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PENSATA

Terça-Feira, 10 de outubro de 2000


O sonho e a zona

Melchiades Filho
     

Diego Medina
Não foi o chute de 25 metros de Janeth contra a Eslováquia. Nem a cesta salvadora de Alessandra diante da Rússia. Tampouco a enterrada absurda de Vince Carter sobre a França. Para mim, a cena do basquete de Sydney, aquele retrato que vai abrir o álbum olímpico, focaliza Alonzo Mourning, ajoelhado na beira da quadra, rezando para não cair o último arremesso da Lituânia.

Cerca de 30 centímetros separaram o tiro de Sarunas Jasikevicius do chuá, os lituanos da glória, os norte-americanos do degredo, os Jogos-2000 da história.

Mas foram suficientes para despedaçar a imagem do “Time dos Sonhos”. A seleção dos EUA acabou ganhando o ouro, mas deixou a Austrália sem o apelido _bastaram duas Olimpíadas, e não os 50 anos estimados em Barcelona-92, quando Michael Jordan & Cia botaram as quadras para sonhar pela primeira vez.

Você já deve ter tropeçado em diagnósticos nesses dez dias de pós-operatório: o quarto “Dream Team” trocou a técnica pela arrogância, o mundo perdeu a reverência, os rivais ficaram literalmente mais fortes, os EUA não levaram seus melhores...

Tudo bem, fazem sentido. Mas para entender a súbita vulnerabilidade dos norte-americanos é preciso cavar mais fundo.
Esta coluna já tratou das particularidades do basquete da NBA, de como a obrigatoriedade da marcação homem-a-homem lapidou o esporte na América do Norte, deixou-o mais sofisticado e difícil de jogar (não é por outra razão que estrangeiros penam tanto para se adaptar à liga profissional).

Sydney provou que a equação também funciona invertida.

Acostumados a isolamentos, a corta-luzes definitivos, à divisão geométrica da quadra, os norte-americanos simplesmente refugaram ante a defesa por zona.

Sobretudo contra a Lituânia, que congestionou o garrafão com três (às vezes, quatro) atletas e destacou os dois restantes (ou um) para pressionar a bola.

Como se quebra uma marcação dessa? Com superpivôs habilidosos (para neutralizar a sombra tripla sob a tabela), velocidade na transição (para impedir que o oponente monte a “zona”), jogadas ensaiadas (para vazá-la por insistência) e arremessos de três pontos (para forçá-la a se abrir).

O “DT” 4 chegou à Olimpíada sem nenhuma dessas munições.

Não explorou pivôs, por inabilidade na convocação (havia só um para a posição, o defensivista Mourning). Não contra-atacou, por paralisia tática. Não ensaiou, por vadiagem na preparação no Havaí (coquetel de frutas na jacuzzi não é treino). E não chutou de longe, por falta de cacoete.

Ora, você pode argumentar, os EUA formam seus atletas na universidade, cujos campeonatos usam e abusam da defesa por zona. Era, então, de se esperar que os craques da NBA tivessem repertório para sair da enrascada.

O problema é que os garotos têm se profissionalizado cada vez mais rápido, atraídos por um mercado ávido por novos heróis. Na correria, deixam de burilar os fundamentos do basquete.

Dessa forma, o “DT 4” carrega, em média, somente 2,8 anos de bagagem universitária.

O “DT” 1, tão arrogante e displicente como este (gastava mais tempo em charutos e carteado do que com a bola laranja), tinha 3,6 anos de experiência.


NOTAS

Pesadelo 1
Antes que os amantes do “basquete puro” se entusiasmem, é preciso deixar claro que o projeto “DT” hoje não concebe riscos nem concessões comerciais. Os universitários não vão voltar. Os profissionais é que terão de estudar.


Pesadelo 2

As outras 11 seleções olímpicas canalizaram 33% de seu ataque para os tiros de três pontos. Os EUA pararam em 24,6%.


Pesadelo 3

Os EUA tiveram a defesa mais violenta, 24,5 faltas por jogo (16% acima das demais). Com isso, rompendo uma tradição, não venceram a batalha dos lances livres. Chutaram, em média, um a menos do que os adversários (28,7 x 29,8).


Pesadelo 4

Com o fiasco em Sydney, continua despencando a margem de pontos das vitórias dos “Dream Teams”: 43,7 (Barcelona-92), 37,8 (Toronto-94), 31,7 (Atlanta-96) e 21,6 (Sydney-00).



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