Publifolha
16/02/2008 - 19h51

Há 40 anos, Caetano Veloso, vaiado, apresentou "É Proibido Proibir" no Tuca, em SP

da Folha Online

O ano de 1968 foi bastante movimentado para Caetano Veloso. Naquele ano, o músico lançou seu primeiro LP individual, intitulado "Caetano Veloso", além do LP coletivo "Tropicália". Um dos fatos mais marcantes de sua carreira também aconteceu neste período, há 40 anos atrás: vestido com roupas "peculiares", ele apresentou "É proibido proibir" no Tuca (Teatro da PUC-SP) e discursou sobre o conservadorismo do público, que o vaiava.

Divulgação
Livro investiga vida e obra do cantor e compositor Caetano Veloso
Guilherme Wisnik assina volume sobre cantor Caetano Veloso

Em dezembro, 14 dias após a decretação do AI-5, Caetano e Gil foram presos em São Paulo. Saiba mais sobre o Tropicalismo e a apresentação de "É proibido proibir" em trecho do livro "Folha Explica Caetano Veloso", de Guilherme Wisnik.

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QUEM VEM LÁ SOU EU

Como disse Zé Celso Martinez Corrêa, "68 foi, acima de tudo, uma revolução cultural que bateu no corpo", referindo-se tanto à agressão sofrida nas prisões, torturas e exílios quanto à revolução libertária comportamental deflagrada ali, à inclusão do corpo no centro da cena artística, assumindo os riscos de protagonizar uma situação de ruptura sem precedentes. Sob esse prisma, é muito interessante acompanhar a transformação da persona artística de Caetano em direção ao olho do furacão de 68.

Interessado em pintura quando jovem, fascinado por cinema a partir da adolescência - chegando a escrever textos críticos sobre o assunto em jornais de Santo Amaro e Salvador (1960 a 63), e a dirigir um longa-metragem (O Cinema Falado, 1986) - e aluno do curso de filosofia da Universidade Federal da Bahia na maioridade, Caetano desenvolveu talentos múltiplos no campo artístico, e demorou a admitir a carreira musical como seu destino criativo e profissional. Nessa área, iniciou a carreira fazendo apresentações caseiras em bares de Salvador, e compondo a trilha sonora para montagens locais de teatro (ainda em 63), para depois - juntamente com Gal, Gil e Bethânia -, em 64, estrear o show Nós, Por Exemplo..., no Teatro Vila Velha, em Salvador, onde também fariam o show Nova Bossa Velha, Velha Bossa Nova, acompanhados de Tom Zé, no mesmo ano.

Depois disso, acompanhando a irmã Maria Bethânia, que havia sido convidada a substituir Nara Leão no show Opinião, dirigido por Augusto Boal, partiu para o Rio no início de 1965. Ali, teve a canção "De Manhã" incluída no lado B do "compacto best-seller" de Bethânia, que trazia o sucesso "Carcará" (João do Vale e José Cândido), e gravou o seu primeiro compacto, contendo "Samba em Paz" e "Cavaleiro" - esta última, uma canção em tom romanesco que anuncia a chegada de quem canta ("Quem vem lá sou eu"), declarando planos grandiosos e enigmáticos: "Sou eu/ Vim chamar o meu povo/ Trago tudo de novo/ Vamos tudo acabar". E ainda, em seguida, no ano de 66, teve algumas composições suas apresentadas e premiadas em festivais televisivos, como "Boa Palavra" (quinto lugar no Festival Nacional da Música Popular, da TV Excelsior), e "Um Dia" (melhor letra no II Festival de Música Popular Brasileira, da Record).

Mas foi apenas em 67, após um período de refluxo, em que chegou a retornar a Salvador, em crise com os caminhos profissionais a seguir, que Caetano surgiu de fato como figura pública. Tal se deu antes pelo vasto conhecimento acumulado do cancioneiro popular brasileiro, do que por seu talento de artista criador. Isto é, devido à destacada participação que teve no programa televisivo Esta Noite se Improvisa, da rede Record, em que os participantes tinham que adivinhar canções a partir de palavras dadas. Caetano, assim como já tinha acontecido com Chico Buarque pouco tempo antes, tornou-se um campeão em acertos, amealhando uma pequena fortuna para seus padrões de então, e atraindo a simpatia do público e da mídia, compungidos com a ternura de sua imagem "serena" e seu "jeito de santo", cuja dignidade ficava dramatizada pela magreza física, e por um certo"tom triste no rosto".

Digamos que até a apresentação de "Alegria, Alegria", em setembro de 67, na qual Caetano e Gil resolveram deflagrar o movimento de intervenção que tinham em mente - e que só depois veio a se chamar tropicalismo -, essa imagem não muda em substância. Apesar da parafernália de guitarras elétricas dos Beat Boys, grupo de rock argentino que o acompanhava, e mesmo dos acordes dissonantes na introdução da canção, a figura de Caetano no palco ainda permanecia comportada e um tanto constrangida. Vestindo um terninho xadrez e uma blusa laranja com gola rulê, ele ensaia ali uma libertação da própria timidez, e um afrontamento do padrão estético-político consagrado nos festivais. Mas o resultado dessa atitude ainda tateante não foi exatamente o confronto com o éthos ideológico-comportamental do público universitário de classe média. Ao contrário, sua própria timidez carismática (ainda pouco espalhafatosa) colou-se à imagem da personagem da canção - um jovem desgarrado e "à toa na vida" - que boa parte da platéia estava, na verdade, disposta a acolher. Resulta daí o irremediável sucesso de "Alegria, Alegria", uma "canção de circunstância" transformada em hino de uma época, obliterando a "fenda irônica" que o autor imaginava injetar tanto na construção da personagem quanto no modo de apresentá-la.

A partir daí sua entrada em cena na arena dos novos artistas da MPB é imediata. Consultando as matérias de jornal desse período, saltam à vista inúmeros exemplos de uma aceitação paternalista, por parte da crítica, do moço humilde e desprotegido chegado do Nordeste. Mesmo cronistas francamente antipáticos às suas canções espelham essa atitude geral, reputando o rápido sucesso de sua carreira ao irresistível apelo carismático do seu semblante "magro, despenteado e displicente". Outros, mais receptivos ao seu trabalho, reclamam do deslumbramento de Caetano com o sucesso instantâneo, acusando uma perigosa comercialização de sua figura desprotegida - que lhe rendera o apelido de "Marcha da Fome" -, em prol de uma suposta "música universal".

Da iniciática porém vacilante apresentação de "Alegria, Alegria" à "ira santa" do happening de "É Proibido Proibir", em que Caetano subiu ao palco com um figurino protopunk, combinando uma roupa de plástico a colares feitos de fios elétricos, correntes grossas e dentes de animais grandes, como um adereço de macumba futurista, um ano inteiro se passou. Nesse arco de tempo está compreendida quase toda a curta porém intensíssima história de vida do tropicalismo - que se estenderia até dezembro, quando Caetano e Gil foram presos.

"Folha Explica Caetano Veloso"
Autor: Guilherme Wisnik
Editora: Publifolha
Páginas: 200
Quanto: R$ 20,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo televendas 0800-140090 ou pelo site da Publifolha

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