Escrevi certa vez (e levei algumas pedradas por isso) que
Gustavo Kuerten era postulante à vaga de herói
deixada por Senna no imaginário do brasileiro.
Claro, boa parte dos disparos partiu de fãs incondicionais
do tricampeão, que se transformou em uma espécie
de oráculo, um sujeito a ser cultuado
convenientemente pelo que fez, como sempre acontece com os
heróis modernos, fabricados ou não.
Passados alguns anos e com o tenista perto de se tornar o
primeiro do mundo (mesmo que não passe, especialistas
o apontam como a próxima grande estrela do circuito),
a discussão já é outra.
Kuerten é o bom moço da hora, o único
esportista que supera a cada vez mais complicada barreira
imposta pelos direitos de TV, que, entre outras coisas, fez
a Globo (tentar) ignorar, no início deste ano, o Mundial
de Clubes da Fifa com o Corinthians campeão.
As razões, claro, não se encontram apenas na
propalada simpatia do menino cabeludo, que fica entre o "sem
jeito" e o "desencanado" nas entrevistas, tipo
que alimenta sua popularidade.
Está também, é claro, nos interesses
que envolvem cada esporte e que, ironicamente, fazem do tênis
algo que se encaixa perfeitamente em um "Jornal Nacional",
mas não na rígida grade de programação
da emissora.
Um funcionário graduado da emissora disse, há
alguns anos, que Kuerten nunca conseguiria o mesmo espaço
que Senna, por mais torneios que ganhasse.
E a razão para isso é puramente comercial. Kuerten,
por incrível que pareça, é notícia
na Globo. Futebol e F-1 podem até ser notícia,
mas antes de tudo são produtos, caros, aliás,
da emissora.
Futebol dá muito ibope e muito dinheiro. F-1 às
vezes dá ibope, mas dá dinheiro sempre _e, sem
Senna, só esse fator mantém as transmissões
da categoria.
A semelhança fundamental, porém, é que
os dois esportes permitem à emissora total controle
sob as transmissões. A F-1 tem um calendário
definido e acontece, na maior parte das vezes, em horário
mais do que conveniente.
O futebol, com final marcada para as 16h de um sábado,
não merece maior comentário.
Ninguém consegue controlar o horário de um Grand
Slam. Pior, ninguém consegue garantir a presença
de Kuerten em uma final.
E, assim, Kuerten só é notícia, boa notícia
muitas vezes, que merece destaque e tudo mais, mas que nunca
será transmitida ao vivo _exceção feita
a Olimpíada, outro evento que é produto.
Algo parecido já aconteceu com a NBA de Michael Jordan,
que virou notícia, por força das circunstâncias,
há alguns anos.
Para desespero dos senistas, Kuerten já é, faz
tempo, o grande herói nacional do esporte _não
é achismo, pesquisas dizem isso.
Mas os fiéis podem ficar tranquilos, pois o tenista
não será anabolizado pela narração
de Galvão Bueno muito menos merecerá tema da
vitória, esse tipo de coisa que locupleta as grandes
conquistas no bananal.
E se, ao contrário do que se prega hoje aqui, um dia
Kuerten merecer esse carnaval e uma transmissão ao
vivo, com certeza estará escrevendo a história.
Não apenas das quadras, mas de todo o esporte nacional.
NOTAS
Le
Mans
A tradicional corrida, que acontece no próximo final
de semana, na França, não deverá sentir
a ausência de algumas grandes montadoras européias.
Nada menos que três marcas dos EUA estarão na
corrida: Chrysler, Chevrolet e Caddilac, que volta às
24 Horas após um intervalo de 50 anos. A Audi é
favorita: seja por ter feito um enorme investimento na prova,
seja por seus três carros terem obtido os três
melhores tempos nas sessões de qualificação.
F-1
Barrichello segurou a língua em Mônaco e, por
incrível que pareça, recebeu críticas
daqueles que consideravam que deveria aproveitar o segundo
lugar para descascar seus detratores. O piloto não
fez muito no principado, mas fez o certo. Dentro e fora da
pista. Que continue assim pelo resto da temporada.
E-mail: mariante@uol.com.br
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