Reuters
15/10/2002 - 15h52

Biblioteca de Alexandria renasce depois de 1.600 anos

da Reuters, no Cairo (Egito)

O Egito reabre oficialmente nesta semana um dos primeiros e mais célebres centros de conhecimento da história humana: a biblioteca de Alexandria, cujas raízes antigas se estendem mais de 2.000 anos no passado.

O presidente Hosni Mubarak e cerca de 3.000 dignitários de diversas partes do mundo, incluindo os presidentes da França, Jacques Chirac, Itália, Carlo Ciampi, e Grécia, Costis Stephanopoulos, vão assistir à cerimônia de abertura da biblioteca, na quarta-feira.

Chamado oficialmente de "Bibliotheca Alexandrina", o local ressucitado reflete a ambição de uma obra ousada iniciada há 20 anos e que custou US$ 200 milhões, realizada com o apoio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e de diversos países.

Erguido no mesmo local onde se acredita que tenha ficado a biblioteca da Alexandria da antiguidade, antes de ser destruída, o edifício de 11 andares emerge como um disco gigantesco que se inclina em 20 graus em direção ao Mediterrâneo, formando uma imagem espantosa quando alinhado diretamente com o sol.

A parede de granito maciço, sem janelas e voltada ao sul, traz gravadas letras de quase todos os alfabetos do mundo, numa promessa silenciosa de promover a diversidade, a cultura e o aprendizado sem restrições.

O projeto esteve cercado de polêmica desde o início: alegações de que antiguidades valiosas da cidade grega original de Alexandria teriam sido destruídas na construção, críticas de que a obra caríssima não ajudará a promover a educação num país em desenvolvimento e que tem 68 milhões de habitantes.

Mas os avanços da informática apontaram para uma saída da tarefa quase impossível de construir uma biblioteca capaz de competir com as maiores do mundo.

A meta inicial de acumular 8 milhões de livros foi descartada em favor da nova proposta de criar o que existe de mais moderno --uma ciberbiblioteca, disse o diretor do estabelecimento, Ismail Serageldin.

"A quantidade de livros que se possui não é tão importante assim. O que se torna mais importante é a questão de estar à frente na construção de uma biblioteca eletrônica", ele explicou.

Foco especial
A biblioteca também vai se especializar em áreas determinadas e promover grandes seminários globais sobre questões pertencentes a diversos campos de conhecimento.

Alguns dos grandes nomes representados na biblioteca de Alexandria da antiguidade incluíam Arquimedes, Euclides, Eratóstenes, São Marcos e Maneto, criador do sistema atual de classificação das dinastias faraônicas do Egito.

Primeiro grande esforço de coleção e classificação do conhecimento universal, a grande biblioteca foi criada depois que Alexandre, o Grande fundou a cidade de Alexandria, em 332 a.C., promovendo a primeira tradução do Velho Testamento do hebraico para o grego.

"Estamos à procura de nichos que possam complementar nosso trabalho: a região mediterrânea, o mundo árabe, a África subsaariana e a ética científica e tecnológica", disse Serageldin, antigo vice-presidente do Banco Mundial e candidato à presidência da Unesco.

"Existem três áreas nas quais pretendemos ser os melhores do mundo e eu vou competir para ser o melhor: a biblioteca terá que ser referência em matéria da biblioteca antiga, de Alexandria e do Egito", acrescentou.

Tempos difíceis
A esperança de que a biblioteca se torne um novo farol de conhecimento e compreensão chega num momento crítico no Oriente Médio.

O extremismo religioso vem crescendo na região nas últimas décadas. A maioria dos supostos planejadores e responsáveis por 11 de setembro eram árabes, e vários deles eram egípcios.

A violência também continua a correr solta no Oriente Médio. A abertura oficial da biblioteca, prevista para ocorrer no início deste ano, foi adiada em função das tensões geradas pelas tentativas israelenses de esmagar o levante palestino.

A cidade liberal e europeizada que formou o pano de fundo do clássico "Quarteto de Alexandria" de romances do escritor Lawrence Durrell e suas histórias sobre as vidas e os amores das elites locais e estrangeiras passou por transformações dramáticas nos últimos 50 anos.

Hoje em dia os grupos islâmicos têm presença muito forte na cidade de 6 milhões de habitantes, cuja economia luta para escapar da hegemonia do Cairo. O Egito, como um todo, vem se tornando mais conservador nas últimas décadas, e os críticos lamentam a diminuição da discussão pública e a perda de força da sociedade civil.

Censura assusta
Mas o governo vem tentando acalmar os temores de que a onda de censura a livros possa afetar a biblioteca. Para isso, conferiu a ela um estatuto especial, pelo qual ela responde apenas ao próprio presidente.

"Meu mandato legal é muito claro. Ele me confere o direito e a obrigação de coletar todos os produtos da mente humana. Não estou prevendo dificuldades", disse Serageldin, arquiteto que já escreveu sobre tópicos diversos, desde Shakespeare até a biotecnologia.

"Se você, como muçulmano fundamentalista devoto, quisesse repudiar os "Versos Satânicos" (do escritor Salman Rushdie), onde encontraria um exemplar do livro?", ele disse, acrescentando que muitos países estão tendo discussões sobre os limites apropriados do trabalho artístico e científico.

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