Folha Online Aqui jaz São Paulo
Aqui jaz São Paulo
02/12/2003

Horizontes para São Paulo

MARINA MOTOMURA
VICTOR RAMOS

da Equipe de Trainees

Metrópole deixou escapar projetos e oportunidades para mudar de cara, mas algumas idéias esquecidas ainda podem ajudar a cidade a, um dia, recuperar seu espaço e um pouco das paisagens de sua história

Em seu ritmo frenético de reconstrução (ou autodestruição, como queira), São Paulo prescindiu de planos de obra. Ignorou vários projetos urbanísticos, alguns visionários, que, caso realizados, poderiam ter dado um outro horizonte para a metrópole.

Planejamentos, aliás, que ainda hoje permitem que se visualize um futuro em que a cidade se relacione melhor com a geografia e as necessidades da população.

O rio Tietê, que corta a cidade nas zonas norte, leste e oeste ao longo de 23 quilômetros, foi alvo constante de projetos que resgatariam sua importância. Um dos primeiros a pensar num modelo urbanístico que melhor aproveitaria o rio foi Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, em 1924. O engenheiro sanitarista concebeu um grande parque na margem do rio, que seria preservada como várzea para os períodos de cheias.

Saturnino de Brito imaginou três lagoas de contenção ao longo do Tietê. "Eram lagoas naturais, sem concreto. Quando houvesse enchente do rio, a água se acomodaria", explica Regina Monteiro, arquiteta e diretora-executiva da ONG Defenda São Paulo.

Além disso, o engenheiro propôs a implantação de quatro eclusas para facilitar a navegação.

O projeto, porém, foi abandonado para a implantação do Plano de Avenidas de Prestes Maia, uma marca até hoje na cidade.

Nos anos 70, o arquiteto Ruy Ohtake retomou a idéia de melhor aproveitar a área em torno do Tietê. O plano sugeria uma área verde por toda a extensão do rio, que serviria como "porta de entrada" para a capital.

Apesar de não ter sido inteiramente realizado, ele ajudou a recuperar um trecho importante --o Parque Ecológico do Tietê-- e sinalizou para a chance de reintegrar São Paulo à natureza.

Outro que pensou no Tietê foi Oscar Niemeyer, em um plano dos anos 80. Ele vislumbrou uma sucessão de parques, com avenidas em cada margem. Segundo o arquiteto escreveu no livro "Minha Arquitetura", o projeto sugeria uma praia artificial na beira do rio, através do afastamento de uma das marginais.

"Seria o lugar de lazer, de sol e sossego indispensável àquela cidade, com seus habitantes obrigados a descerem para longe, para as praias litorâneas que lhes faltam", imaginou o arquiteto.

Mais recentemente foi a vez de Paulo Mendes da Rocha procurar soluções urbanísticas envolvendo o Tietê. Apresentado em 2003, o projeto foi concebido para a derrotada candidatura paulistana aos Jogos Olímpicos de 2012.

Mendes da Rocha dividiu a cidade em núcleos, como o do Parque Villa-Lobos, que abrigaria as competições de tênis, o do Anhembi, onde ficaria o centro de mídia, e o da Água Branca, que teria a Vila Olímpica e o Estádio Olímpico. Como o representante escolhido pelo Brasil foi o Rio, os croquis ficaram para o futuro.

Em obras

Por enquanto, as iniciativas públicas para a recuperação desse espaço são menos ambiciosas.

O projeto de rebaixamento e ampliação da calha do Tietê já está com cerca de 60% das obras concluídas. Terminado, deve reduzir os riscos de enchente para apenas uma em cada cem anos, segundo o Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo). O banco japonês JBIC financia 75% das obras. O restante são recursos do Estado.

O mesmo plano pretende fazer também mudanças cosméticas: as margens do Tietê serão decoradas com flores e árvores frutíferas.

Existe um projeto da prefeitura para recuperar o pavimento das marginais Tietê e Pinheiros. Haverá correção de desníveis do asfalto, instalação de câmeras e melhora da sinalização.

A alegada falta de recursos do governo para não realizar um megaplano de obra não deve servir de pretexto, segundo Renato Cymbalista, urbanista do Instituto Pólis. Ele cita projetos como o Minhocão, que, apesar de caros, foram colocados em prática. "O interesse pelo funcionamento da economia sempre tem vencido. "O poder público" encara a cidade como econômica, e não como o lugar onde as pessoas moram."

Mas a participação oficial, se fundamental, não é suficiente para garantir as mudanças, de acordo com o arquiteto Tomaz Amaral Lotufo. "Deve haver o desejo político, por parte dos cidadãos, de transformar a realidade e se apropriar dos espaços públicos."

Arquitetos e urbanistas concordam que São Paulo pode ter um novo horizonte se aplicar boas idéias do passado em um novo conceito para a própria cidade.

Os planos encerrados na gaveta teriam função educativa, acredita o arquiteto Alexandre Delijaicov, da prefeitura e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, que os compara a livros que mudam a visão do leitor sobre a vida, estimulando-o a agir. "A construção de um novo olhar sobre a cidade é importante. Os projetos podem ter a capacidade motora de transformar."


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