Pensata

Lúcio Ribeiro

09/12/2005

A banda do ano

"Although you're trying not to listen
I bet your eyes are staring at the ground"
Arctic Monkeys, em "When the Sun Goes Down"

"Ainda vou te programar
Num videogame terminal
Vou tua imagem congelar
Em um sistema digital
Que jogo louco"
Azul 29, em "Video Game"

"Dans leurs yeux des dollars
Dans leurs sourires des diamants
Moi aussi un jour je serai beau comme un Dieu"
Franz Ferdinand, em "Sexy Boy"


Hey, scenester, tudo certo?

Como diz o Eminem: "Shake that".

* Seguinte. Nosso 2006 de shows internacionais descolados pode começar bem antes do que você pensa. A droga é que estou proibido de falar qualquer coisa antes da semana que vem...

* Agora que você já revirou, sacudiu de alto a baixo, debulhou e decorou o novo álbum dos Strokes, conta aí qual sua música predileta. Depois que escapou para a internet e com a velocidade que foi devorado, a banda nova-iorquina resolveu antecipar o lançamento de "First Impressions of Earth", o terceiro, para dia 2 de janeiro (Inglaterra. Nos EUA é 3). Feliz Ano Novo com os Strokes. Nos últimos dias o grupo andou chacoalhando a Inglaterra. Sabe qual a música nova favorita dos britânicos: a nossa "velha" conhecida "Hawaii", que nem está no disco.

* E, até que enfim, o relato 200 horas com os Strokes, que apareceu na capa da corrente revista "Bizz", vai ser colocado na íntegra lá embaixo.

* A bandinha mais legal do planeta, o Arctic Monkeys, revelou o nome de seu esperado primeiro disco, que sai em janeiro. É, atenção, "Whatever People Say I Am, That's What I'm Not". Uma coisa boa e outra ruim. O nome é ótimo. Mas ele evidencia também que o menino Alex Turner, 19 anos, considerado o ser mais cool hoje na música, vem demonstrando um jeito Kurt Cobain de lidar com a fama. Primeiro falou "Don't believe the hype" no videoclipe, depois batiza assim o disco de estréia.
Enfim, já ouviu "When the Sun Goes Down"?

* Você vê como uma banda é bacana nas pequenas coisas. Tipo o We Are Scientists, de Nova York, e sua simpática capa do CD de estréia, que já saiu na Inglaterra e terá lançamento americano no começo do ano. Chama "With Love & Squale".

* Futebol é pop. Parece que entre os vários festejos de abertura da Copa do Mundo do ano que vem, na Alemanha, estão marcados shows de Oasis e Killers. Tocam em Dortmund um dia antes da abertura oficial do Mundial 2006.

* Hoje existe um milhão de bandas indies no Brasil, mas teve um tempo, tipo nos anos 80, que tinha três ou quatro. Duas delas, as cultuadíssimas (na época) Harry e Azul 29, estão ganhando sensacional relançamento em caixas caprichadas, com os CDs originais e um libreto. É de autoria da Fiber Records (FiberOnline). A primeira caixa a sair é a do Harry, de Santos, que vem com três CDs ("Taxidermy - Boxing Harry"). Está chegando nos próximos dias às lojas. Depois vem do incrível Azul 29, uma banda que teve um culto underground tipo Arctic Monkeys e, exemplo mais próximo, Cansei de Ser Sexy. Mas isso sem internet. E tocando no famoso porão do Madame Satã, o mais emblemático clube que São Paulo já teve.

* A campanha para achar o misterioso vídeo do show do Nirvana em São Paulo (1993) está comovente. Porém, o Santo Graal do grunge, o produto mais procurado no mundo sobre a banda que virou o rock do avesso nos anos 90, ainda não foi achado. Já apareceram 10 minutos de imagens, incluindo longas cenas em que Kurt Cobain destrói duas guitarras. Mas a íntegra do show, se é que ela existe, ainda está por ser encontrada. Enquanto isso, surgem notícias de que um filme sobre o Nirvana vai chegar aos cinemas em 2006, em forma de documentário e narrado pelo próprio Kurt Cobain. Mais sobre isso em outra oportunidade.

* Para dar uma idéia do que é o esforço coletivo pop, a busca do vídeo do Nirvana fez esta coluna receber um email até do... Kurt Cobain. Sei lá. Chegou um de remetente kurtcobain@xxx.com.br. Fora que isso incentivou a galera a pedir campanha para coisas raras, como um vídeo do velho e famoso festival indie Junta Tribo, dos 90. E até um de show antigo dos Titãs. Dos Titãs.




SEXY BOYS

Você vai ver mais para baixo: a enquete para apontar qual a principal banda de 2005, segundo os leitores desta coluna, levou ao topo a banda escocesa Franz Ferdinand. E o grupo de Alex Kapranos deixou os bem-amados Strokes, Arcade Fire e Oasis muito para trás.

Mesmo sem ter vindo ao Brasil neste ano em que (quase) todo mundo veio ao Brasil, o Franz Ferdinand conquistou 2005 porque passou pelo teste do segundo disco. Porque seus integrantes são muito simpáticos, bem vestidos, sexies. Porque é a banda mais pop das bandas pop. Porque lançou dois clipes excelentes. E porque seus remixes que flertam com a música eletrônica (não só) são os melhores. E porque eles já tinham ganhado o título de principal banda de 2004 nesta mesma coluna, quando a banda apareceu para a cena.

Na última segunda-feira, o grupo do figura Alex Kapranos lançou o segundo single de "You Could Have It So Much Better", o tal segundo disco. A música escolhida para o compacto foi a linda "Walk Away", que é visualmente mostrada com um clipe inspirado no cinema do diretor Alfred Hitchcock, o que reafirma o caráter art-rock do Franz Ferdinand.

"Walk Away", o single, carrega no lado B a cover de "Sexy Boy", hino da cultuada dupla francesa Air. A expectativa da releitura da canção hit de 1998 rendeu até o trocadilho de Franz FAIRdinand para a banda.

Na veia rock do FF, a música, também cantada em francês, perdeu o clima etéreo, mas ganhou uma guitarra lisérgica que conduz na medida o "Sexy boooooooooy" robótico-blasé cantado por Kapranos, se é que é o Kapranos mesmo quem canta.

Franz Ferdinand domina o noticiário pop. Na internet circula algumas excelentes versões remixadas de "Do You Want to", o acachapante primeiro hit do novo disco, música que, para dar uma idéia de seu poder de contágio, é anunciada com entusiasmo em FMs rock-comercialóides como a Mix, de São Paulo.

Quanto aos remix, um deles é do DJ inglês Erol Alkan, o cara que mais entende até que ponto dá para fazer de um rock uma ótima música eletrônica, ou vice-versa. Outra versão extradance de matar de "Do You Want to" circula pela internet com o complemento "Whitey Remix", de autoria do excelente novo artista inglês Nathan Whitey.

Também nesta semana de lançamento de single novo, a banda tocou nos estúdios da Radio One inglesa uma versão engraçada que o Franz Ferdinand burilou para a dançante "What You Waiting For", da loirinha americana Gwen Stefani. Tem fácil na internet.

Também acabou de chegar nas lojas inglesas e americanas o DVD "Franz Ferdinand", duplo e ao vivo, com shows, o documentário "Tour de Franz", entrevistas, os hinos "Take Me Out" e "Matinee" (ambas do primeiro disco) para karaokê. A gravadora brasileira Trama deve lançar aqui até o Natal.

O Franz Ferdinand está agora no meio de uma turnê européia. Por esses dias eles tocam na Suécia, Dinamarca, com show de abertura da atual bandinha-fenômeno da Inglaterra, o Arctic Monkeys.

É mais do que certo que o Brasil receba shows do Franz Ferdinand em 2006. O produtor argentino Daniel Grinbank, que está trazendo o U2 para a América Latina, afirma que o Franz Ferdinand vem junto para abrir as apresentações do megagrupo irlandês.

A Domino Records inglesa nega qualquer acerto com o U2, mas fala que o FF estuda mesmo quatro propostas para tocar no Brasil no ano que vem e deve baixar aqui.

Se alguém disser que o Franz Ferdinand vai levar o prêmio de melhor banda de 2006 entre os leitores desta coluna, pela terceira vez consecutiva, eu não vou ficar nada espantado.




A BANDA DO ANO

Não é surpresa mais, deu Franz Ferdinand, o grupo-assunto do item acima. Então vamos falar do resto.

O Arctic Monkeys, zero CD, chegar em quarto lugar aqui no Brasil é espetacular. Se eu fosse contar uma corrente de emails a favor do Oasis, a banda chegava pelo menos em segundo lugar. Mas limei todos os votos com cara de coisa de fã-clube. Aí eu penso que esses votos todos para o Arctic Monkeys só pode ter sido coisa de fã-clube. Mas uma banda tão nova como o Arctic Monkeys já ter um número de fãs tão atuantes, por mim beleza. Está valendo. Espantou-me o fato de o U2 ter tido tão pouca menção (foram oito). Cachorro Grande, Los Hermanos e Nação Zumbi foram as nacionais, além do CSS, que conquistaram seus votinhos.

1. Franz Ferdinand - 98 votos

2. Arcade Fire - 60 votos

3. Strokes - 53 votos

4. Arctic Monkeys - 45 votos

5. Oasis - 28 votos

6. White Stripes - 26 votos

7. Coldplay - 22 votos

8. Foo Fighters - 19 votos

9. Pearl Jam - 18 votos

10. Cansei de Ser Sexy 11 votos




O DISCO DO ANO

Sem enrolação, a enquete da hora é esta: qual foi o disco avassalador de 2005?

Já desconfio o que vai dar, mas vá lá: do Bravery, Kaiser Chiefs? White Stripes? Maria Rita (eu não consigo evitar...)? Rakes? Bloc Party? Oasis?

Não, não vou citar o do Arcade Fire nem do papão Franz Ferdinand, para não induzir nada a ninguém.

Os emails que forem enviados vão concorrer aos prêmios que serão anunciados abaixo.

Vamos. Faça a sua parte agora.




POPLOAD TOUR

A Popload vai bater neste sábado, 10, em Belém do Pará, no Norte do país. A balada acontece no Café com Arte e o nome da festa é Que pasa?!?!, onde toca ainda a espetacular banda paulistana Los Pirata. Confere o flyer.

Divulgação
Flyer da festa Que pasa?!?!


Este colunista volta lá em cima do Brasil no dia 16 e 17 de dezembro. Primeiro em Recife, na sexta (16), em companhia do grupo britpaulista Wry. A balada é no antigo Irmã Bertrice (rua do Lima, 100). No dia seguinte, a discotecagem rola em Fortaleza, no clube Noise 3D, onde também terá show do grupo Montage.

A Popload Brasil Tour de 2006 começa em janeiro, no dia 7, no "novo" James Bar, em Curitiba. Tem mais duas discotecagens marcadas, que depois aparecem aqui.




PREMIAÇÃO DA SEMANA

Quem mandar o voto para a enquete que vai eleger o disco do ano concorre a:

* Um CD/DVD do Franz Ferdinand, "You Could Have It So Much Better", por enquanto a banda do ano com a música do ano.

* Um single especial do Nirvana, com cinco músicas que tem no box que saiu com uma retrospectiva da carreira e raridades.

* um exemplar do "New Musical Express" especial Cool List, com o CD de 16 faixas com banda como We Are Scientists, Cribs, Antony and the Johnsons, Test Icicles etc.




LOGO MAIS

Bem aqui, a lista dos vencedores das semanas passada e retrasada. Chegue mais para conferir, nesta sexta à tarde.




NA ESTRADA COM OS STROKES

Junho de 2005:

"Lúcio, aqui é Ryan Gentles, empresário dos Strokes. Não sei se você sabe, mas estamos aqui diante de propostas para a banda excursionar pelo Brasil e pela América do Sul. Você pode me ligar em Nova York ou responder a este email quando você tiver um tempo?".

Ligação retornada (caixa postal, recado na secretária) e email respondido.

"Obrigado por responder. São tantas ofertas que fica difícil saber qual a melhor para a banda aceitar. Não estamos falando de dinheiro --não damos a mínima para dinheiro. Eu quero é fazer a melhor coisa para a banda, algo que não vá decepcionar os fãs que temos aí. Você já viu vários shows nossos, a banda conhece você. Então queríamos que você nos ajudasse a decidir o que é melhor para os Strokes. A gente não confia em palavra de gravadora. Eles têm o interesse deles."

Outubro de 2005:

"Boa noite, meus irmãos brasileirooos." Da frase em português do emocionado baterista Fabrizio Moretti, assim que acabou o show de São Paulo no Tim Festival, até a frase "Você precisa ouvir essa banda", que veio em inglês de um emocionado amigo de Londres lá atrás, no comecinho de 2001, passaram-se pouco mais de quatro anos.

Mas parece que já faz uns 20.

Há 20 anos, o grupo nova-iorquino The Strokes, "essa banda", deu uma sacudida tão forte no rock que voou grupos novos para todo lado. Grupos novos, revistas novas, lugares novos para sair, roupas novas.

Há 20 anos, o Brasil esperava por um show desse "dinossáurico" quinteto cuja média de idade é 25 e que finalmente visitou o país neste "final" de carreira.

É como se fizesse mesmo 20 anos. Porque hoje em dia, com a velocidade da informação potencializada a mil graças à internet, um grupo como o canadense Arcade Fire já é velho. Música nova vem agora de bandas como a americana Giant Drag - que é nova até o mês que vem. E que, não será surpresa, vai estar no festival brasileiro do ano que vem também.

E, dessa era virtual que transformou o jeito de consumir música, e que criou a geração Napster devoradora de MP3 tanto quanto de arroz e feijão, os Strokes são o primeiro grande fruto, pode-se dizer.

O grito de "Last Nite" que o vocalista Julian Casablancas deu em um bar sujo de Nova York em 2000 chamou a atenção de um produtor musical inglês que estava bebendo no lugar. O tal produtor, ao final da apresentaçãozinha tosca dos Strokes, chegou junto à banda e pediu uma demo. Logo, a demo estava em Londres, entregue pelo tal produtor a um tal amigo na gravadora caça-talentos Rough Trade. Logo, os Strokes embarcavam para a Inglaterra para lançar o single --não para gravar o single. A Rough Trade decidiu não esperar para colocar a banda no estúdio. Usou a demo mesmo como single oficial. The Modern Age saiu em janeiro de 2001.

Do famoso show no festival do semanário New Musical Express, no mês seguinte, quando a febre Strokes começou, a uma capa do caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo, levou pouco mais de dois meses.

"De repente, surgiu muito interesse nos Strokes. E isso dá medo. Mas ao mesmo temo nos dá felicidade. Não temos nada a perder!", disse em 2001 o baterista Moretti, em entrevista por telefone de Nova York, quando a banda só tinha três músicas e o primeiro álbum completo, Is This It, ainda estava a oito meses de distância.

"É óbvio que eu não tenho do que reclamar e faria tudo de novo. Mas eu perdi algumas coisas, sim. Pelo menos deixei de fazer coisas por ter sido tragado para uma vida em alta velocidade. Estes foram anos absurdos. Parece que eu vivi 20 anos em quatro", disse em 2005 o mesmo Moretti, em entrevista em Nova York, durante sessões de audição para a imprensa do terceiro álbum dos Strokes, First Impressions of Earth, que, enquanto você lê, ainda está a algumas semanas de distância.

A conversa agora aconteceu uma semana antes de a banda embarcar para o Brasil para uma turnê inédita de quatro apresentações - esta que acabou de ocorrer. Exatamente um ano e duas semanas depois do último show do grupo, ainda pela turnê do segundo CD, The Room Is on Fire, álbum tão bom, tão cheio de energia e de tanta vivacidade quanto o primeiro, mas já sem a absurda carga de "hype" que praticamente vinha como selo na capa de Is This It. Mas, neste papo recente em Nova York, com um disco novo já vazando para a internet e às portas dos concertos no Brasil, a palavra que estava presente no dia-a-dia da banda era uma só: tensão.

"Cara, você não tem idéia de quanto estou nervoso com toda essa expectativa", confessa Moretti. "Eu e o Julian conversamos todo dia sobre essa turnê pelo Brasil." Fabrizio Moretti é brasileiro. Quer dizer: meio-brasileiro. O pai, diretor de multinacional, levou o garoto para Nova York aos 4 anos. E exatamente há quatro anos ele fala em vir tocar no Brasil. E há quatro anos o Tim Festival tenta trazê-los para o Brasil. Fabrizio tem avó, tia, pai, primos e irmão morando na cidade em que nasceu, Rio de Janeiro.

Nos quatro anos e tanto que os Strokes foram assuntos no rock, qualquer entrevista para jornalista brasileiro vinha com a promessa de que shows no país iriam ocorrer, sim. Mas o "agora vai" nunca aconteceu. "Essa burocracia estúpida de gravadora sempre nos impediu de tocar no Brasil. Uma vez, no começo de 2003, pensamos em tocar durante nossas férias, armar por nossa conta, alugar os instrumentos e tocar em lugares pequenos. Não deu certo porque o Albert não poderia ir. Seriam shows 'família'", revelou o baterista. "Shows para a nossa família."

Agora, o "agora vai" foi. Os Strokes receberam em 2005 quatro convites oficiais para vir ao Brasil. Tim Festival, festival Claro Q É Rock, Curitiba Rock Festival e para turnê particular, provavelmente feito pelo grupo CIE. A opção final da banda pelo Tim Festival se deu 1) porque o evento quebraria seu padrão de exclusividade e permitiria que os Strokes tocassem em três lugares de importantes bases de fãs no Brasil; 2) para um público muito maior que os minguados 4.000 que os veriam no Rio antes de se confirmar o show extra e 3) permitir uma "temporada carioca" para a banda, que permitissem a Julian e Fabrizio uns dias perto dos parentes.

FABRIZIO, NÃO ESQUECE O CASACO

A banda desembarcou no Rio de Janeiro em 18 de outubro, três dias antes do primeiro dos shows no Tim Festival. De dia, os cinco Strokes ficavam cinco horas dentro de um estúdio de Jacarepaguá, ensaiando as músicas novas para os shows. À noite, jantavam na churrascaria Porcão e circulavam por bares do Rio, principalmente o Empório.

Fabrizio, quando não estava ensaiando, ou com a família, ou nos bares ou comendo empadinha de frango ("Cara, isso é melhor que toda a comida americana junta"), passeava por Ipanema com a namorada, a pantera Drew Barrymore. "Ela é praticamente uma brasileira. Se sente tão à vontade com a minha família que às vezes eu penso que eles estão falando em português. Estivemos aqui há três anos, quando ela conheceu todo mundo. No dia em que chegou, o Brasil tinha ganhado a Copa do Mundo e havia toda aquela festa na rua, gente alegre e bebendo. Ela disse: 'Acho que sei agora porque me apaixonei por você'." Fabrizio está falando ótimo português. "Sempre pratiquei português com a minha mãe, por telefone, ela no Brasil, eu em Nova York. 'Fabrizio, ouvi dizer que está frio em Nova York. Não esquece a jaqueta quando sair!'."

Julian, quando não estava ensaiando ou no Porcão ou em lugares como o Cristo Redentor, estava com os Casablancas. O vocalista dos Strokes pediu 40 ingressos da primeira noite do Tim e um lugar para estacionar um ônibus. Na platéia, a trupe de familiares e amigos brasileiros de Julian não paravam de pular no show dos Strokes. Até os minúsculos Johnzinho e Fernando, meio-irmãos do cantor, subiam aos ombros para dançar ao som do grupo. Faziam contraponto com a avó de 72 anos e a tia de Fabrizio, que comandavam a "torcida" do baterista, do outro lado.

Diferentemente do público e da imprensa, os Strokes não curtiram o primeiro show brasileiro, no Museu de Arte Moderna. Ou, pelo menos, gostaram bem mais do segundo, o do Armazém do Cais do Porto, incendiado por uma platéia em número igual, 4 mil pessoas, e com a média de idade bem mais perto da adolescência. "Ontem estávamos mais nervosos, travados, havia o pessoal da família. Não ia sair um show perfeito, mesmo. Mas serviu para nos confrontarmos com as músicas novas. Podemos dizer que na sexta elas deixaram de ser estranhas para nós. Deram-nos confiança de que o disco novo vai ser bom", disse Julian Casablancas, no hotel, horas antes do show no Porto, no sábado.

Lúcio Ribeiro
Fernando, meio-irmão brasileiro de Julian Casablancas, nas alturas durante o primeiro show dos Strokes no Rio


Enquanto o disco novo todo começava a aparecer na internet, a banda mostrava em primeira mão aos brasileiros, ao vivo, as canções "Hawaii-Aloha", "You Only Live Once", "Razor Blade", "Heart in a Cage" e "Juicebox". O que é essa "Hawaii-Aloha" que vocês tocaram?, perguntei a Fabrizio no sábado, antes do show do Armazém. Ela não estava na audição do disco, em Nova York, duas semanas antes. "O que você achou? Ela é uma música que nasceu de uma brincadeira nossa e vamos usá-la como lado B do single de 'Juicebox'. Vai se chamar ou 'Hawaii' ou 'Aloha', não decidimos ainda", respondeu.

A conversa agora era entre Julian e Fabrizio. "Você viu que tinha gente que sabia cantar 'Juicebox'?", perguntou o baterista. "O que me espantou mesmo foi ver uma menina cantar 'You Only Live Once' com todas as palavras", respondeu Julian, começando um raciocínio. "Eu nem sabia que essa música já tinha vazado. É por isso que eu não posso ficar contra a internet. A gente depende de uma garota assim como ela, que vai no computador dela buscar uma música nossa na internet e depois vai ao nosso show para cantar junto com a gente. Talvez não estivéssemos tocando aqui no Brasil se aquela menina não baixasse música na internet. Enquanto ela não baixar o ingresso pelo computador, tudo bem para mim".
Durante o papo dos dois Strokes, o resto da banda chegava numa suíte presidencial do hotel Caesar Park para uma entrevista para a MTV e uma sessão de fotos para a BIZZ. O guitarrista Albert Hammond Jr., filho do famoso compositor, trouxe um amigo junto. "Rapazes, tem alguém que quer conhecer vocês." E eis que entra o senhor Elvis Costello. Todos os Strokes sentados levantam rapidamente. E acontecem os apertos de mão e o elogio mútuo. Costello marca uma cerveja em Buenos Aires, onde o artista e a banda tocariam depois do Brasil, e sai tão rápido quanto entrou.
Encontros dos Strokes com a velha geração do rock não são tão freqüentes, segundo os caras da banda. Tidos como emuladores do proto-punk de Nova York, enxertado com sangue novo dos anos 00, os Strokes se encontrariam nos palcos do Tim Festival com uma espécie de "avôs" da banda, o veterano grupo Television.

"Nunca fui de ouvir muito Television", afirma Julian. "Mas sei bem quem foi Tom Verlaine. A primeira vez que eu me encontrei com ele foi agora, no aeroporto de Nova York ou no Brasil, não lembro. Me aproximei dele e disse 'Oi'. Ele respondeu, simpático: 'Oi'. Acho que essa foi a relação de mais proximidade que pode ter havido em Strokes e Television". Assim Casablancas explicou os paralelos do velho e do novo rock.

GRIPA? WHATEVER...

Já estava chegando a hora do show do Cais Porto, que ficou marcado como o de melhor apresentação da banda no Brasil e também o que arrebentou a enferrujada garganta de Casablancas. Somada a uma gripe "dos trópicos", Julian chegou baleado e reclamão ao palco do Anhembi, no domingo, no show paulistano da banda. E, ao microfone, soltou uma desculpa pelas escorregadas na voz que rendeu uma cena engraçada: "Estou com 'gripa'", disse ele.

"Você acha que as pessoas perceberam que minha voz estava ruim?", quis saber, dois dias depois, na terça, no avião indo a Porto Alegre, rumo ao derradeiro show da banda no Brasil. Respondi que, bem, não conhecia uma pessoa que não tenha gostado de ver os Strokes em São Paulo. E que, se por um lado a voz estava prejudicada, ele tinha contado com um "backing vocal" gigantesco.

E a história do "gripa"?, zoei. "Ah, 'whatever'. Perguntei para alguém da produção como se falava quando a pessoa estava fazendo 'Atchim'. Entendi que era 'gripa'. Isso é uma palavra que existe em português?", indagou o vocalista, com uma manga de blusa enrolada no pescoço como cachecol, demonstrando mais preocupação com a "gafe internacional" do que qualquer das 25 mil pessoas que viram o show de São Paulo. Não mesmo; "gripa" em português, eu desconheço. "Melhor assim", aliviou-se. "Poderia ser algum palavrão, de repente. Como, por exemplo, 'diarréia'. Eu poderia estar dizendo ali no palco. 'Desculpem pela minha voz, mas é que estou com diarréia.' Vai saber..."

Um pouco antes do embarque para Porto Alegre, e uma vez que os Strokes são amiguinhos da internet e de quem baixa nela suas músicas, mostrei a Fabrizio, no iPod, que a garotada brasileira não brinca com esse assunto: "Escuta isso. Uma faixa do show de vocês no Rio, 'Hawaii-Aloha'. Ontem já tinha umas cinco páginas de fãs brasileiros dos Strokes com faixas ao vivo e os vídeos extraídos da MTV".

"Você está brincando! Deixa eu ouvir... (ouvindo)... (ouvindo e batendo as mãos no ar como se estivesse na bateria)... Ficou bom, hein? Dá para adiantar até a parte em que eu solo? Albert, ouve isso!", convidou Fabrizio. Albert ouviu, achou normal. Fabrizio estava mais entusiasmado. "Posso ouvir mais uma vez?"

Lúcio Ribeiro
Fabrizio Moretti ouvindo "Hawaii" pirata no iPod do colunista. E adorando


Sempre penso que o avião pode cair quando estou nele. Talvez seja por causa do seriado "Lost". "Nunca penso isso. Acho que ele nunca cairia comigo dentro, porque ainda tenho muito a fazer", viaja Fabrizio. Assim que o avião pousou na capital gaúcha, o que Fabrizio e os outros Strokes tinham a fazer era tentar escapar da recepção beatlemaníaca que os esperavam no saguão do Aeroporto.

Aguardavam a banda nova-iorquina um exército de fãs compostos de 90% de garotinhas "Capricho" e 10% de meninos-clones de Strokes. Depois de alguns minutos conversando com a segurança particular deles, que já estudava uma saída estratégica, a banda resolveu encarar. Os guitarristas Albert e Nick Valensi e o baixista Nikolai Fraiture passam ilesos. Mas o galã e o brasileiro pararam no bloqueio feminino.

Horas mais tarde, essas meninas, multiplicadas por milhares, eram as mesmas que obrigaram a segurança também a se multiplicar na hora em que o grupo subiu ao palco, para segurar a grade que separava o público do palco. O fosso dos fotógrafos, na hora em que os Strokes começaram a tocar em Porto Alegre, tinha mais seguranças do que câmeras.

Os Strokes chegaram ao Pavilhão (um antigo hangar ao lado do Aeroporto Internacional Salgado Filho, que agora serve a raves e a shows de rock), por volta das 22h. Todos, menos Julian, que ficou repousando no hotel por causa da "gripa" e só chegaria em cima da hora de a banda entrar em cena.

Fabrizio, Nick e Nikolai assistiram, na parte lateral do palco, a apresentação toda dos canadenses do Arcade Fire. "Acho que é a sexta vez que eu vejo o show deles. Nada no rock me bota tão para cima quanto um concerto do Arcade Fire", elogiou Fabrizio. Pouco antes de os canadenses fecharem sua passagem brasileira em pandemônio, os Strokes são avisados do horário e se trancam na tenda-camarim, montada à beira da rampa do palco. Julian chega de van, já vestido com o casaco estilo militar, em companhia do empresário Ryan Gentles e de um segurança. Pára para dar um autógrafo para um dos integrantes do Acústicos & Valvulados, atração gaúcha que abriu a noite, e entra para a "concentração".

Enquanto isso, no palco, o Arcade Fire estava terminando sua apresentação quando, na última música, "Rebellion (Lies)", um dos integrantes subiu com um bumbo numa das altas armações laterais do Pavilhão. E ficou tocando longe da banda, por cima do público, bem longe do palco. Até que uns "guris" da platéia escalaram a parede também e ficaram dançando com o canadense no estreito corredor que ligava os pilares de sustentação do galpão. Enquanto o músico não descia, o resto do Arcade Fire ficou segurando a música só nos "Uhhhhhhhs" e "Ohhhhhhhs" vocais, na espera do retorno. O show canadense acabou em alta temperatura.

Lúcio Ribeiro
Os Strokes tendo seu dia de Beatles na chegada a Porto Alegre


Assim que limparam o palco para a montagem do aparato sonoro dos Strokes, a temperatura tinha subido ainda mais. A gritaria quando qualquer roadie com aparência stroke surgia no palco era inacreditável. Ondas humanas balançavam o público no pelotão da frente. E, neste período, por duas vezes, Fabrizio abandonava a tenda para fumar, do lado de fora. "É inacreditável como essa 'vibe' ainda contagia. Minhas pernas até tremem!", entregou, visivelmente nervoso demais para quem já tocou nos principais festivais europeus, americanos e japoneses.

Aconteceram dois shows dos Strokes em Porto Alegre. Um que só a banda viu, caótico, dando tudo errado, cheio de incidentes. E outro que o público conferiu: insano, intenso, cheio de energia. A cada final de canção, Julian corria até a bateria e tomava um copo de uísque... cheio de chá. Até a hora em que parei de contar, no meio do show, foram uns dez. Ele engolia e segurava a garganta, como se estivesse com dor. Fabrizio espancava e olhava para o cara da mesa de som, como se tivesse pedindo alguma ajuda. Nick Valensi passou o tempo todo amaldiçoando a guitarra, até jogá-la para trás do palco, espatifando-a em duas. O que para a banda era um problema, para o público tinha mais cara de atitude rock'n'roll.

O programado, pela lista de músicas, era o show acabar na quarta música do bis, "I Can't Win", mas Julian deu o sinal de que não agüentava mais. Foram três. Os Strokes saíram do palco depois da terceira, "Reptilia", a grande explosão popular da noite, mais até que "Last Nite", que teve uma roupagem algo diferente no vocal e no andamento da bateria, em relação à conhecida versão do disco.

O show acabou. Julian saiu tonto, com a mão na garganta. Fabrizio quase caiu ao descer da bateria. O comportado Albert jogou a guitarra no chão. Nick destruiu sua segunda guitarra e chutou seu décimo cavalete, desceu à platéia e entregou seu instrumento para uns meninos no gargarejo, para que fosse destruído em segundos. A banda desceu a rampa do palco, entrou na van que os esperavam toda aberta e desapareceu ainda enquanto a galera aplaudia, talvez sonhando com mais um bis que não veio.

Nem duas horas depois da confusão, os Strokes e os Arcade Fire bebiam caipirinha tranquilos, uma atrás da outra, no bar do hotel Sheraton, em Porto Alegre. "Uma banda gosta da outra e já chegamos a tocar nos mesmos lugares, mas esta é a primeira vez que nos reunímos para nos conhecer", conta o baixista Nikolai Fraiture, enquanto Fabrizio usa seu "jeitinho brasileiro" para arrastar os canadenses para uma balada em um bar de Porto Alegre, o Ocidente. Logo, alguns Strokes e meio Arcade Fire, que não foram dormir, eram pegos cantando "Booooooooooorn to Be Wiiiiiiiiiild", no Ocidente, bebendo cerveja brasileira.

"Hoje à noite deu tudo errado, não? Foi nosso pior show no Brasil...", lamentou o baterista. Expliquei minha teoria da "confusão rock'n'roll", que muitas vezes encanta o público, como encantou na apresentação de Porto Alegre. Ele riu, tipo concordando. Quase seis da manhã de quarta, 26, um sonado Fabrizio Moretti é devolvido pela van da BIZZ de volta ao hotel. Abre a porta do seu quarto e encontra no chão um papel com a programação futura dos Strokes. Manhã e tarde de folga, depois viagem para Buenos Aires. A aventura beatlemaníaca dos Strokes no Brasil, quando ele acordasse, iria acabar.
Lúcio Ribeiro, 41, é colunista da Folha especializado em música pop e cinema. Também é DJ, edita a revista "Capricho" e tem uma coluna na "Bizz". Escreve para a Folha Online às quartas.

E-mail: lucio@uol.com.br

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