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Educação
24/06/2005

Íntegra de entrevista: Francisco Das Chagas Fernandes

Francisco das Chagas Fernandes, 47, secretário de educação básica do Brasil

Estudou em escola pública. Seus dois filhos, em escola particular.

Licenciado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Outros cargos: Diretor do Departamento de Políticas de Financiamento da Educação da Secretaria de Educação Infantil e Fundamental (Seif) do Ministério da Educação, em 2003; Conselheiro nacional do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef); Diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação; Diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Rio Grande do Norte; Professor da rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte.

Quais são os maiores problemas do ensino público hoje, no Brasil?

Nós podemos definir pelo menos o financiamento da educação, esse é um problema sério, tanto para os municípios em relação à educação infantil como para os Estados em relação ao ensino médio, então o financiamento da educação é um grande problema. Um segundo problema é a questão da valorização dos profissionais da educação tanto em relação ao salário quanto em relação à formação. E na formação nós temos problemas tanto na formação inicial quanto na formação continuada, porque nós temos milhares de professores que estão dando aula nos sistemas e não tem formação nem no nível médio e muitos vezes na licenciatura. É por isso que nós estamos com vários programas para formar professores que não têm nível médio, para educação infantil e para 1ª a 4ª séries, e formar professores que não têm licenciatura, de 5ª a 8ª e ensino médio. Eu diria que o financiamento da educação e a revalorização dos profissionais da educação hoje são centrais em relação à escola pública. É claro que tem várias outras variáveis que interferem. Muitas vezes a gente pensa que a educação se resolve apenas dentro da escola e a gente sabe que a criança que é filha de pais analfabetos tem dificuldade de aprender em relação àquele que tem pais letrados. Nós sabemos que tem milhares de crianças que muitas vezes vão à escola apenas por conta da merenda, que é a única refeição deles. Então, tem várias outras variáveis. Eu levantei dois pontos que para nós são centrais hoje e é por isso que nós estamos trabalhando muito fortemente neles, que é a redefinição do financiamento da educação e a formação de professores.

O projeto original do Fundeb previa mais recursos que a versão final, que será enviada pelo Executivo ao Congresso [em 14 de junho]. Então, o Fundeb não é uma solução definitiva de financiamento.

Nós não estamos diminuindo, com o Fundeb, os recursos da educação. Os recursos estão mantidos em 25% nos Estados e municípios, no mínimo. Os Estados e municípios têm que continuar gastando. Em relação à proposta original, que era 25%, ou seja, todos os 25% iriam para o Fundo, e agora nós estamos propondo que vá 20%, você não está diminuindo os recursos da educação, porque os Estados e municípios vão continuar obrigados a investir 25%, no mínimo. O que nós estamos colocando é que a cesta do Fundeb vai ser apenas de 20%. O Fundeb pode não ser definitivo para resolver o problema, mas é um grande passo. É uma grande redefinição do financiamento da educação, por conta da educação infantil e do ensino médio, que não têm sistema de vinculação hoje.

O fim da DRU vai mesmo acontecer? Porque, senão, o Fundeb perde boa parte do sentido.

O governo federal está garantindo R$ 4,3 bilhões, que corresponde exatamente ao que seria a Desvinculação das Receitas da União. Então, mesmo que a DRU não acabe, nós estamos garantindo que ao menos 10% do valor total do fundo a nível nacional esteja aportado ao fundo pelo governo federal.

Mas de que maneira, se não houver o fim da DRU?

Veja bem. Na PEC, vai estar escrito que o governo federal vai complementar o Fundeb com R$ 4,3 bilhões, corrigidos pelo IPC.

Sim, mas esses recursos viriam de onde?

Ah, o governo está garantindo fontes para que tenha esses R$ 4,3 bilhões.

Quais fontes?

O governo está definindo. O governo com o Ministério da Fazenda e do Planejamento estão definindo qual a fonte para essa complementação.

A partir da implementação desse fundo, que prazo o senhor vê para mudanças efetivas nas questões apontados pelos senhor como problemáticas? Um prazo de dez anos, de quanto tempo?

O fundo, na realidade, tem um prazo: quatro anos de implementação e dez anos, quatorze no total. Agora, a educação é um processo. Nós não podemos dizer que tomamos uma medida agora e daqui a três anos está resolvido o problema da qualidade. Porque é um processo que tem a ver com a formação de professores, que tem a ver com questões sociais que interferem na aprendizagem dos alunos, por exemplo, transporte escolar, tanto urbano como rural, hoje interferem, ou seja, tem várias questões que, nesse processo, têm um tempo, que eu não sei qual, não posso determinar qual é o tempo, melhorará a qualidade da educação.

Então esse tempo não pode ser determinado?

É, eu não arrisco determinar que a qualidade da educação estará resolvida em X anos. Nós estamos tomando medidas para a qualidade da educação básica no nosso país. Por exemplo, no final do ano nós vamos fazer o Saeb, o Sistema de Avaliação do Ensino Básico, nós vamos fazer universalizado, em português. Então, o Saeb universalizado inclusive pode dizer em qual região, em qual município, em qual escola, a situação da aprendizagem dos alunos é melhor e é pior. Porque hoje a avaliação é feita por amostragem, e não define onde a situação é melhor e onde é pior. Essas são medidas que vão nos ajudar a melhorar a educação básica no nosso país.

O acesso à educação fundamental está quase universalizado. É possível universalizar o ensino médio?

A meta é universalizar o ensino médio também. Inclusive porque o Plano Nacional de Educação coloca isso. Agora, além de trabalhar na perspectiva de universalizar o ensino médio, o fundamental tá praticamente universalizado, é garantir a qualidade. É necessário que você matricule a criança, faça com que ela permaneça na escola, e aprendendo. Hoje nós temos um índice de repetência e um índice de evasão muito fortes. Mesmo com a matrícula no ensino fundamental praticamente universalizada. Então nós temos 55% das crianças na quarta série que têm dificuldade de leitura.

A forma de aumentar o acesso ao nível médio seria aumentando a qualidade do ensino fundamental?

É, mas também criando as condições para o nível médio. O nível médio, durante esses anos, ficou desprotegido. Os alunos não tinham livro didático no ensino médio. O governo federal está agora garantindo o livro didático no ensino médio na primeira série, Norte e Nordeste, e no próximo ano vamos garantir para todo o Brasil. E a meta é em 2007 universalizar o livro didático para o ensino médio. Isso é uma importante medida na questão da qualidade em relação ao ensino médio, por exemplo. Então, o ensino médio, ele deve melhorar, mas deve melhorar também o ensino fundamental. Então, por exemplo: hoje nós temos falta de professores no ensino médio em matemática, física, química e biologia. E essas quatro disciplinas são disciplinas essenciais na formação dos nossos alunos no ensino médio.

Falta por que não consegue...

Falta porque nós temos problema de formação em licenciatura nas universidades e temos problema de salário, então, muitas vezes os concursos acontecem nos Estados e não preenchem as vagas nessas disciplinas em várias regiões, em vários Estados do nosso país. Na formação de professores, nós estamos com três programas de formação inicial, nós estamos com um programa para formar professores que dão aula na educação infantil e não têm nível médio, que é o Pró-Infantil, nós temos um programa para a formação dos professores que não têm nível médio e dão aula de 1ª a 4ª séries, que é o Pró-Formação, nós estamos com o programa Pró-Licenciatura, que é para os professores que dão aula de 5ª a 8ª séries e ensino médio e não têm licenciatura. Então, esses três programas são de formação inicial de professores.

Eles atingem que porcentagem dos professores que não têm essa formação?

Olha, na educação infantil, por exemplo, você tem hoje em torno de 35 mil professores que estão dando na educação infantil e não têm formação no nível médio. Já na licenciatura, nós temos pelo menos 200 mil funções docentes que estão dando aula e não têm licenciatura.

E os programas estão...

Nos programas estamos trabalhando com metas no sentido de daqui a nos próximos quatro anos nós possamos ter, é, zerado, vamos dizer assim, o número de professores sem formação nos sistemas. E, por outro lado, estamos trabalhando também a formação continuada dos professores, a formação permanente, porque não basta formar o professor e ele ficar dez, quinze, vinte anos sem ter formação continuada. Claro que os Estados e municípios fazem isso. Mas o governo federal precisa ajudar nessa formação, por isso que nós criamos uma rede nacional de formação de professores formada por dezenove universidades brasileiras. Então, dezenove universidades brasileiras formam os centros de formação continuada, que vão trabalhar a pesquisa e fazer material para colocar à disposição dos sistemas municipais e estaduais para poder fazer formação continuada dos professores. Então, nós não estamos trabalhando apenas no financiamento, nós estamos trabalhando fortemente na formação dos professores.

Alguns especialistas dizem que o maior problema do financiamento nem é a quantidade de recursos, e sim como eles são distribuídos. Fazer esse tipo de programa é distribuir melhor os recursos? Onde o senhor acredita que os recursos estão mais mal distribuídos, deveriam ser realocados?

O Fundeb redistribui os recursos dentro do Estado. Então, essa é uma característica importante. Não deixa os recursos concentrados só na cidade mais rica. Já redistribui os recursos dentro do Estado. Essa é uma questão importantíssima no Fundeb. E uma outra característica importantíssima é que sai do Estado e vai para diminuir as diferenças regionais. Hoje, as diferenças regionais em nosso país em relação ao financiamento da educação são muito fortes, porque, como são 25% dos impostos que são arrecadados nos Estados, o Estado mais rico tem mais impostos, portanto os 25% representam mais recursos. No Estado mais pobre, a arrecadação é baixa, portanto 25% é pouco. Então, o governo federal está entrando com R$ 4,3 bilhões exatamente para complementar aqueles Estados que têm uma situação de financiamento da educação muito baixo.

Na prática, o Estado de São Paulo não vai receber nada desses R$ 4,3 bilhões?

Olha, eu diria que, em relação ao Fundeb, São Paulo só receberá se esse aporte de recursos da União chegar naquele valor mínimo que for definido para São Paulo. Claro que, antes de chegar a São Paulo, você terá vários Estados: Piauí, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Pará e etc e etc. Então, a complementação da União vai chegar muito mais rápido nesses Estados mais pobres do que em São Paulo.

A folha grande de inativos do magistério de todo o Brasil não é uma das coisas que complica a alocação de recursos? Porque 60% do Fundef e do futuro Fundeb destinam-se para o pagamento de funcionários do magistério, mas boa parte disso vai para pagamento de pensões e aposentadorias.

Isso é um problema que tem que ser resolvido, não vai ser resolvido com o Fundeb, mas o pagamento de professores aposentados dentro da manutenção e desenvolvimento do ensino é um problema que tem que ser resolvido, mas não pode ser resolvido com o Fundeb porque o impacto seria muito forte nos Estados. Por exemplo, se um Estado tirar os aposentados da folha, dos 25%, esse impacto vai ser muito forte, porque teria que ter alguns milhões de reais para bancar os aposentados fora dos 25%. Por isso que o Fundeb não resolve a questão. Mas a situação dos aposentados tem que ser resolvida, porque está aumentando o número de aposentados. Tem Estado que já tem quase 50% aposentado. Essa é uma situação que, a médio prazo, tem que ser resolvida. Mas o Fundeb não trabalha para resolver essa questão.
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