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Educação
24/06/2005

Íntegra de entrevista: Eglê Malheiros

Eglê Malheiros, 77, foi professora de história, no Instituto Estadual de Educação por 22 anos. Sempre trabalhou na rede pública, mas ficou "em disposição" por mais de 15 anos, durante a ditadura (no total 37 anos).

É formada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, tem mestrado em Comunicação Social pela UFRJ, foi secretária Municipal de Educação de Florianópolis, no mandato de Aloízio Piazza e secretária-assessora da Fundação Nacional do Livro-Infanto Juvenil.

Estudou em escolas públicas de Tubarão e Florianópolis (SC) e matriculou os filhos em escola pública.

Obras: "Os Meus Fantasmas‘, editora Movimento (infantil)

O ensino no Brasil se deteriorou?

Fui posta em disponibilidade entre 64 e 79. Levei um choque quando retomei e fui dar aulas para o 2ºgrau. Procurei saber o que a classe estava estudando, para aplicar um exame. Fiz a prova, era uma prova que normalmente eu daria para o 1º grau. O diretor falou ’Muda senão vai todo mundo tirar zero’. Os alunos não sabiam nem ler nem escrever. E olha que o IEE sempre foi um colégio de excelência. A justificativa é que estavam tentando fazer uma educação de massa. Como se educação de massa e de qualidade fossem opostos.

A escola hoje é melhor em alguns aspectos do que era há anos atrás. Hoje, aceitam mais as diferenças, têm a preocupação em conhecer cada aluno. Mas as escolas não acompanharam o desenvolvimento da sociedade em volta. Daí a evasão por desinteresse.

Quais os maiores problemas das escolas públicas no Brasil, no ensino básico?

O achatamento dos salários causou uma seleção às avessas. Com a degradação das condições de trabalho, as filhas da classe média (porque ainda é altamente feminina), deixaram de optar pelo magistério. Antes o professor ganhava como um coronel das Forças Armadas. Agora, ganha como um cabo. Os professores continuam sendo formados como se fossem egressos da classe média. Mas cada vez mais a classe baixa, que não teve uma formação cultura tão sólida (acesso a bibliotecas, contato com artes), opta pela carreira.

Continuam imaginando que a escola é para a classe média, mas a maior clientela não está nessa classe. Essas crianças não tem onde brincar, se desenvolver.

Sou inteiramente favorável a escola pública. É onde as crianças tem uma lição de democracia, aprendem a respeitar as pessoas por quem elas são, conviver com o diferente.

Falta também uma pré-escola boa, onde as crianças brinquem de amarelinha, de esconder, pulem corda. Se houvesse menos miséria, o processo se daria em casa mesmo, com participação dos pais.

A educação precisa ser uma política de Estado. Ela tem sido assim na história do Brasil?

A educação pública já foi sinônimo de excelência, mas foi desmontada com a ditadura. Com o golpe militar, os pais foram banidos das escolas, as decisões foram impostas e não havia interesse de que eles interagissem com professores. Com isso, acabaram delegando para a escola o que era responsabilidade deles. Houve ilhas de cuidado, como no Rio de Janeiro, quando Cecília Meireles foi Secretária de Educação. Implantaram bibliotecas públicas infantis em todos os bairros. Em Santa Catarina, no Estado Novo, houve uma revalorização das escolas, com Nereu Ramos. A educação precisa de uma política de estado que não sofra descontinuidade com mudança de governo.

Como melhorar o nível dos professores?

O professor precisa de respeito em primeiro lugar. Precisa saber que ele é determinante para o futuro do país, ter um salário digno, dar aula por meio período para que tenha tempo para corrigir cadernos, preparar aulas, ler. Tem que reforçar a auto-estima do professor, preparar ele para leitura. É básico que o professor goste de ler, para que o aluno desenvolva o gosto pela leitura. A leitura de ficção abre a capacidade de compreensão para leituras técnicas e do mundo.

Dependendo do local, os professores vivem sob ameaça, não podem desagradar determinados alunos, não pode reprovar outro porque o pai ou a mãe não aceita. Não pode se transformar em uma fortaleza, mas tem que se abrir para a comunidade, se tornar um valor dela. Se a escola se fecha, corre mais riscos. Se abre no final de semana, a comunidade se sente participante.

Quando fui secretária, chamamos os diretores das escolas, recolocamos quais eram os direitos e atribuições. Depois fizemos uma reunião com todos os professores para saber o que pensavam. Claro, não resolve o problema, mas melhora a disposição para o trabalho. Eles sabem que não são vistos como cumpridores de ordens.

A escola está adaptada ao aluno atual?

Não sou contra o uso dos computadores, mas não adianta nada instalar computador se o professor não está preparado, se não tem biblioteca. O professor precisa ter criatividade, capacidade de ensinar com base na realidade. É um instrumento, mas não é solução. Escola sem biblioteca é impensável.

Quando decidiu se tornar professora:

Desde os 16 anos, no colégio, gostava de ensinar, ensinava as amigas, tirava dúvidas na hora do recreio.
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