Folha Online Aqui jaz São Paulo
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02/12/2003

City: Dinheiro abre ruas até o limite

MARCIO PINHEIRO
da Equipe de Trainees

- 1900 O caminho do café passa pelo centro
- 1970 Paulista assume condição de maior pólo financeiro da América do Sul
- 1990 Região da Berrini concentra o novo capital

Dos prédios ecléticos do centro para os edifícios-concreto da avenida Paulista e de lá para os escritórios envidraçados da avenida Luís Carlos Berrini, no Brooklin. Há décadas o dinheiro paulistano caminha para a zona sul, no vácuo daquela que foi a maior empresa da cidade no início do século 20.

City of San Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited. De sua sede na Líbero Badaró, rua que abrigava o maior prédio da cidade de então, o Sampaio Moreira, a City desenhou São Paulo.

Começou com uma viagem do banqueiro Edouard Leveleye e do engenheiro Joseph Bouvard ao Brasil. Vinham da França para estudar negócios na cidade. Foram ciceroneados por Vítor da Silva Freire, diretor de obras públicas do município e, mais tarde, membro do conselho diretor da City.

Leveyle, após contato com os irmãos Boulton, banqueiros londrinos, registrou a City em 1911. Em menos de ano, já controlava mais de um terço da área urbana da cidade e exercia forte influência política --até um presidente da República, Campos Salles, fez parte de seu conselho.

E não havia limites. Em 1929, por exemplo, a parceira Light teria sido responsável pela maior enchente da história de São Paulo por manipulação de comportas. O limite da inundação determinou a desapropriação dos terrenos onde atualmente se encontram bairros como o Alto de Pinheiros, projetado pela City.

Outras áreas foram loteadas para atender às classes média e alta: o Jardim América, o Pacaembu e Alto da Lapa são bairros-jardins com padrão de planejamento urbano, a marca da City na cidade.

Na primeira década do século passado, a produção industrial de São Paulo ainda perdia para o Rio, a capital do país. A cidade era a província do café. Porém as multinacionais já atuavam principalmente na infra-estrutura urbana.

Para o coordenador de pós-graduação de economia da PUC-SP, Julio Manoel Pires, o poder dessas empresas era maior do que o atual, uma vez que "o setor público garantia a lucratividade delas".

E elas geravam arrecadação. "É muito provável que a City tenha tido influência na criação do IPTU", afirma José Eduardo Godoy, auditor da Receita Federal e especialista em história de impostos.

Exemplo da ascendência das múltis sobre a administração municipal foi o acordo City-Light. Em 1915, elas se associaram para patrocinar a construção de 15,2 km de novas linhas de bonde, que chegavam primeiro às áreas onde a City possuía terrenos, valorizando os bairros e gerando mercado.

Segundo Maria Claudia Pereira de Souza, autora de estudo sobre a City pela FGV-SP, a parceria não era ilegal porque "entrava num vazio da legislação". Dada a desorganização do Estado, as companhias "legislavam em causa própria", modificando a cidade.

Hoje, no terceiro andar de um prédio da região da Berrini e rebatizada de Companhia City de Desenvolvimento, a empresa continua multinacional, mas exerce papel secundário no mercado paulistano. Atua fora da cidade, em regiões como Campinas.

O estoque de terras do município está praticamente esgotado. A concorrência é feroz. A especulação imobiliária verticaliza a cidade. São Paulo ficou pequena.

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