Reuters
24/01/2002 - 19h30

"O Gosto dos Outros" é filme que brinca com os estereótipos

da Reuters, em São Paulo

Desde as primeiras cenas, "O Gosto dos Outros", estréia desta sexta-feira, revela-se um filme de roteiro excepcionalmente bem escrito.

Num restaurante fino, a câmera se alterna entre duas mesas. Numa delas, conversam o empresário Jean-Jacques Castella (Jean-Pierre Bacri), sua mulher (Christiane Millet) e um gerente de sua empresa. Numa outra, ao fundo, fazem o mesmo o motorista Bruno (Alain Chabat) e o segurança Moreno (Gérard Lanvin).

Os temas das conversas, banais à primeira vista, servem com astúcia à apresentação de alguns dos principais personagens desta deliciosa comédia de costumes, ao mesmo tempo em que insere suas diferentes perspectivas da vida a partir de suas respectivas classes sociais.

Essa esperteza no roteiro, aliada a uma condução de câmera intimista, que deixa o espectador junto do coração dos personagens, são os grandes trunfos desta estréia na direção da atriz e roteirista francesa Agnès Jaoui - vista na tela no papel da desinibida garçonete Manie.

Virando do avesso as expectativas e preconceitos de um pequeno grupo de pessoas numa cidadezinha do interior da França, ela faz humor com elegância e cria um filme com aquele típico tempero francês, afiado nos diálogos e nas interpretações - uma característica, aliás, que costuma distinguir filmes dirigidos por atores.

Arrastado ao teatro pela mulher, o empresário Castella (uma esplêndida criação do ator e co-roteirista Bacri) começa a flertar com uma outra vida. Bitolado e avesso à cultura erudita, ele foi ver a sobrinha atuar numa participação minúscula, mas enxerga algo diferente na protagonista, Clara (Anne Alvaro).

Por coincidência, dias depois, é a mesma Clara quem comparece ao seu escritório para dar-lhe aulas de inglês - a temporada da peça acabou e ela está garantindo a sobrevivência numa segunda profissão.

Histórias paralelas envolvem a garçonete Manie, que é amiga da atriz-professora, o motorista e o segurança do empresário. Beatrice (Brigitte Catillon), a costureira do teatro, também faz parte desta turma, que se freq enta, se apaixona e fala sobre a vida e a arte.

Repetindo no título brasileiro o mesmo duplo sentido do original em francês, este "osto" ue ocupa o centro da história refere-se tanto à fruição estética da arte como à maneira peculiar de cada ser humano saborear a própria vida.

Somando uma eterna leveza à sua discreta sofisticação, o filme o tempo todo repropõe chavões de comportamento e correção política.

Um fator de equilíbrio vem de todos os personagens serem igualmente ricos em nuances, defendidos por atores que os revestem de uma verossimilhança admirável, natural como se a câmera os surpreendesse no próprio cotidiano.

A inspirada cena da flauta que fecha a trama é uma sadia metáfora para a idéia de que tudo na vida é uma questão de achar o fôlego e o ritmo certos.

 

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