Publifolha
06/02/2009 - 10h03

Entenda Tom Jobim da bossa nova e do jazz, do Rio e dos EUA, do popular e do erudito

da Folha Online

Autor de canções como "Eu Sei Que Vou te Amar", "Águas de Março" e "Só Tinha de Ser com Você", Tom Jobim é tido por muitos como o maior compositor de todos os tempos.

Reprodução
Obra analisa a criação musical de Tom Jobim e narra a trajetória do músico
Obra narra a trajetória e analisa a criação musical de Tom Jobim

Maestro que rege muitas vertentes da música brasileira, em um período que se estende por quatro décadas -- desde a bossa nova (em fins da década de 1950) até repertórios muito distintos nos anos 90--, o músico carioca tem sua trajetória narrada por Cacá Machado, também compositor e historiador, no livro "Folha Explica Tom Jobim", editado pela Publifolha. Leia trecho do título abaixo.

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A obra investiga e interpreta sinteticamente a criação musical de Tom, que se confunde e se mistura com o popular e o erudito. O leitor encontra nas mais de 100 páginas do título comentários musicais, literários e históricos articulados entre si. Mas o percurso segue uma cronologia biográfica, dividida em cinco capítulos, cada um centrado em um grande tema da obra do compositor.

VÍDEO: Tom Jobim trouxe "dignidade" ao país nos anos 60; veja historiador

"Folha Explica Tom Jobim" é ilustrado com fotos preto e branco, que mostram vários momentos da vida do músico, como seu encontro com Vinicius de Moraes e João Gilberto, no histórico show no Au Bon Gourmet, e um manuscrito da letra "Matita Perê", com indicações das modulações de tom feitas pelo artista.

O título traz, ainda, a discografia do compositor e indicações de filmes e DVDs sobre Tom. Leia abaixo trecho da obra que fala sobre bossa nova e as parcerias de Tom com João Gilberto e Vinicius de Moraes.

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AUTOR

Cacá Machado é compositor, historiador e professor da graduação e pós-graduação. Doutor pela FFLCH-USP, na área de música e literatura, é autor do livro "O Enigma do Homem Célebre: Ambição e Vocação de Ernesto Nazareth". Machado também compõe música para televisão, cinema e teatro.

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O SAMBA, A PRONTIDÃO E OUTRAS BOSSAS: SÃO COISAS NOSSAS

João Gilberto é um baiano, "bossa nova" de 26 anos. Em pouquíssimo tempo, influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores. Nossa maior preocupação neste long-playing foi que Joãozinho não fosse atrapalhado por arranjos que tirassem sua liberdade, sua natural agilidade, sua maneira pessoal e intransferível de ser, em suma, sua espontaneidade. Nos arranjos contidos neste long-playing Joãozinho participou ativamente; seus palpites, suas idéias, estão todos aí. Quando João Gilberto se acompanha, o violão é ele. Quando a orquestra o acompanha, a orquestra também é ele. João Gilberto não subestima a sensibilidade do povo. Ele acredita que há sempre lugar para uma coisa nova, diferente e pura que - embora à primeira vista não pareça - pode se tornar, como dizem na linguagem especializada: altamente comercial. Porque o povo compreende o amor, as notas, a simplicidade e a sinceridade. Eu acredito em João Gilberto, porque ele é simples, sincero e extraordinariamente musical. P.S.: Caymmi também acha.

Foi assim que Antonio Carlos Jobim apresentou João Gilberto na contracapa de Chega de Saudade, LP de estréia do cantor baiano lançado em 1959. Nota-se que o post-scriptum indicava a legitimação de outro baiano, Dorival Caymmi, artista que acabou assumindo no Brasil a posição de uma espécie de pai da canção popular em seu sentido mais profundo e misterioso: suas canções se diluem em nossa memória como se fossem de todos nós, criações de uma memória coletiva. Sob a prosa despojada e carinhosa de Tom, existia a consciência e a certeza da originalidade desse disco. E também de sua filiação - profundamente brasileira.

Tom assumiu a direção musical, o piano e os arranjos na maioria das faixas desse e dos dois LPs seguintes do cantor: O Amor, o Sorriso e a Flor (1960) e João Gilberto (1961). Em seu livro sobre João Gilberto, Walter Garcia vai ao xis do problema:

O que é que o baiano tem para tamanha importância lhe ser atribuída tão cedo, no lançamento do seu primeiro LP, e somente aumentar nas décadas seguintes? O ritmo. [...] Ao final dos anos 50, é claro, esta não é a única novidade apresentada por João. De novo há o seu jeito balançado de cantar baixinho, as suas harmonias dissonantes, os arranjos despojados, o seu repertório que mescla uma jovem safra de compositores cariocas com velhos sambas já bastantes esquecidos e também o seu acompanhamento rítmico ao violão, depois conhecido como a batida bossa nova.20

O que João Gilberto fez foi esvaziar e estilizar a síncope do samba em sua batida de violão. E Tom fez algo parecido nos arranjos de seus discos. Não existe a presença do contrabaixo nas gravações - são os bordões do violão de João que criam a regularidade das acentuações dos tempos fortes. A bateria toca a caixa no contratempo, sem bumbo, junto com a condução sincopada da vassourinha. O piano entra em momentos scolhidos a dedo, literalmente, com acentuações rítmicas precisas ou realçando dissonâncias estruturais da condução harmônica, mas nunca, diga-se de passagem, como efeito ornamental. A interferência orquestral está presente nas madeiras, principalmente flautas, e nos metais, tocados suavemente (trompas, trombones e às vezes saxofone); na seção das cordas destacam-se as frases dos violinos, que em seus contracantos criam profundidade e espaço. Em suma, tudo orbita em torno do violão de João, com o máximo de fluidez e organicidade.

Esse som era realmente novo e tinha bossa. E revelou-se "altamente comercial", preocupação que Tom explicitara na apresentação do LP. João Gilberto foi a fagulha que faltava para o estopim da bossa nova, segundo o próprio Tom: "Eu tinha uma série de sambas-canção de parceria com [Newton] Mendonça, mas a chegada de João abriu novas perspectivas: o ritmo que João trouxe. A parte instrumental - harmônica e melódica - essa já estava mais ou menos estabelecida"21. Entre 1958 e 1961, Tom Jobim produziu a maioria de suas canções clássicas, que ficariam identificadas como bossa nova: "Chega de Saudade" (com Vinicius de Moraes, 1958), "Desafinado" (com Newton Mendonça, 1958), "Esse Seu Olhar" (1958), "A Felicidade" (com Vinicius de Moraes, 1959), "Eu Sei Que Vou te Amar" (com Vinicius de Moraes, 1959), "Samba de Uma Nota Só" (com Newton Mendonça, 1960), "Meditação" (com Newton Mendonça, 1960), "Corcovado" (1960), "Insensatez" (com Vinicius de Moraes, 1961), "Água de Beber" (com Vinicius de Moraes, 1961) e "Garota de Ipanema" (com Vinicius de Moraes, 1961). Eis as mais emblemáticas - a lista, é claro, estende-se cancioneiro afora.

Com Vinicius, o poeta moderno que aos poucos migrou da poesia escrita para a poesia cantada, Tom criou canções elegantes e sofisticadas que abriram um diálogo com a grande poesia modernista de sua geração - João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles. Com o também pianista Newton Mendonça, seu amigo de infância e adolescência musical, Tom compôs sobretudo canções irônicas, paródicas ou metalingüísticas, como as canções-manifesto "Desafinado" e "Samba de Uma Nota Só". A bossa nova de Tom, Vinicius, João Gilberto e Mendonça descortinou uma área de permeabilidade inédita na cultura brasileira: sob a forma da canção popular urbana de sucesso, criou-se uma arte ao mesmo tempo "popular" e "sofisticada".22

O projeto de modernização do Brasil de Juscelino Kubitschek, no final dos anos 50, tinha a bossa nova como trilha sonora. JK, o "presidente bossa nova", soube capitalizar tudo de bom que o país produzia nas áreas das artes e dos esportes (o Brasil começava então a fixar sua imagem de país do futebol), moldando uma identidade nacional em que a soft evasive mist da bossa nova,23 os dribles de Garrincha e Pelé e o perfil empreendedor da política nacional pareciam fazer parte da mesma jogada. Por outro lado, esse período representou um momento de utopia de modernização conduzida por intelectuais e artistas progressistas e criativos, cujo símbolo maior foi a construção de Brasília, projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer - com música de inauguração encomendada à dupla Tom e Vinicius: Sinfonia da Alvorada.

O desdobramento mais próximo da bossa nova pode ser identificado na efervescência cultural e política da segunda metade da década de 1960. Ao mesmo tempo popular e sofisticada, essa música forneceu parte dos elementos musicais e poéticos para os movimentos artísticos do período, quando as oposições dualistas entre democracia e ditadura militar, modernização e atraso, desenvolvimento e miséria, passado arcaico colonizado e processo moderno de industrialização e "raízes" culturais versus cultura de massas internacional passaram a ser compreendidas como integrantes de uma lógica contraditória e paradoxal, sobretudo pelos artistas e intelectuais que criaram a Tropicália. É nesse sentido, pensando de modo amplo em seus desdobramentos, que se pode dizer da bossa nova que ela abriu uma área de permeabilidade cultural inédita no Brasil. E para Tom Jobim tudo isso ganhou um sentido particular. O trânsito entre o popular e o erudito, a sinfonia e a canção ou o samba e o jazz, por exemplo, nunca foi problema para ele. Tom criou um gênero musical e ajudou a internacionalizá-lo, como veremos, de modo absolutamente pessoal e profundamente brasileiro, ao contrário de outros músicos bossa-novistas como Sérgio Mendes ou Eumir Deodato, que fixaram residência definitiva nos EUA. Mas a bossa nova, e mais especificamente a figura de Tom Jobim, seria acusada por parte da crítica nacional de não ser genuinamente brasileira. A reação do compositor ao pensamento dessa crítica mais conservadora (e ao conservadorismo generalizado do regime militar pós-1964) manifestou-se de modo irônico, numa verdadeira antologia de tiradas sobre o tema: "O inimigo do brasileiro parece que é o brasileiro mesmo";24 "A gente faz uma batidinha de bossa nova; no dia que os americanos copiam, você é imediatamente acusado de os americanos já terem feito aquela batida";25 ou aquela famosa boutade que lhe foi atribuída, cuja autoria Tom nunca assumiu ou negou completamente: "a melhor saída para o músico brasileiro é o Galeão".

20 Bim Bom: a Contradição Sem Conflitos. São Paulo: Paz e Terra, 1999; p. 18.
21 Apud Walter Garcia, op. cit.; p. 20.
22 Sobre o tema da permeabilidade, ver o ensaio de José Miguel Wisnik, "A Gaia Ciência. Literatura e Música Popular no Brasil" [1994], em: Sem Receita - Ensaios e Canções (São Paulo: Publifolha, 2004); pp. 215-39.
23 A "vaga névoa suave" aparece na letra de "Bonita" (1964).
24 Walter Silva, "Tom Jobim - A Última Entrevista e Fotos do Maestro". Em: Revista Qualis. Rio de Janeiro, 30/11/1994; p. 36.
25 Cancioneiro Jobim, op. cit., vol 2; p. 31.

"Folha Explica Tom Jobim"
Autor: Cacá Machado
Editora: Publifolha
Páginas: 112
Quanto: R$ 18,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou na Livraria da Folha

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