Pensata

Eliane Cantanhêde

03/07/2002

O Planalto e o penta

Nunca os políticos pareceram tão desimportantes como na festa da seleção pentacampeã no Palácio do Planalto, na terça-feira, 02/7.

Os ministros Paulo Renato Souza (Educação), Barjas Negri (Saúde), Celso Lafer (Itamaraty) e Caio Luiz de Carvalho (Esportes), entre outros, desfilavam pelos amplos salões de mármore como ilustres desconhecidos.

Nem o cerco claustrofóbico habitual dos jornalistas, nem a curiosidade natural de assessores e populares.

Ninguém dava a menor bola para o poder. A bola estava mesmo é com os craques.

Funcionários trocaram ternos e gravatas por camisas amarelas, importantes assessores carregavam pela mão dois, três filhos, alguns, até os sobrinhos.

A segurança, evidentemente, não deu conta. Foi só o primeiro jogador surgir da rampa no segundo andar do Planalto e a turma passou a berrar. Foi só o primeiro jogador se dirigir para o parlatório (o balcão externo, de onde os poderosos e famosos acenam "ao povo") para cordões de isolamento cairem ao chão e a multidão verde e amarela se misturar aos ternos pretos dos agentes.

Nem o mais poderoso dos poderosos ali presente resistiu. Fernando Henrique Cardoso olhou a confusão, confirmou que a festa não era dele e ficou na sua, circulando à vontade, dando autógrafos, deixando-se fotografar com estranhos e até permitindo-se um cochicho ou outro com jornalistas.

Não fosse o cordão humano de seguranças vestidos de preto, FHC pareceria um cidadão quase normal. Como o dono da casa que não conhece os convidados na festa da filha adolescente.

A imagem pode parecer de fim de festa, ou de fim de governo. Mas, na verdade, foi estrategicamente discutida e aprovada na véspera, em sucessivas reuniões no próprio Planalto e na Secretaria de Comunicação do governo. O sociólogo FHC foi taxativo: "Vamos interferir o menos possível. A festa é do povo". Assim falou, assim fez.

A grande ausência foi o candidato do governo à Presidência, José Serra (PSDB), que só chegou a Brasília à noite. Não por acaso. O lucro político, se lucro houver, é por tabela.

Caso José Serra pusesse a cara na festa, ficaria alvo de caneladas de adversário, correria o risco de levar uma baita vaia da torcida e ainda voltaria para casa com fama de oportunista. Ou de "bicão" de festa alheia.

Mas ele pode se beneficiar, sim, de uma onda de otimismo. Pelo menos por enquanto.

Perguntei a FHC: "Presidente, isso vai favorecer o Serra?"

E ele: "Vai favorecer o Brasil". Depois, com ar maroto, um sorrisinho matreiro, induziu à conclusão: "Logo, logo..."

Até por isso foi tão complicada a negociação entre FHC e a CBF de Ricardo Teixeira para levar a Seleção pentacampeã a Brasília e ao Planalto.

Mas, no fim, prevaleceu a tradição (todas as quatro seleções anteriores se encontraram com os presidentes em suas épocas) e valeu, sobretudo e soberana, a alegria do povo brasileiro.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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