Depois do fim da Guerra Fria, da queda do Muro de Berlim e da derrocada de todo o bloco comunista, o mundo parecia sem grandes polarizações de idéias. Muitos se mostravam perdidos sem ter uma ideologia para encampar ou para odiar, e o cientista político Francis Fukuyama chegou a dizer que a história havia acabado, uma vez que imperava o consenso no mundo.
Pouco mais de uma década depois, os antagonismos parecem reerguidos. De um lado, os defensores da globalização e da idéia de que o mercado livre resolve todos os problemas do mundo. De outro, aqueles que culpam essa mesma globalização e o livre mercado por todas as mazelas das populações do 3º Mundo.
O exemplo mais claro desse pseudo novo embate ideológico aconteceu no domingo da semana passada, quando uma teleconferência uniu participantes do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, e representantes do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o chamado Anti-Davos.
O alvo principal dos que participavam da teleconferência em Porto Alegre foi o megainvestidor George Soros, que estava em Davos. Ele representou os que ganham dinheiro sem precisar investir na produção, apenas no mercado de capitais, seja em Bancoc, em Jacarta ou no Brasil. Foi identificado como o grande vilão do mundo e como aquele que se beneficia da globalização, enquanto milhares morrem pelo mesmo motivo.
No momento mais tenso da teleconferência, Hebe de Bonafini, da ONG argentina Mães da Praça de Maio, gritou com Soros e insistiu que ele respondesse quantas crianças ele e os demais investidores do mundo matam por dia. Foi aplaudida.
Teatralismos à parte, o que parece claro é o aumento no número daqueles que escolheram a globalização como o foco para os ódios e para suas lutas. Está aumentando o número e eles estão ficando mais visíveis, seja em protestos nas ruas, seja no estabelecimento de um fórum como o de Porto Alegre.
E esses ativistas _ligados a ONGs (Organizações Não-Governamentais) respeitadas e reconhecidas no mundo, ou sendo "INGs" ("indivíduos não-governamentais", que não estão ligados a organização alguma, mas que também querem lutar contra o "grande mal")_ defendem a luta por uma nova utopia, que substitui a extinta utopia socialista.
Mas qual utopia é esta: a de um mundo melhor, sem tantas disparidades entre ricos e pobres, na qual os benefícios do avanço tecnológico não fiquem restritos aos países ocidentais do hemisfério Norte (só incluindo neste grupo o Japão e as populações brancas da Austrália e da Nova Zelândia)?
Se for mesmo essa, o confronto de idéias continua quase inexistente e está mantido o consenso mundial. Porque ninguém pode supor que um megainvestidor (Soros ou qualquer outro) fique contente com imagens de famélicos na África. E mesmo em Davos foi ouvido que "a globalização não está produzindo benefícios, pelo menos não de uma maneira equitativa".
Então, talvez a utopia de curto prazo seja a união dos dois fóruns, o social e o econômico. Que não hajam teleconferrências e gritarias, mas um debate civilizado entre os engravatados de Davos e os "sans-cravate" de Porto Alegre para a busca de um caminho comum de realizar a outra utopia, aquela de um mundo melhor. Um mundo que coloque o "desenvolvimento humano e a democracia participativa como fatores prioritários de governos e cidadãos", como estava escrito em um dos informes do Fórum Social Mundial.
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