Publifolha
23/04/2007 - 21h55

Leia sobre os primórdios do xintoísmo e do budismo

da Folha Online

Abaixo é possível encontrar um trecho da publicação Religiões, editada pela Publifolha, que se encontra nas páginas de 238 a 241,e trata das Tradições Japonesas.

Atenção: o texto reproduzido abaixo mantém a ortografia original do livro e não está atualizado de acordo com as regras do Novo Acordo Ortográfico. Conheça o livro "Escrevendo pela Nova Ortografia".

Introdução

Os habitantes do Japão esposam simultaneamente duas crenças principais: o xintoísmo e o budismo, que coexistiram e se influenciaram mutuamente nos últimos 1.500 anos. O xintoísmo é nativo do Japão, ao passo que o budismo japonês é um ramo de uma religião mundial que inspira a devoção de centenas de milhões de pessoas no leste e no sudeste da Ásia e no Ocidente.

Divulgação
Livro traz os fundamentos das sete religiões mais difundidas do mundo
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A religião nativa do Japão é chamada de "Caminho dos Deuses (ou Espíritos)", o que se expressa tanto por "Kami no Michi" quanto pelo sinônimo "shinto", uma articulação japonesa das palavras chinesas shen ("espírito") e dao ("caminho"). As duas expressões são escritas com os caracteres chineses de shen e dao. Desde o ressurgimento dessa religião, nos séculos XVIII e XIX, shinto tornou-se a designação mais comum - ironicamente, já que os promotores do renascimento tendiam a ser antichineses.

As raízes do xintoísmo estão cravadas profundamente na pré-história japonesa. Seu conceito mais antigo e fundamental, o de kami ("espírito", "ser divino" ou "deus/deusa"), ainda é fundamental para a consciência religiosa japonesa. A fonte suprema do budismo ficava longe do Japão, na Índia. Mas, como a maioria dos adornos da civilização japonesa, essa nova fé chegou por intermédio da China, a grande civilização-mãe do leste da Ásia, de onde foi levada para o Japão, passando pela Coréia, em meados do século VI. Nessa época o Japão não tinha escrita, mas o budismo levou consigo a alfabetização. Os escritos budistas eram acessíveis apenas nas traduções chinesas, e assim os aristocratas japoneses recémconvertidos o budismo levaria séculos para se espalhar por toda a população foram obrigados a aprender a ler os caracteres chineses.

O confucionismo e o taoísmo também chegaram ao Japão nesse período, e ambos tiveram um profundo impacto no xintoísmo e no desenvolvimento do budismo japonês. Entretanto, só em raras ocasiões (por exemplo, na corte de Tokugawa, c. 1700) eles atingiram o status de seitas religiosas.

Apesar do enorme impacto das crenças, da filosofia e das artes religiosas chinesas, o Japão sempre permaneceu diferente de sua vizinha do outro lado do mar. A tendência, profundamente arraigada na nação, de readaptar e transformar o que emprestava de outras culturas logo se manifestou. Com isso, as seitas budistas maaianas que se fixaram ou surgiram no Japão as "escolas de Nara",_ tendai,_ shingon,_ jodo-shu e jodo-shinshu,_ nichiren-shu e nichiren-shoshu, zen e outras logo se tornaram, e assim permaneceram, exclusivamente japonesas. Por essa razão, a linha entre budismo e xintoísmo pode às vezes ser um tanto nebulosa - como demonstra o fato de muitas divindades budistas passarem a ser cultuadas como kamis xintoístas.

Mais recentemente, o Japão assistiu à consolidação das chamadas "novas religiões" e ao ressurgimento do cristianismo, que chegou ao Japão no século XVI mas depois foi reprimido. O crescimento dessas crenças foi estimulado respectivamente pelo caos social das últimas três décadas (1837-67) do xogunato de Tokugawa e pelo rápido desenvolvimento econômico verificado depois da Segunda Guerra Mundial. Contudo, nos dois casos o resultado final foi puramente japonês, uma mistura relativamente harmoniosa de idéias, costumes, ritos e crenças estrangeiros e nativos.

O sincretismo fusão de crenças e práticas díspares num único sistema tem sido há muito tempo um traço da vida religiosa do Japão, junto com o que o Ocidente teria considerado um alto grau de "tolerância à ambigüidade". Com algumas importantes exceções, a maioria do povo japonês provavelmente se considera xintoísta e budista, e não percebe nenhuma contradição na prática de duas crenças com raízes tão radicalmente diferentes. Muitos diriam: o xintoísmo é a "religião da vida" e o budismo é a "religião da morte". Assim, por exemplo, a grande maioria dos casamentos japoneses é feita de acordo com os ritos xintoístas, ao passo que uma maioria igualmente grande dos funerais é budista e a maior parte dos cemitérios é ligada a templos budistas. De modo geral, o xintoísmo se concentra nas questões referentes a este mundo, na procriação, na promoção da fertilidade, na pureza espiritual e no bem-estar físico. O budismo, por outro lado, embora não rejeite o mundo real, sempre enfatizou mais a salvação e a possibilidade da vida após a morte. Na verdade, as seitas "terra pura" se formaram exatamente para atender a essa necessidade.

Qualquer avaliação do papel desempenhado pela religião no antigo e no moderno Japão precisa levar em conta alguns aspectos fundamentais da cultura japonesa. O mais importante é a subordinação do indivíduo ao grupo, expressa no dito japonês "o prego que se destaca será martelado". Muitos especialistas acham que esse ethos tem origem na cooperação estreita e na tomada de decisão coletiva exigida pelo cultivo do arroz em terreno alagado, até recentemente a principal fonte de sustento do Japão. A rizicultura, introduzida nesse país no fim do primeiro milênio antes de Cristo, exige mão-de-obra extremamente intensiva; antes da mecanização, cada planta de arroz tinha de ser inserida individualmente no campo molhado. Mesmo na época moderna, todos os membros de uma família subordinam suas inclinações pessoais ao trabalho coletivo pelo bem da colheita - e, por extensão, para a sobrevivência mútua. Num nível mais amplo, a atividade abrange a própria aldeia, onde um grupo de famílias se ajuda mutuamente no plantio, na retirada de ervas daninhas e na colheita.

A cooperação social e a concomitante ausência de um individualismo marcante caracterizaram desde o início tanto o xintoísmo quanto o budismo japonês. As duas religiões sempre fizeram da subordinação ao bem-estar da unidade social uma virtude primordial, quer essa unidade fosse a família, a aldeia produtora de arroz, o feudo dominado por uma elite de samurais ou o corpo de assalariados de uma moderna multinacional.

Religiões
Autor: Michael D. Coogan
Editora: Publifolha
Páginas: 288
Quanto: R$ 59,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou no site da Publifolha

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