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Terça-feira, 25 de abril de 2000

A temperatura das mãos

Melchiades Filho
     
Diego Medina
São estatísticos,
f
ísicos, psicólogos, cientistas. Pessoas atormentadas, indóceis, em busca de respostas, à procura de perguntas.

No final das contas, têm mais espírito jornalístico do que muito repórter.

Nos últimos anos, esta coluna apresentou alguns desses diletantes obcecados pelo basquete, como Dean Oliver e Harvey Pollock.

Hoje é a vez do psicólogo e polemista Tom Gilovich, professor em Stanford (Califórnia).

Em 1985, ele decidiu, do nada, estudar uma das máximas da bola-ao-cesto: a de que muitas vezes o jogador entra em um tipo de transe e, superconfiante, passa a acertar todos os arremessos.

Gilovich pediu ajuda a dois matemáticos de Cornell, outra renomada universidade norte-americana, e apontou para a NBA.

Primeiro, os três se debruçaram sobre os números do Boston, analisando os lances livres que o time registrou em duas temporadas.

Pela teoria das "mãos quentes", imaginavam, os atletas, quando acertassem o primeiro arremesso de bonificação, teriam mais facilidade para converter o seguinte. Feitas as contas, porém, descobriram que o aproveitamento era igual ao de quando tinham falhado na primeira tentativa: 75%.

Depois, resolveram estender a pesquisa. Entraram em contato com o Philadelphia, clube da NBA que possui o mais completo centro de coleta e estudos estatísticos do basquete. Selecionaram e cruzaram os dados de dois campeonatos completos da equipe.

Os números foram implacáveis. O time chutou com mais eficiência depois de ter perdido (54%) do que depois de ter acertado um arremesso (51%). O mesmo aconteceu quando errou os dois (53%, contra 50%) ou os três tiros anteriores (56%, contra 46%).

Essa relação se repetiu também na avaliação das performances individuais. Nenhum dos 13 jogadores mostrou de fato "mãos quentes" naqueles torneios. Gilovich então sentenciou: "A performance de um jogador em um arremesso independe de seu sucesso no lance anterior".

Os atletas podem até ter a impressão de que estejam embalados, "em fogo", reconheceu o psicólogo. Ou que se sintam "gelados", predispostos ao erro. Mas, segundo Gilovich, trata-se apenas de uma questão de percepção, alimentada pelo entusiasmo dos colegas, da torcida e da mídia.

É como se o cidadão fosse jogar um "cara ou coroa". Há, sim, uma chance de ele tirar cinco "coroas" seguidas. Mas, em cem tentativas, é certo que o número de "coroas" se aproximará ao de "caras" _no caso do basquete, o que fica é a pontaria média do atleta.

O efeito das cinco "coroas" é conhecido na matemática como ilusão de "clusters". São aberrações, que, vistas de uma ótica distanciada, oferecem pouco emoção.

A pesquisa de Stanford e Cornell é inédita e pouco difundida (soube pelo "Basketball Digest"). Suas conclusões prestam, de certa forma, uma bela homenagem ao esporte, ao provar que cada arremesso tem uma vida própria.


NOTAS

Mercúrio 1
Um grupo de estatísticos tentou derrubar as conclusões de Gilovich, ressalvando que ele tinha analisado equipes (Boston/80 e 81 e Philadelphia/81) sem cestinhas natos. Refez, então, as contas com um grupo de gênios do arremesso, Michael Jordan e Larry Bird entre eles. Mas, de 18 escolhidos, só um passou no teste de "temperatura": Vinnie Johnson, bicampeão pelo Detroit (89 e 90), apelidado de "Microondas" exatamente pela facilidade que tinha em "esquentar" seu time.

Mercúrio 2
Quem quiser garimpar a Internet, o estudo de Gilovich foi publicado sob dois títulos: "The Hot Hand in Basketball: On the Misperception of Random Sequences" e "How We Know What Isn’t So".

Mercúrio 3
Ah, quanto eu não daria para ter os números de Oscar e Hortência e traçar o paralelo...

E-mail: melk@uol.com.br


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18/04/2000 - Joalheria