Folha Online Aqui jaz São Paulo
Aqui jaz São Paulo
02/12/2003

Mendes da Rocha vê a cidade que se comporta

MARINA MOTOMURA
VICTOR RAMOS

da Equipe de Trainees

Comparada a outras cidades do mundo, alvos de guerras e atentados, São Paulo é uma cidade exemplar quanto à perspectiva para desenvolver e preservar a paz. Além disso, é uma cidade moderna e atual, cujo processo peculiar de civilização, apesar do colonialismo e da escravatura, a coloca como uma das esperanças do mundo.

A opinião é do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, autor de projetos como o do Museu Brasileiro da Escultura e o do ginásio do Clube Atlético Paulistano, ambos em São Paulo. "O patrimônio dessa cidade é esse potencial, o desejo expresso na população de que ela seja uma cidade exemplar". Leia os principais trechos da entrevista concedida pelo arquiteto.

SÃO PAULO - A grande questão é considerar São Paulo uma cidade absolutamente moderna e atual. Aqui vivem milhões de habitantes que se comportam muito bem. Todo dia vão trabalhar, voltam. As crianças vão para a escola, bem ou mal. Isso é um feito em si muito extraordinário diante do que o mundo está vivendo. Faz com que você possa dizer que a nossa cidade é muito civilizada quanto a horizontes para desenvolver e preservar, antes de mais nada, a paz, que é a garantia da perspectiva de vida para a população. Nós somos civilizados de um modo peculiar. A América ainda é a grande esperança do mundo. É nessa medida que você pode dizer que [São Paulo] é uma cidade exemplar.

REURBANIZAÇÃO - Tem que apelar para a engenharia, ciência, técnica, história, antropologia, filosofia. Temos que dizer que tudo isso é factível. Somos a parte inteligente da natureza e teremos que resolver esses problemas para nós mesmos. O patrimônio dessa cidade é esse potencial, o desejo expresso na população que ela seja uma cidade exemplar. Os rios, transporte público e habitação popular são a chave dessa revitalização, dessa recuperação do débito com a história. Eis o horizonte.

RIOS E CÓRREGOS - A primeira questão que ressalta é a questão da geomorfologia, da geografia e da topografia. São Paulo é uma cidade estraçalhada particularmente nos rios e córregos. Temos de recuperar tudo. Existem exemplos: o Tâmisa, em Londres, o Sena, em Paris. E não se pode jogar a água do Tietê no mar para produzir 800 mil quilowatts. A energia hidroelétrica só é realmente maravilhosa se, depois de produzir esses kW, você puder beber a água e navegar nela. Não há Kw que pague uma gota d’água jogada fora. Portanto, a excelência pode se voltar contra nós.

TRANSPORTE - Esse problema precisa ser visto de uma maneira integrada. O bonde pode ser uma solução. Berlim é uma cidade onde há bondes. Em São Paulo, muitos bairros poderiam ser servidos por eles. O metrô funciona bem, mas a linha é exígua. Há muita alternativa para você se livrar do transporte individual, do carro, que é o grande desastre de todas as cidades do mundo. Esses veículos não são nenhum êxito do engenho humano. Para se moverem, precisam deslocar 700 quilos de lata, com energia caríssima, para levar duas crianças à escola.

POPULAÇÃO - A cidade, de qualquer modo que surja, é sempre democrática. Surge pela ação da população, que vai ocupar a cidade, seus espaços, mostrando a virtude dela: teatro, cinema, cafés, hotéis, negócios etc. A nossa sociedade já está organizada. Nós temos Senado, Câmara, Assembléia, sindicatos, sociedades privadas de interesse comum. É preciso reorientar os horizontes. Evitar o desastre. O problema é não se organizar para o desastre, mas para enfrentar os altos ideais do gênero humano.

CIDADES - São a mais antiga e suprema experiência do gênero humano. A concomitância dos desejos e necessidades da humanidade, citando Marx. A cidade nunca estará pronta.


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