Reuters
31/10/2002 - 23h49

"Fale com Ela", de Almodóvar, faz tragicomédia com Caetano

da Reuters, em São Paulo

"Fale com Ela", décimo quarto filme do espanhol Pedro Almodóvar, traz a costumeira irreverência do diretor que se baseou nas histórias reais de uma paciente que retornou de um profundo coma, do estupro de um cadáver e da gravidez de uma mulher inconsciente no hospital para criar uma trama que entrelaça amizade, solidão e amor.

O filme, que estreou na 26ª Mostra BR de Cinema e entra em circuito comercial nesta sexta-feira, deixa de lado o humor sarcástico de Almodóvar para dar lugar à tragicomédia, e até mesmo ao drama.

E deixando transparecer a ligação do cineasta com o Brasil - o roteiro de "Fale com Ela" foi escrito no quarto de Moreno Veloso em sua casa no Rio de Janeiro - Caetano Veloso, amigo íntimo de Almodóvar, é um dos destaques da fita cantando "Cucurrucucu Paloma".

O longa-metragem começa com Benigno (Javier Cámara) assistindo a um balé da renomada coreógrafa Pina Bausch ao lado do jornalista argentino Marco (Dario Grandinetti), que não consegue conter a emoção e deixa as lágrimas escorrerem durante o espetáculo, chamando a atenção do enfermeiro sentado na cadeira ao lado.

Ali já fica clara a conexão criada entre o emotivo jornalista e Benigno. Eles voltarão a se encontrar mais tarde no hospital onde as mulheres de suas vidas estão em coma.

Benigno cuida da bailarina Alicia (Leonor Watling), que está em coma há quatro anos em consequência de um acidente de carro.

Mas a relação entre enfermeiro e paciente vai muito além dos limites profissionais. Ele vive em frente à escola onde Alicia estudava balé e há muito tempo nutria uma retraída paixão pela moça.

Marco chega ao encontro de Benigno depois que sua namorada, a toureira Lydia (Rosario Flores), sofre um acidente na arena e acaba internada em coma no mesmo hospital de Alicia.

O encontro dos dois se dá quando Marco pára na porta do quarto de Alicia para observar a maneira como Benigno cuida da paciente. O enfermeiro se lembra de ter visto o jornalista no espetáculo de dança e passa a ajudá-lo a lidar com a inconsciência de Lydia.

Aliás, o balé, assim como as sessões de cinema mudo, são atividades que Benigno incorpora a sua vida apenas para nutrir as paixões de Alicia.

Ele conversa com ela, conta sobre os filmes e os espetáculos que assistiu, faz suas unhas e corta seus cabelos na esperança de deixá-la preparada para quando retornar do coma.

Marco, ao contrário de Benigno, não alimenta esperanças em relação à Lydia e não consegue ter a mesma abnegação do amigo.

O exagero e a solidão de Benigno, um homem que passou a vida cuidando de sua mãe e nunca viveu um grande amor, vem à tona quando Alicia engravida no hospital e todas as suspeitas recaem sobre o devotado enfermeiro.

Almodóvar esconde primorosamente a cena do estupro. Ele mantém o espectador assistindo a um esdrúxulo curta-metragem mudo, no qual uma cientista, numa experiência desastrada, encolhe o marido que termina por lhe proporcionar um gigantesco prazer penetrando seu corpo com seu minúsculo físico.

Enquanto isso, fica em suspense o que se passa no quarto de Alicia, de modo que não se sabe até aonde vai a culpa de Benigno. Uma metáfora cômica de um acontecimento que, se transposto à realidade, é sórdido e revoltante.

E apesar de todos os absurdos sensacionalistas que permeiam a trama, a primorosa atuação de Cámara não permite que o espectador, embora sentindo um certo nó no estômago, julgue seu amor por Alicia sob os parâmetros do certo e errado.

Marco será a única pessoa a quem Benigno poderá recorrer.

 

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