A prisão do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto deveria servir ao menos para o Brasil acabar com um dos seus grandes absurdos, a distinção entre os criminosos não pelo tipo de crime que tenham cometido, mas por seu status funcional ou educacional.
Hoje, no Brasil, o joão que rouba galinhas e o josé que mata 200 pessoas podem ficar na mesma cela enquanto esperam o julgamento. Mas se o josé que matou 200 for parlamentar (vereador, deputado ou senador), ministro, governador, policial, jurado, membro da magistratura ou qualquer um que tenha diploma universitário, vai poder ficar numa cela diferente, especial.
Esse "preso especial" terá direito a alojamento condigno; alimentação e recreio; uso de seu próprio vestuário; assistência de seus advogados, sem restrições, durante o horário normal de expediente; visita de amigos, em horário previamente fixado, ou de parentes, em horário livre; troca de correspondência livremente; assistência de médico particular; alimentação enviada pela família ou amigos; transporte diferente do empregado para os presos comum.
É isso o que garante um decreto de 1955 e foi por isso que Lalau ficou fazendo passeios na semana passada. Foi na quinta-feira da "especialíssima" carceragem da Polícia Federal para o "especial" 77º Distrito Policial e 24 horas depois voltou do distrito para a PF. Perante a lei, ele é especial.
É como se estivéssemos em uma sociedade de castas. Quem estudou ou se elegeu (as pessoas das castas superiores) pode ser criminoso que terá prisão condigna. Quem não estudou (proveniente de casta inferior) terá prisão indigna: sem janela, sem colchões, sem banheiro, sem chuveiro, sem banho de sol, sem nada.
Para reforçar essa idéia de castas, basta ler uma frase dita pelo advogado de Lalau, Alberto Zacharias Toron, publicada pelo jornal "O Globo" de sexta-feira, sobre as condições do 77º DP de São Paulo: "É um local impróprio inclusive para seres humanos comuns"!!!!!!
É isso o que faz essa lei, transforma alguns não apenas em presos especiais, mas em seres humanos incomuns, melhores, com direito a privilégios. E é por isso que ela tem que ser revogada. Porque não adianta ficar criticando Toron por ter pedido uma cela melhor para seu cliente (ele merece ser criticado pelas declarações infelizes), nem o presidente do STJ, que mandou Lalau para uma prisão salubre.
Também não adianta indignar-se com o ex-juiz por estar usufruindo desse privilégio. Todos estão amparados pela legislação.
Mas o desesperançoso neste caso é que precisaríamos da ação dos parlamentares para acabar com essa discriminação sem sentido. Só que, como são beneficiários da lei, eles devem é esperar as pessoas esquecerem dos privilégios legais de Lalau, para que tudo continue como está.
O ABSURDO DA SEMANA
O Rio de Janeiro reúne 2,5 milhões de pessoas para ver a queima
de fogos na praia de Copacabana. Mas uma empresa responsável pela
instalação dos fogos usa material inadequado e coloca em risco a
vida dessas pessoas. Resultado: um turista morto e mais de 40 pessoas
feridas. E isso na virada para o terceiro milênio.
A intenção é que essa parte da coluna seja fixa e alimentada pelos leitores. Se você souber de algum absurdo, mande para o e-mail vmarinheiro@uol.com.br.
Leia colunas anteriores
04/01/2001 - Marta e Maia começam cheios de factóides e citações
31/12/2000
- Ainda uma era de incertezas,
mas com esperanças
24/12/2000 - Não
racionalize o Natal, ou feliz aniversário Jesus Cristo
17/12/2000 - Um caipira
no topo do mundo
29/10/2000 - A festa de Marta;
a sobrevida de Maluf