Treinamento Folha   Folha Online
   
Educação
24/06/2005

Íntegra de entrevista: Contardo Calligaris

Contardo Calligaris, 57, é psicanalista, ensaísta e colunista do jornal Folha de S.Paulo. Estudou em escola pública na Itália e seus três filhos estudaram em escola pública nos EUA e na França.

Quais os maiores problemas da escola pública brasileira?

O maior problema em absoluto é o salário dos professores, por uma razão que não é corporativista, já que não sou professor, nem tenho parente professor, mas porque nenhum sistema de ensino funciona se os professores não forem objeto de consideração e eventualmente idealização da parte dos alunos. Então, se ser professor não é considerado uma profissão de sucesso, a posição do aluno é muito problemática porque por qual razão ele escutaria ou gostaria de aprender alguma coisa de alguém que é considerado socialmente um fracassado?

Não haveria outra forma de mostrar que a profissão de professor é um sucesso que não seja pelo quanto ele ganha?

Sim, num mundo de Alice no País das Maravilhas. A única forma é aumentar os salários de maneira drástica.

O senhor chutaria um valor?

Um salário inicial de R$ 2.500.

Você enxerga alguma forma de solucionar isso? Por exemplo, se reduzíssemos o quanto pode ser deduzido do imposto de renda de pessoa física com o gasto educacional dos dependentes, os recursos do governo para investimento no ensino público cresceriam.

Nos EUA, há um poder de transmitir isso que acabou sendo elitista. É o seguinte: o gasto com educação pública é só da prefeitura, não é federal nem estadual. E os recursos vêm do imposto que seria, no Brasil, o IPTU. E eles são distribuídos por região, na mesma proporção da arrecadação. Então, o que acontece é que você em regiões ricas você tem um nível de escola pública altíssimo, maior que o nível das escolas particulares. Isso não resolve absolutamente nada, porque mantém a desigualdade. Como pode ser solucionado o problema, não sei.

E quanto ao envolvimento da família do estudante de escola pública e também da sociedade no ensino público: você acha que o envolvimento é fraco, que deveria ser maior, ou que não, que isso deve ser questão de governo?

Eu acho que a ajuda que uma família humilde, com baixo nível de instrução, pode fornecer é muito pouca. A criança dessa família é decididamente desfavorecida. Então, as crianças que têm pais com mais condições de se envolver na escola acabam aumentando sua vantagem em relação a essas outras crianças. Por isso, acho que a escola deveria ela mesma arcar com a responsabilidade de ensinar.

O respeito pelo professor tem diminuído na sala de aula porque o aluno não enxerga nele um modelo de sucesso. Mas e fora da sala de aula, a mesma coisa acontece? A sociedade diminuiu o respeito pelo professor por ele ganhar pouco?

Eu acho. Você não acha?

E a idéia de que a educação garante um bom futuro, você acha que ela se mantém no Brasil ou está se apagando devido às dificuldades econômicas?

Como estamos falando do ensino básico, acho que o impacto é menor do que com a escolaridade completa. De qualquer forma, acho que a educação não garante futuro, mas a falta dela certamente garante extremas dificuldades. O ensino obrigatório no Brasil vai até que idade, agora?

É obrigatório até os 14 anos.

Acho que a obrigatoriedade deveria ser até o ensino médio completo.

Mas em que sentido você acha que isso poderia melhorar a educação?

Melhora a educação do indivíduo, significa garantir pessoas que sejam verdadeiramente leitoras, pelo menos de jornais, que sejam capazes de interpretar as notícias.

A classe média alta optar pela escola particular ajuda a tirar prestígio da escola pública?

Sim, mas também não dá para acusar a classe média de ter abandonado a escola pública, porque a escola pública também abandonou a classe média.

A universalização do ensino causou redução da qualidade?

Sim, mas enfim, a educação pública não soube responder ao incremento de alunos. Então, desculpe bater na mesma tecla, o aumento por si só só teria significado se aumentasse também a qualificação dos professores.

Existem escolas públicas melhores que a média, melhores inclusive que escolas particulares, mas que não recebem o mesmo reconhecimento, exatamente por fazerem parte de um conjunto de escolas públicas que não têm reconhecimento. Existe um estado de espírito que deprecie a escola pública?

Sim, sem dúvida. Aliás, uma coisa que eu preciso dizer: me aconteceu uma vez de ser convidado para falar com alunos de escolas públicas da periferia paulistana, escolas bem longe do centro, simplesmente porque os alunos tinham lido e comentado uma coluna minha, e aí a professora me mandou um e-mail e eu fui lá. Em todas essas experiências, devo dizer não só que fui acolhido com muito carinho mas também a minha impressão da qualidade dos alunos foi ótima, eu achei surpreendente, eles mostravam bastante vontade de entender e aprender. Não acredito que seja bastante diferente dos alunos das melhores escolas particulares.

Então como corrigir essa impressão generalizada que temos de que a escola pública é ruim?

No fundo, para a classe média, a idéia é a de que o preço que eles pagam na escola particular de alguma forma garante a qualidade de ensino dos seus filhos. Além do mais, isso os coloca numa posição de exigir. O que nem sei se é muito bom para os alunos, que se sentem também como empregadores. Para mudar essa impressão seria preciso simplesmente que os pais que tivessem a impressão de que, pagando o que estão pagando, estão comprando para seus filhos uma educação que, na opinião comum, não é a melhor, que é inferior à educação da escola pública. Como isso poderia acontecer? Não acredito que possamos fazer campanha de promoção do ensino público. Acho que, no dia em que os melhores professores escolherem a escola pública porque tem um mínimo de qualidade salarial para competir com as escolas privadas, aqueles pais de classe média que não querem segregar seus filhos vão transferi-los para a escola pública. Porque a escola privada, mesmo que seja excelente, tem um déficit social, ou seja, ela não proporciona a experiência que a escola pública proporcionaria, de conviver durante os anos de escolaridade com diversos níveis sociais. Isso acrescenta à experiência pessoa e social de cada um.

Esse seria então um sentido da escola pública hoje ou você apontaria outro?

Esse é um sentido social em qualquer lugar. Além de tudo, a escola é também uma grande experiência de socialização, um lugar para onde eles vão quando saem da família, onde socializam fora do seio familiar.

As grandes iniciativas arquitetônicas (como os CEUs) têm alguma função pedagógica, podem melhorar a educação?

O que a prefeitura dizia, e que provavelmente é verdade, de que esses lugares grandiosos e luxuosos poderiam contribuir para a revalorização do aluno da escola público, eu concordo plenamente. Agora, eu acho que quadriplicar o salário dos professores teria um efeito muito maior.

O senhor estudou em escola pública?

Sim, quase todo o tempo, salvo o anteúltimo ano do colegial, por motivos que não tinham nada a ver com escolaridade, fugi de casa, morei um ano na Inglaterra e, quando voltei, tive que fazer dois anos em um só, e aí me fecharam num internato de Milão, onde pude constatar que o que tinha feito nos anos precedentes na escola pública, apesar de um ano de interrupção durante o qual não fiz absolutamente nada de escolar, me bastava para que eu vivesse integralmente de renda, comparado aos outros alunos, que sabiam muito menos do que eu.

E seus filhos?

Foram para a escola pública também. São três. Dois deles estão nos EUA e um na França. Um já terminou, outro tá terminando agora, tá na universidade, e o terceiro tá no quarto ano. Ficaram o tempo todo na escola pública, salvo, no caso dos EUA, as universidades.

Algum outro problema da escola pública que queira comentar?

Não, eu tenho essa mentalidade de colunista, preciso ter um assunto por vez.
BLOG

BATE-PAPO PRÊMIOS ESPECIAL
Patrocínio

Content on this page requires a newer version of Adobe Flash Player.

Get Adobe Flash player


Philip Morris
AMBEV


Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).