: vinicius.mota@folha.com.br |