Folha Online 5 Sentidos
5 sentidos
30/04/2003

Personagem: Ex-motoboy só vê com nitidez quando sonha

LUCRECIA ZAPPI
DA EQUIPE DE TRAINEES

João Wainer/ Folha Imagem
Voldomiro Frota Jr. faz teste no Instituto da Visão, na Unefesp
"A primeira coisa que deixei de ver foram os olhos das pessoas. Hoje, só consigo ter uma imagem nítida quando sonho", descreve o ex-motoboy baiano Valdomiro Frota Junior, 23, que enxerga apenas vultos. O problema de Valdomiro, que começou aos 21, é a síndrome de Leber, doença genética que atinge o nervo ótico e reserva às suas vítimas um futuro assustador -a possibilidade da cegueira súbita e, até agora, irreversível.

A maior parte das vítimas é homem, entre 15 e 35 anos, mas a doença é transmitida só por mulheres, segundo Solange Rios Salomão, pesquisadora do Instituto da Visão da Unifesp.

A síndrome é rara -atinge uma em cada 100 mil pessoas-, mas a família Moschen, do Espírito Santo, ganhou destaque nos estudos da doença por ser a mais numerosa do mundo em vítimas, com 32 dos 296 integrantes atingidos.

Um dos últimos a engrossar a estatística foi o estudante Pedro Henrique Moschen, 15, cego do olho esquerdo e, segundo sua mãe, com 10% da visão no direito. "Sonho com vultos", diz.

Apaixonado por futebol, Pedro Henrique, que seis meses antes dos primeiros sintomas havia sido convidado para treinar no juvenil do Vasco, conta que continua vendo jogos pela TV, "mas de nariz colado na tela", guiando-se pelas cores dos times.

Também sem ver, Valdomiro é outro que não desiste da televisão. "Eu consigo acompanhar a novelinha da tarde com a minha namorada. Pela voz, eu sei quem é o personagem", diz.

Nem tudo é negativo na chegada inesperada da cegueira. "Deixei de ter os medos que tinha. Quando você não vê as coisas, não dá pra sentir medo delas", diz Pedro Henrique.

Valdomiro conta que o mundo de imagens indefinidas em que vive agora levou seu medo de dormir sozinho. "Não faz mais sentido ficar assustado com a penumbra contínua."

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