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Educação
24/06/2005

Íntegra de entrevista: Jane Wreford

Folha - Quais são os principais problemas do ensino público no Brasil?

Jane Wreford - O Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda opera um sistema de turnos nas suas escolas. As crianças deveriam ficar na escola em tempo integral, dando aos professores o tempo necessário para avaliar o progresso dos alunos individualmente e adaptar sua abordagem de acordo com as necessidades específicas de cada criança.

Algumas das escolas que visitei sequer tinham bibliotecas, ou as mantinham trancadas a maior parte do tempo.

A alta taxa de ausência dos professores é outro problema muito debilitador para o sistema educacional como um todo.

Folha - Há soluções de curto prazo para esses problemas?

Wreford - O problema dos turnos demanda grandes investimentos de longo prazo (provavelmente uns 10 anos). A questão dos professores poderia ser resolvida mais rápido, mas requer negociação com os sindicatos. Para a minha cabeça britânica, há pouco incentivo para o professor se empenhar. Não há vinculação de salário com mérito, há pouco monitoramente da performance com base nos resultados dos alunos e praticamente não há sanções para os professores que faltam. Todos estes fatores combinados incentivam o professor brasileiro a comparecer o mínimo possível e a não se preocupar muito com resultados, mas simplesmente sentar e esperar sua aposentadoria chegar. Mas a culpa não é exclusiva dos professores. As condições de trabalho não são favoráveis.

Na Inglaterra, professores dão aula entre 5 e 6 horas por dia. O resto do tempo é gasto com preparação, correção de trabalhos dos alunos e reuniões para discutir a escola e o desenvolvimento dos alunos. Em São Paulo eu vi muitos professores trabalhando quase que sem parar entre 7 da manhã e 10 da noite ou até mais tarde, em duas ou mais escolas, para ganhar o suficiente para manter uma vida de classe média. Mesmo assim existem vários professores dedicados e comprometidos, o que é um crédito a eles.

Folha - A senhora defende a municipalização do ensino básico em seu relatório. Por quê?

Wreford - Notei durante minha visita que as escolas transferidas para a responsabilidade dos municípios tendiam a ser melhor equipadas e a progredir mais rápido. Os municípios de Itapevi e São Caetano tinham programas excepcionais de treinamento de professores, monitoramento da performance dos alunos e construção de fortes laços com a família e a comunidade. Reformaram ainda escolas para que fossem valorizadas pelos alunos e pela comunidade e não fossem vandalizadas e pichadas. A enorme máquina estatal não poderia desenvolver facilmente projetos individualizados desse tipo. Fiquei desapontada com a oposição do PT à municipalização na capital de São Paulo.

Folha - O que o Brasil poderia apreender com o Reino Unido?

Wreford - Na Inglaterra, professores sempre foram sujeitos a inspeção de seu desempenho dentro da sala de aula. Isso não parece acontecer em São Paulo, onde a sala de aula, quando lá estive, era praticamente um jardim secreto. Nossas escolas tem orçamento próprio para contratar pessoal, suprimentos, serviços e zelar pela manutenção da estrutura. Professores e diretores são contratados diretamente pelos administradores das escolas, por meio de anúncio em jornal.

Folha - A senhora viu algo de positivo nas escolas que visitou?

Wreford - Eu me impressionei com a vibração das comunidades da periferia de São Paulo e com o vasto potencial das crianças, apesar dos problemas óbvios de privação e violência. Uma área que me impressionou bem foi a excelência da merenda escolar, preparada na hora com ingredientes frescos, e o efeito claro disso na saúde da maioria das crianças, muito boa em geral a despeito de suas condições de privação. Neste ano, na Inglaterra, houve uma grande revolta em relação à má qualidade de nossa merenda escolar, na maior parte industrializada e feita com ingredientes de baixa qualidade. Temos muito a fazer para que nossa merenda seja tão boa quanto a de vocês.

Folha - Há uma tendência mundial na educação pública que o Brasil deva seguir?

Wreford - A tendência que percebo é o reconhecimento de que toda criança tem direito à educação e que governos tem o dever de buscar garanti-la. Em grande parte do mundo isso é hoje uma realidade. A motivação nem sempre é altruísta. Os países reconhecem que o sucesso de suas economias depende de uma força de trabalho educada. Se o Brasil aspira uma posição de liderança deveria se preocupar com o nível educacional da população.
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