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Terça-feira, 6 de junho de 2000

O homem que nunca ri

Melchiades Filho
     
Diego Medina

Perguntaram o que ele fará assim que o campeonato acabar.
"Vou embora."
Mesmo que seu time levante o título?
"Sim."
E o que você vai fazer? "Nada."
Sei... um sujeito competitivo como você vai ficar longe das quadras...
"Sim."
Sem fazer nada?
"Vou me preparar para a morte."

Um cidadão como Larry Bird nada tem a perder. A mãe morreu com ele pré-adolescente. O pai, deprimido e alcóolatra, se matou com um tiro enquanto conversava com o filho ao telefone.
Aprendeu a jogar só, no celeiro do sítio de que precisou tomar conta. Foi tricampeão da NBA e eleito um dos cinco melhores jogadores da história, com uma doença coronariana delicada.
Agora como técnico, o homem que nunca ri está de volta ao palco principal do basquete.

Em apenas três anos no comando do Indiana Pacers, o legendário ala do Boston pavimentou seu retorno às finais da NBA.
Pegou um time que, em 1997, nem tinha se classificado aos playoffs e reergueu-o na base da paciência, da simplicidade e da "adição pela subtração’’.

Antecipou os jogos noturnos em Indianápolis, "para os sonecas, como eu, conseguirem dormir’’. Aboliu as pranchetas nas preleções, já que "ninguém presta atenção à geometria’’. Deixou de lado puxões de orelha, uma vez que "um profissional não gosta de ser humilhado’’. Enxugou o staff para apenas dois assistentes, quando pelo menos quatro escoltam a maioria dos treinadores da NBA (no Dallas, eram dez...).

Por todos estes motivos, o Indiana chega às finais da temporada 99/00 como um "outsider" - ao contrário de seu adversário pelo título a partir de quarta-feira, o espetacular Los Angeles Lakers.

À exceção do matador Reggie Miller, os Pacers nem de longe lembram o estereótipo agressivo do jogador da NBA. À primeira (e segunda, e terceira...) vista, parecem um bando de pipoqueiros.
O pivô, Rik Smits, é um branquelão molenga. Seu suplente, Sam Perkins, prefere os tiros de três pontos às cotoveladas sob a tabela. O armador, o tampinha Mark Jackson, traz no currículo duas demissões porque marca mal. O ala titular, Jalen Rose, ficou quatro anos no banco, tachado de dispersivo na defesa. Seu reserva, o veterano Chris Mullin, é (ou foi) um arremessador nato, e só. Ora, até o principal "stopper" do Indiana, o ala Derrick McKey, é um jogador de finesse...

Qual não foi a surpresa, então, quando Bird deu sinal verde para a saída do ala-pivô Antonio Davis, que, ao lado de Dale Davis (sem parentesco), se encarregava de todo o trabalho sujo.

Hoje, decantados três campeonatos, está bem claro o que o técnico imaginava. O Indiana hoje é um time lento e pouco explosivo, mas muito inteligente, aplicado e técnico - e capaz de fazer cestas de todos os cantos da quadra, raridade na NBA do fim do século.

Para quem ainda não sacou, ou não teve a felicidade de ver a "Lenda" com a bola laranja, os Pacers de 2000 são a encorporação coletiva do jogador Bird.

Na opinião do treinador, faltava à equipe apenas o instinto assassino. "Precisamos de 12 transplantes de coração no vestiário", diagnosticou em 1998. Larry Bird, 43, sem frescuras, doou o seu.


NOTAS

Pássaro 1
Larry Bird volta às finais depois de 13 anos. Coincidentemente, à sua espera, estará o LA Lakers, histórico rival de seus tempos de jogador do Boston - que, aliás, retorna à decisão após 12 anos.

Pássaro 2
Bird contraria a máxima de que supercraques não se transformam em grandes técnicos (só seis foram campeões como atleta e treinador). Ele venceu quase 69% de seus jogos no Indiana, o que o põe entre os três mais eficientes da história da NBA. A primeira posição, ocupa Phil Jackson, dos Lakers...

Pássaro 3
Os Pacers torram as férias em ginásios, a pedido de Bird. Os Lakers, por sua vez, seguem "reféns" de Hollywood. O elenco angeleno já atuou em 17 filmes de cinema e 50 shows de TV e gravou 4 CDs.




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