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Educação
24/06/2005

Íntegra de entrevista: Gabriel Chalita

Na opinião do senhor, quais os principais problemas da escola pública no Brasil?

Eu acho que a educação no Brasil vem melhorando. Há muito tempo, nas décadas de 40, 50 e 60, falava-se muito da excelência do ensino público --que as pessoas eram bem formadas--, mas era uma época em que era muito dificil entrar na ecola pública: havia exames de admissão, eram poucas escolas, você tinha 30% a 40% da população que ia às ecolas, mas a grande massa da população estava fora.

Em 95 e 96, no governo FHC, por causa do Fundef e por uma série de alterações na concepção educacional no Brasil, houve uma explosão da escola pública, que foi fazer com que todo mundo fosse à escola pública. Hoje, na educação fundamental, quase 100% das crianças em idade escolar estão na escola pública. O ensino médio não chega a isso --80 e poucos por cento. São Paulo é mais de 80%, mas você tem todo mundo na escola pública.

O primeiro ponto é essencial, todo mundo na escola. Mas isso acarreta alguns problemas. Primeiro, formação de professores. Começou a ter uma explosão de faculdades para dar diplomas a professores que estão começando agora. Além disso, filhos de famílias que não valorizam muito o processo educativo estão na escola. Antes o pai lutava para educar o filho, as pessoas mudavam de cidade para ir fazer escola. Hoje, se a escola não estiver na mesma rua em que mora, o pai vai reclamar, porque ele não quer ter dor de cabeça e acaba colocando toda a responsabilidade na escola.

O fato de todo mundo estar na escola, que é o caminho, gera problemas, do ponto de vista da formação de professores e da formação das famílias e suas concepções.

As soluções vão nessas duas direções, formação de professores e família.

Precisa formar o professor. Colocar dinheiro em formação de professores, é só isso que melhora a educação. Essa é a teoria do Paulo Freire, Darcy Ribeiro, todo mundo que trabalha com educação pública no Brasil e em outros países colocam isso como o grande elemento diferencial. Não é construção de prédios, o que muitos políticos fazem. A ex-prefeita com o CEUs, os Cieps, Ciaps, muitos prefeitos querem inaugurar escolas, inagurar escolas, inaugurar escolas....colocam mais recursos em obras, mas não é isso que melhora educação. Você pode ter palácios; se o aluno não tiver uma educação de qualidade, não vai ser bem educado. Precisa de um alto investimento em formação de professores, tudo ligado a ele porque ele é a alma do processo educativo.

E precisa convencer os pais de que a escola é deles. É melhor um pai e mãe que vão à escola, que brigam com o diretor e exigem a qualidade do ensino do que pais que estão ausentes do processo. É uma consciência que a Espanha trabalhou há um tempo atrás, que eles chamam de "pertenecimiento": os pais devem ter noção de que a escola pertence a eles; se isso acontecer, melhora o professor, diretor, a equipe. A gente tem que atuar nessas duas direções.

Há ainda problemas no financiamento da educação. Se a gente pegar hoje o Fundef, a participação do governo federal é mínima, e já era mínima no governo anterior --não é uma crítica a esse governo--, mas o investimento ainda é muito pequeno. O governo federal coloca mais em universidade e isso é um equívoco: Coréia, Espanha, França, Inglaterra e Argentina não fazem assim. Os países que conseguiram melhorar um pouco a educação mexeram na educação básica e não na superior. A desproporção do investimento do dinheiro público no Brasil em universidade superior pra escola básica é impressionante, há 14 vezes mais proporcionalmente investimento no ensino superior: na Coréia são duas vezes mais, na Suiça 2,5 vezes mais. Precisa colocar dinheiro na educação básica para conseguir pagar melhor os professores, ter melhores escolas.

O sr avalia que a rede já dá conta do número de vagas. O que falta é capacitaçao?

Acho que vencemos a barreira da quantidade, agora falta a barreira da qualidade. Se a gente pegar outros páises, eles passaram pelo mesmo problema. A Espanha quando unversalizou, caiu muito em educação. Se você tem uma família que acompanha o filho, perguntou o que ele estudou na escola pública é muito diferente de uma família que o pai bate na mãe, que a mãe bate no pai, que não dá valor ao aluno. Essa apatia no processo educativo é péssima, porque o aluno chega mal educado na escola, com problemas. O problema de violência doméstica na família repercute na escola, há casos na escola pública e particular em que os alunos tomam pinga com groselha aos 10 anos de idade, porque não têm pai e mãe. A escola particular também é um problema, às vezes os pais acham que porque pagam bem, a escola que deve se virar.

Mas alguns Estados começaram a ter melhoria pelas avaliações. É interessante ver o salto; se pegar São Paulo, só a rede estadual, nós evoluímos em todos os quesitos. E a rede municipal caiu em todos os quesitos. Não é uma questão política, mas técnica, porque a avaliação é feita pelo MEC, que é do partido da ex-prefeita. Por que isso? A gente investe 120, 130 milhões por ano em formação e quanto a prefeitura investe? Não são 10 milhões.

O diferencial é formação de professores, tem que formar todo mundo. Tem que estudar, ser avaliado, senão as pessoas param. Isso vale para todos, médicos, jornalistas, advogados; parou de estudar, pára no tempo.

Como o sr. vê a divisão de responsabilidade entre estados e municípios; deveria ser encargo só de alguém? É difícil lidar com essa divisão de escolas municipais e estaduais?

Eu acho que conceitualmente deveria ser mais descentralizado. O município deveria cuidar da gestão da educação. Hoje o Estado de São Paulo tem, da primeira a quarta série, quase 70% da rede municipalizada. É difíci cuidar de uma rede de seis milhões de alunos. Se você quiser achar mil casos positivos, você acha. Se você quiser, você também acham mil negativos. Se quiser localizar uma criança da oitava série que não sabe escrever, vai achar. Se você tem redes menores, é mais fácil de fiscalizar, participar, orientar. A tendência ainda vai ser passar isso para os municípios e tirar poder do governo central, porque o Brasil tem uma visão de descentralizar políticas públicas, mas não descentraliza recursos.

Na Constituição, o ensino fundamental e infantil são colocados como universais e gratuitos, mas sobre o ensino médio se diz que ele deve ser universalizado progressivamente. Os alunos têm direito de pleitear uma vaga ao ensino médio?

Acho que sim. Acho que se interpretarmos a Constituição vamos demonstrar que o Estado é obrigado a dar ensino médio. Não é obrigado a dar universidade. O espírito da Constituição e da LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação] é que da educação infantil até o ensino médio é obrigação do Estado. Embora explicitamente esteja apenas o ensino fundamental, implicitamente está o ensino médio também. Alguns promotores entendem que creche também é obrigatória, mas eu não acho. Creche não é uma medida universal, mas apenas para quem precisa. Mas a partir de 4 anos, tem que ter vaga para todo mundo.

A tendência é ir para esse caminho. A proposta do Fundeb é pegar ensino médio e infantil. Se conseguir fazer isso, vamos dar um salto.

Hoje, o problema em São Paulo do ensino médio não é vaga, é o aluno. Ele não vai porque tem que trabalhar. Criamos a "escola da juventude" no fim de semana para o aluno poder fazer o ensino médio, é um processo de convencimento. É como a política de alfabetização de adultos, as pessoas dizem "analfabetismo zero", mas isso é demagogia. Há um perfil de um potencial aluno que não quer mais estudar. Como vai obrigar essa pessoa a se alfabetizar? Dá para diminuir, mas isso não deve ser a grande política do governo, que deve ser voltada para a criança.

Há um mapeamento de pessoas que não completaram o ensino fundamental e passaram de sua idade, pois elas não são computadas no quesito da universalização. Existe uma política para incluí-las?

Sim, há. No Brasil, não sei os dados de cabeça, mas há uma quantidade grande de educação de jovens e adultos - de mais de 17 anos. Abrimos as escolas à noite e de fim de semana para todo mundo e essa tem sido uma política do governo. Aliás, são aulas interessantíssimas, porque os alunos são esforçadíssimos. Todos os professores gostam de dar aulas para eles.

O sr. é a favor de que alunos da rede pública tenham cotas em universidades públicas?

Essa é uma resposta muito difícil de dar. Eu sou contrário às cotas - fica politicamente incorreto dizer que é contrário, mas tem que melhorar a educação básica e não piorar a universidade. Todo tipo de cota não tem muito sentido. "Ah, eu entrei porque estou na cota de afrodescendentes, da escola pública", enfim, aí começa a criar cotas de judeus, cristãos e não sei o que mais. Sentimos pela evolução dos alunos que entram na USP, Unesp, Unicamp que estamos melhorando. Na Unesp, passamos de 40% e não tem cota. E era 20%. A USP já passou de 30% e era 10%. Esses saltos mostram que o ensino médio está melhor. Você tem que estimular as pessoas a desenvolverem seus potenciais. A Unicamp fez um caminho interessante que dava uma pontuação para os melhores alunos da rede pública. Um meio termo como esse tudo bem, mas eu sou contra cotas.

Por exemplo, os afrodescendentes tem que entrar na universidade pública, mas ele é carente. Se você fez com que ele estudasse e passasse, mas se não tem dinheiro para se manter, aí ele tem que ganhar dinheiro. Aí sim é ação afirmativa. O índice de desistência dos alunos que entram pelas cotas é imenso, porque eles não conseguem se manter, não tem dinheiro para ônibus, para comprar livros. Ação afirmativa é auxiliar aquele que fez todo o esforço e por mérito entrou na universidade.

Acho que no Brasil, o preconceito racial não é uma coisa grave. E não devemos criar isso. O preconceito maior no Brasil é social, é contra o pobre. O negro pobre talvez tenha um preconceito maior, mas é em grande parte ligado à questão social. A Erundina foi prefeita e era nordestina, o Pitta era negro, a Marta era uma mulher que defendia os homossexuais. Se a sociedade fosse preconceituosa, essas pessoas não ascenderiam pelo voto popular. O grande problema é o fosso social.

O caderno especial "Colégios" da Folha de S. Paulo trouxe levantamento do Datafolha que diz que 92% dos alunos de escolas públicas que passaram nos cursos mais concorridos da USP fizeram cursinhos particulares. Qual seria uma política adequada para trabalhar a questão pré-vestibular para alunos da rede pública?

Eu acho que vestibular é um absurdo e não deveria existir. Eu tenho dois doutorados e acho que hoje não entraria no vestibular. O caminho para o Brasil é o ENEM e outras avaliações. O cursinho dá dica sobre como entrar no vestibular. O mito do vestibular é muito ruim, pra escola particular também. É lamentável. A gente tem que avaliar de modo significativo a aprendizagem, e assim pegaríamos até mais alunos de escolas públicas e outros que não precisam de cursinho. Tem que resolver problemas, avaliar a escrita, o raciocínio lógico. Isso é essencial para qualquer carreira; agora, decorar tabelas de trigonometria e periódica.....

Para hoje, enquanto há o vestibular, tem que fortalecer o ensino médio. Embora o vestibular esteja mudando: redação vale mais, o ENEM vale mais. Começou a se abrir um leque que antigamente não havia.

Falta verba para a educação?

Falta. Muito. Na média brasileira, o professor de escola pública ganha trezentos e poucos reais por mês. Em São Paulo, paga-se mil, mil e quinhentos reais. O Brasil também tem apenas 20% das escolas informatizadas. Como se educa sem computador? São Paulo terá 100% delas informatizadas até o final do ano. Aí tem uma verba no programa federal FUS (Fundo de Universalização do Sistema de tele-comunicação) com 4 milhões parados, fazendo superávit primário. Isso é, precisa de dinheiro e de recursos, até para capacitar professores. Alguns políticos têm vontade política, querem capacitar, formar, mas não dá. O Brasil tem 45%, 46% de professores com formação univeristária. O mínimo que o Estado tem que fazer é pagar para esse professor cursar a universidade, para ter uma base melhor.

Nas escolas que mais aprovam na USP, a média de horas-aula é 1200 por ano. Nas escolas públicas, isso é 720. Como o sr. avalia o tempo de aula na escola pública; é menor do que o adequado?

O ideal seria o ensino integral durante todo o ensino básico. Com atividades culturais, projetos, práticas esportivas. A gente poderia fazer isso em algumas escolas, mas sou contra pegar 50 escolas para fazer ensino integral, criando-se uma vitrine e deixando de lado as outras 5.950. Esse ano, aumentamos a carga horária para 6 horas-aula por dia. Já é um salto. A maior parte dos estados não tem 4 horas aula. A única dificuldade para melhorar isso é falta de dinheiro.

Como foram as decisões de incorporar o ensino religioso e o ensino de filosofia no currículo estadual?

Desde que eu entrei na secretaria, comecei a trabalhar uma relação mais saudável com os professores, mais afetiva, e a gente começou a criar um mecanismo de participação efetiva dos professores. Eles que decidiram abrir as escolas nos finais de semana. A gente fez fóruns sobre isso para debater, discutir. Em 2002, a gente fez uma votação para decidir se voltava a filosofia. Tinha várias possibilidades: filosofia, sociologia, psicologia, aumento de história e português, e ganhou a grade que estava. A proposta perdeu e a gente não mudou. Então começaram as reivindicações de novo, eles colocando que era preciso discutir um pouco mais, a gente fez uma série de seminários, votamos de novo e ganhou o aumento de 5 para 6 horas-aula [por dia] e algumas matérias. Votaram pela filosofia e pela hora da leitura. Acho que foi uma conquista.

E o ensino religioso?

Ensino religioso tem. Só na oitava série desde 2001. É opcional.

O que o senhor acha que a educação pública tem a aprender com a rede privada?

Acho que uma coisa importante é que na comparação da rede privada com a rede pública, dizem que a rede privada é melhor. A rede privada tem algumas escolas que são maravilhosas, mas na comparação mesmo, a rede pública é melhor do que a privada. Se você pegar Bandeirantes, Pueri Domus, Porto Seguro, Vera Cruz, você vai e chega numas 20 escolas, depois o salto é de defasagem.

Você vai para uma escola privada de periferia e é uma tristeza. A gente vê pela fiscalização dos supervisores de ensino, é uma coisa absurda. Agora, o que as escolas de excelência podem ensinar para a rede pública é gestão. A gente precisa ter uma gestão melhor da escola pública que essas escolas privadas conseguiram: os pais participam da gestão, os números são abertos e há um debate profundo com as famílias. Quando o filho vai ser matriculado, o pai e a mãe tem que ir à escola, se não o filho perde a matrícula. No Santa Cruz eles brincam que a pessoa antes de nascer tem que conseguir vaga lá, então o pai e a mãe se comprometem muito com a escola, pois a qualquer momento podem perder a vaga. Na escola pública a gente não pode fazer isso, não pode mandar o filho embora porque o pai e a mãe não estão indo à escola.

Além disso, essas escolas de excelência investem na formação de professores: os professores que trabalham nessas escolas são pessoas que são capacitadas o ano inteiro.

O senhor acha que as escolas privadas poderiam desempenhar melhor um papel de assistência social que alguns colégios desempenham (bolsas, etc.)?

As escolas de excelência privadas fazem isso, todas elas. Você pega o Porto Seguro, tem um projeto na favela de Paraisópolis que é maravilhoso; o Santa Cruz tem um curso à noite que é de graça, tem trabalho social; o Pueri Domus também tem, colégio do Morumbi também tem. Aliás, por que eles têm? Não é nem por caridade, é porque isso é bom para o aluno deles. Um aluno que não tem uma vivência não desenvolve suas habilidades. A gente fez um projeto já há um ano e pouco que foi aquele da Escola Solidária com a Milú Vilela e que hoje está no Brasil inteiro, que é levar todas as escolas públicas e particulares a perceberam que o aluno tem que ter uma atuação social: ele tem que ir para o asilo, tem que ir à creche, tem que ir para uma favela porque isso amadurece. No meu livro "Educação com afeto" eu trabalho com as três habilidades que todas as escolas têm que ter: uma que é a habilidade cognitiva, do conhecimento propriamente dito, outra que é social e a outra que é emocional. Aí vem uma coisa do currículo também que foi a volta da educação artística, pois não tinha ensino de artes na rede, voltou em 2002. Artes e educação física eram matérias meio marginais, mas que são essenciais. Esporte e cultura não podem ser marginais. A gente voltou por causa dessa habilidade afetiva, emocional.

O senhor tem filhos em idade escolar?

Não, eu não sou casado, eu sou solteiro

Se o senhor tivesse filhos em idade escolar, matricularia-os na escola pública hoje?

Matricularia. Acho que depende do lugar em que eu estivesse morando, do meu objetivo naquele momento.

Eu estudei em escola pública, uma parte, e a outra parte estudei em escola de padres, porque eu queria ser padre. Depois larguei o seminário. Mas eu matricularia, sim, há escolas públicas que me impressionam pela excelência.

Independente da idade escolar?

Acho que na educação infantil eu não deixaria em escola pública, dependeria muito do bairro em que eu estivesse morando.

Para ser absolutamente sincero, acho que hoje há muitos pais de classe média que moram perto de boas escolas públicas e colocam os filhos nas escolas públicas, e aqueles pais que moram perto de escolas públicas que não as consideram tão boas e tentam colocar os filhos na escola particular, perto também.

Se eu morasse no interior, não teria dúvida nenhuma: a escola pública do interior é incrível, a gente vê pela avaliação do Saresp, ela é ótima. Há poucas escolas particulares no interior que são melhores que as escolas públicas. Quando você chega na capital, você tem outras opções, outras possibilidades.

Talvez a vantagem que as escolas particulares têm é que há muitas atividades esportivas, a possibilidade de seu filho ficar o dia inteiro na escola e fazer inglês, francês, computação....não tem isso na escola pública. Você vai ter isso no ensino médio depois, nos laboratórios de línguas, mas é mais restrito.

Só para fechar a questão, o senhor os colocaria na escola pública dependendo de onde morasse... onde o senhor mora?

Eu moro ao lado do Rio Branco. Higienópolis tem uma escola pública que é uma ótica escola, tem a Zuleica de Bastos que fica na Pompéia e é ótima também. Tem uma na praça Buenos Aires que é da prefeitura. (...) Tem a Rodrigues Alves na paulista (...) Piratininga II fica no meio da favela e é uma coisa, a escola pública.

Na escola particular, se o pai não está satisfeito ele troca. Na escola pública se o pai não está satisfeito ele fica bravo com a escola pública. Tudo bem que é direito dele, mas ele tem que ficar bravo e tem que ir lá. Quando o pai vai, esses casos de sucesso de escola pública estão muito ligados a participação familiar. Quando o pai e a mãe assumem, aí você troca o diretor. Tem muitas escolas que estou passando e vou sem avisar. Perto da Castelo tem uma escola em que os pais compram alimentos no Ceasa para levar para merenda, administram a cozinha da escola.

O senhor mencionou o Saresp, mas no ano passado teve um problema: a secretaria foi acusada de divulgar os dados aos poucos e maquiar dados. Existe alguma providência sendo tomada para o Saresp desse ano?

Vai ser igualzinho. Só a Folha criticou o Saresp do ano passado, porque o jornal queria que a gente desse o ranking das escolas para fazer uma comparação entre escolas estaduais e municipais. A gente fez um compromisso com os prefeitos que não divulgaríamos os dados dessa forma para não ter ranqueamento de escolas. A Veja também queria, mas acabou não dando nada. Todo o educador é contra ranking, porque o problema de ranking é o seguinte: como é que o aluno chega, como é que ele sai?

Eu dei o exemplo da Rodrigues Alves na Paulista, como é que esse aluno chegou na Rodrigues Alves? Aí você pega uma escola da zona rural que vai estar talvez em septuagésimo lugar e ela fez um trabalho talvez melhor do que aquela ali. Mas como é que o aluno chegou a essa escola? A gente divulgou de tal forma que falava mais de habilidades, como a Carlos Chagas concebeu. Agora vai sair a nova, que pegou a mesma sistemática do Enem. No Enem não dá para fazer ranqueamento. No Saeb dava mais ou menos, agora está dando menos.

A gente deu um resultado como o do Enem e aí a imprensa cobrava para saber escola por escola. Aí houve uma polêmica porque professores corrigiram as provas. São 5 milhões de provas, quem vai corrigir? Tem que ser o professor. Mas ele não corrige provas de seus próprios alunos, corrige de outras escolas.

E o plano estadual de educação, por que não saiu?

Está na Assembléia. A gente está cumprindo o plano sem ele ter saído. Tivemos uma série de audiências. Aliás, nenhum estado ainda aprovou seu plano, estão todos nas assembléias.

Aí começam coisas que não são do plano, mas sim reivindicações de uma classe específica. O plano é para cumprir metas, meta de evasão escolar, meta do ensino técnico, do ensino universitário, meta da participação familiar nas escolas, meta do aumento do currículo. Tinha no plano o aumento para seis horas aula, a gente aumentou antes até e conseguiu fazer capacitação de professores, percentual de professores com mestrado, com doutorado. Não é que está dando problema o plano, é que existem problemas partidários.

Para falar a verdade, o Brasil é ótimo sob o ponto de vista de legislação de educação. Se a gente cumprir a Constituição federal e a LDB não precisa plano nenhum. Nossa evasão proposta no plano era de 1%, a gente está com 0,7% de primeira a quarta série. É a evasão mais baixa do Brasil. Ensino médio nosso tem 7% de evasão, a média nacional é de 25 ou 26%. Estamos com tudo lá em baixo nesses termos. Acho que nossa meta é de 5% em 10 anos. Aí tem questão dos alunos com deficiência em salas especiais, a tendência é não ter mais salas especiais(...). Tem metas bastante interessantes que independentemente da aprovação dá para realizar. Mas o interessante do plano é que ele passa o governo, ele fica 10 anos, passa o governo ele deveria continuar a executar.

Agora, plano é plano. Alguns entendem plano como norma programática. O que te obriga a cumprir aquele plano? É como a LDB, é uma lei que tem uma série de coisas que não acontecem porque ninguém cobra.

È boa a relação da secretaria com a comissão de educação da Assembléia?

É média, é cordial. Nunca teve um problema, mas sempre tem picuinhas. Poderia ajudar a comissão. Olha, eu fui reeleito presidente do Conserg com apoio do PT, apoio do ministro inclusive. No governo federal eu não tenho nenhum problema com essas relações porque eles me enxergam como educador.

Aqui na Assembléia eles me convidam para saber porque que a escola técnica de tal bairro teve tal problema. Aí você vê que é uma coisa da deputada que preside a comissão; que é um negócio assim, não é uma visão de educação. É uma pena isso. Aliás, esse é elemento dificultador da política brasileira: é o fato de as pessoas partidarizarem a educação e de um governo não continuar os planos de outro governo.

Me dou muito bem com o Tarso Genro, mas se a gente pegar os dois ministros do PT, um destruiu o que o outro fez, graças a Deus, porque acho o Cristóvão [Buarque] uma pessoa fenomenal, mas não dava para aceitar as idéias dele. Cada dia era uma idéia. O [ex-ministro da educação no governo FHC] Paulo Renato veio com uma gestão, aí vem o Cristóvão e quer acabar com tudo que o outro fez, vem o Tarso e quer acabar com o que o Cristóvão fez. Não funciona. Porque que a Coréia dá certo? Porque faz 20 anos que eles não mexem na proposta educacional. A Espanha não mexe, não dá para trocar um ministro e trocar a proposta educacional.

Eu entrei aqui e a primeira pergunta que faziam, até porque o Geraldo [Alckmin] ia ser candidato à reeleição: "Não vai acabar a progressão continuada"? Imagine se acabasse naquele momento a progressão continuada, e aí? E esse pessoal que estava envolvido na progressão continuada? Você tem um estudo que a secretaria anterior fez, envolveu todas as universidades, trouxe gente do mundo inteiro para estudar aquilo, a educação vai numa certa linha aí vem alguém e diz "não, vamos acabar com isso porque os pais não gostam". Ora, se é correto explica para os pais. Não é porque as pessoas não entenderam o que é que você vai acabar com a progressão. Esse cuidado com educação é importante. Educação é processo, não é coisa. Quando ela é uma coisa, cada um pode dar sua marca, como uma casa popular: o Maluf vai e constrói o Cingapura, se vem outro e não quer mais fazer Singapura, quer fazer CDHU, tudo bem, a casa está pronta. Com educação não: você está trabalhando com mente humana. Imagine acabar com a escola da família? E os universitários que estão fazendo faculdade com bolsa? Todos eles perdem a bolsa?Esse é um dos grandes problemas da educação no Brasil, vale para prefeitos do interior, de outros estados, para todo mundo. As pessoas querem deixar uma marca, então acabam com o que o outro estava fazendo. Isso é uma tragédia.

Qual o projeto ou ação do atual governo federal que o senhor se orgulharia de ter feito e qual outro projeto o senhor considera o maior erro da administração do PT?

Eu acho o Prouni ótimo. Não dá para você crescer mais com as universidades públicas, a grande questão é investir na educação básica. Na verdade é um meio elogio porque eles copiaram o programa de São Paulo, da escola da família, com outro nome, algumas características diferentes, mas o mesmo conceito: fazer com que a faculdade privada possa dar escola de graça para alunos carentes. Acho que é um ótimo programa. No começo, o programa apanhou muito, mas eu fui um dos que defenderam a proposta.

A segunda questão é, se aprovarem como o ministro está falando, vai ser o Fundeb tendo a universalização da educação infantil e do ensino médio como prioridade. São duas coisas boas, se acontecer o Fundeb. Depende também do [ministro da Fazenda, Antônio] Palocci, não depende só do Tarso.

O grande equívoco do Cristóvão Buarque foi com o salário-educação, em que um percentual da folha de pagamento dos estados ajudava a capacitar professores, comprar computadores, reformar escolas. O governo federal tirou 10% do salário educação para comprar uniformes, que era uma promessa do Lula. Em São Paulo a gente perdeu R$400 milhões com isso, todos os estados do Brasil perderam, Rio perdeu R$300 milhões, perdeu para o município também, Minas... foi uma tragédia que o Tarso reconhece como tragédia e não conseguiu rever (...).

Eu não sou contra uniforme, mas uniforme é para país rico onde está sobrando dinheiro, onde está todo mundo chegando na escola, onde não tem problema de transporte e professor ganha bem. Vai dar uma lancheirinha: bonitinha uma lancheirinha, mas você aprende sem lancheirinha. Não é uma medida essencial.

O segundo equívoco é a Reforma Universitária, que começou mal. Pegar gente dos movimentos populares, gente das ONGs, gente para criar conselhos deliberativos são coisas totalmente sem sentido, que não vão repercutir na melhoria de fato da universidade, na gerência da universidade. Acho que eles erraram no Provão também, mudar o processo de avaliação se joga fora tudo o que estava acontecendo. O Provão podia ter alguns defeitozinhos que poderiam ser aperfeiçoados, mas ele te dava um indicador social da universidade.

Quase mexeram no Enem, depois não mexeram mais. O Enem é um exame que hoje é copiado por outros países, melhor exame que o MEC criou na gestão anterior foi o Enem, melhor que Saeb e Provão. Porque esse exame mede habilidade e competência, o aluno recebe na casa dele o resultado do que ele desenvolveu, de sua habilidade. Não tem comparação.

Secretário, existe uma Lei Federal, a 10.649 que prevê o ensino de história e cultura afro brasileira na rede pública. Qual a posição da secretaria?

A gente ia fazer isso antes da lei e a gente tem um convênio com a comunidade negra, com vários segmentos, com fundações que trabalham com a questão, e capacitamos os professores para isso (...) Um dos temas ligados à pessoa humana é o respeito à diversidade. No caso da cultura afrodescendente, ela é fundamental porque faz parte da formação do nosso elemento cultural

No caso do ensino de elementos históricos dos afrodescendes, a formação atinge 100% da rede estadual?

Atinge. A gente priorizou professores de história, português e artes para trabalhar com a questão afrodescendente. Não que os outros não possam participar, mas a capacitação num primeiro momento foi dada para 11 mil professores dessa área. A gente pegou nas 89 diretorias de ensino, toda a capacitação foi discutida, mas quem deu a capacitação não foram as ONGs, foram as universidades. ONG nunca dá capacitação, mas debatem.

Conversando com o presidente da Apoesp ele disse que a maior crítica é que essas capacitações ocorrem fora do horário de trabalho e que os professores gostariam que fosse dentro da janela. O senhor concorda com a crítica?

Não, não concordo porque há também capacitação em horário de trabalho. Os HTPCs, que são horários de atividade em que eles trabalham na escola, trabalham com os ATPs. Você tem um leque de capacitação. Por exemplo, o professor da rede pública diz "quero fazer mestrado", ele vai ganhar R$720,00, além do salário, para fazer mestrado, mas continua dando aula. Se você é jornalista da Folha e resolver fazer mestrado vão te falar "tudo bem, mas você continua trabalhando aqui". Você não vai ficar em casa ganhando todo o seu salário pra isso, né? Você ganha uma bolsa, que já é para te ajudar. Se não tem condições para fazer as duas coisas, o professor pode se afastar, vai uma vez por semana na diretoria de ensino trabalhar numa oficina pedagógica e não ganha R$720,00. O que eles queriam? Que eles se afastassem e ganhassem o dinheiro para fazer o mestrado. Não tem muito sentido, né?

Outro tipo de capacitação é a Rede do Saber, um programa que a gente faz com vídeo conferência. São 104 salas no Estado inteiro com sessões uma vez por mês, uma vez a cada 15 dias e tem as outras que são dadas em várias áreas. Aí é na escola, então é no horário em que eles estão na escola. Além disso, existe um projeto em que cada diretoria de ensino escolhe a capacitação que quer ter. Por exemplo, Apiaí pode encomendar uma capacitação forte em matemática, em meio ambiente e educação sexual. Então, a diretoria de ensino faz uma licitação com as faculdades do local ou com a Unicamp que foi lá e montou um campus avançado só para essas atividades. Aí a Unicamp vai dar à noite essas quatro áreas que os professores pediram, eles vão fazer de graça essa capacitação, num outro horário. Como a gente tem quase 200 mil professores em alguma capacitação, não dá para se tirar o professor da sala de aula nesse horário. No começo era mais USP, Unesp, Unicamp e PUC que davam capacitação. Aí eles começaram a reclamar, porque as públicas colocavam monitores dando aula. Então abrimos licitação para todas, todo mundo que quiser participa. Mackenzie, por exemplo, capacitou de graça: ele entrou na licitação com R$0,00, porque ele queria capacitar professor da rede pública.

Não dá para o Estado ser paternalista de tal ordem de que você vai dar tudo, o professor tem que ir atrás de algumas coisas também. Você precisar dar, mas cobrar, exigir do professor. O sindicato é contra o bônus. Por que? Porque com o bônus o professor não pode faltar, então parece que você está tirando o direito dele de faltar. Mas um profissional da rede privada não pode faltar, então da pública não pode também. São Paulo tinha mais de 30 mil faltas por dia de professor, não tem cabimento. A gente não pode ter esse paternalismo, você tem que dar dignidade, respeito, afeto, mas cobrar resultados.
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