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Educação
24/06/2005

Íntegra de entrevista: Paulo Renato Souza

Em 96, há uma afirmação do senhor de que os principais problemas do ensino no Brasil seriam a repetência e a evasão escolar. Em 2003, em um artigo o senhor escreveu que “se eu tivesse que levantar o principal problema, eu levantaria a repetência”. Eu queria saber se essa opinião persiste?

Paulo Renato Souza - Eu acho que sim, eu acho que continua sendo o principal problema da educação básica. Nós já incluímos todas as crianças na escola, mas ainda há muita coisa para a fazer, obviamente. Se a gente focasse hoje, a prioridade deveria ser universalizar o acesso à pré-escola, universalizar o Ensino Médio e melhorar a qualidade, a qualidade do conjunto. Onde se manifesta mais claramente o problema da qualidade, o resultado do problema da qualidade é na repetência. A repetência melhorou ao longo dos últimos anos, já tivemos repetência média em torno de 30%, estamos com 20%, mas ainda é muito alta. Uma de cada cinco crianças repetir é muito grave. Você veja que nós temos no Brasil cerca de 37 milhões de jovens de sete a 17 anos e temos 43 milhões de alunos entre a educação fundamental e média. Por que? Por causa da repetência. Nós estamos fazendo um esforço de educar seis milhões a mais de crianças e jovens do que seria necessário para termos cem por cento das crianças e jovens na educação fundamental e média. Isso dá uma idéia, uma dimensão de um aspecto da repetência que é o desperdício de recurso, é um brutal desperdício de recurso. Com seis milhões de crianças e jovens a menos no sistema educacional, nós teríamos equipamentos sobrando, poderíamos estar com maior número de horas das crianças e jovens na escola em média, nós teríamos menos professores e melhor remunerados ou turmas menores. Então, há um desperdício muito grande vinculado ao tema da repetência no Brasil. Agora, do ponto de vista do aluno, a repetência é o pior que pode acontecer. Primeiro, porque é uma questão de você passar um atestado de fracasso para aquele aluno. E nós temos os dados do Saeb que mostram que quanto mais repete menos aprende o aluno. Quanto mais velho o aluno naquela série pior é o desempenho dele no Saeb.

É um aluno que desistiu de aprender?

Paulo Renato - Ele cansa da reprovação, se desestimula porque cada vez está convivendo com crianças mais jovens. Ele não se entrosa com a turma. Ele se sente deslocado, ele se sente um cara grande no meio de crianças. Ele não acompanha as brincadeiras, tem outras preocupações. E, com isso, ele não aprende. Às vezes, eu pago um preço alto por isso, mas eu tenho a tendência a exagerar os argumentos, então eu vou exagerar um argumento. Vamos tomar o caso de um menino que o presidente Lula falou, que estava na quarta série e não sabia ler nem escrever. Quando eu era ministro, um jornalista de uma revista veio me entrevistar sobre esse ponto. Ele tinha feito um levantamento numa escola pública aqui de São Paulo, e as professoras passaram para ele o resultado de um ditado de algumas crianças da quarta série. Era um desastre, não se entendia nem uma palavra. Era um ditado de um parágrafo e tinha criança que havia escrito meia palavra, um conjunto de letras que não se sabia o que era. Outras tentaram escrever um pouco mais, mas era um desastre. O jornalista me disse “veja, professor, o que o senhor acha disso?”. Eu disse que era um desastre. Daí, perguntei para ele qual era essa escola. Ele respondeu que não podia dizer, que o acordo dele com a escola não revelá-la. Eu pergunto o seguinte: uma criança que está na quarta série que não aprendeu a ler e escrever, de quem é a culpa? É dela? Certamente não. A menos culpada é a criança. Eu quando estava coordenando a campanha do presidente Fernando Henrique, ainda nem pensava em ser ministro da Educação, fui conversar com o professor Sérgio Costa Ribeiro, que era um físico que tinha se dedicado a analisar os dados da educação brasileira. O Sérgio foi a primeira pessoa no Brasil que levantou o problema da repetência. Até então, nós não tínhamos estatísticas de repetência. Até a metade dos anos 80, se você olhasse as taxas de repetência no Brasil, de reprovação no exame eram muito baixas. Porque, em geral, a professora, no final do ano, via os que estavam mais fracos, chamava os pais e dizia: “olha, ele está fraquinho, não deixa ele fazer o exame. Traz ele ano que vem de novo que vai dar certo”. Então, não tinha fracasso, mas tinha repetência. O Sérgio descobriu esse fenômeno e me disse que tinham contado para ele a história de um menino negro que estava repetindo a primeira série pela sétima vez, em Belo Horizonte. Eu peguei um avião e fui lá conhecer o menino. Eu queria conhecer esse herói. Quem é o menino que consegue sete vezes? Esse cara é um herói por agüentar repetir sete vezes. A minha pergunta é a seguinte, exagerando o argumento: o que é melhor para uma criança ou menos pior, ser promovido sem saber e acompanhar a sua turma ou ficar repetindo a primeira série quatro vezes? Eu acho que ele acompanhando a sua turma alguma coisa a mais ele aprendeu. Ele conviveu com seus colegas, se a escola foi fazer uma visita numa instituição, ele foi junto, ele escutou a professora falar de outros temas que não aquela repetição da primeira série. Eu acho que tudo é ruim, eu não vou defender que a pessoa passe de ano sem saber, mas, se eu tomar os dois modelos, um aluno que repetiu quatro vezes a primeira série ou um aluno que está na quarta série sem saber ler nem escrever, eu acho que é melhor, que é menos ruim o aluno que está na quarta série sem saber ler e escrever porque na primeira série ele estaria repetindo quatro vezes sem saber ler escrever também. A repetência não garante a aprendizagem, esse é o problema. Dito isso, quais são as políticas para evitar a repetência? Primeiro lugar, eu acho que a principal política obviamente é melhorar a qualidade da educação, e aí tem um conjunto de políticas: qualidade dos professores, treinamento. Há um problema muito importante nas primeiras séries que é a alfabetização. A alfabetização não é um assunto trivial em nenhum lugar do mundo. Já houve experiências de um lado, de outro, tem a coisa da aprendizagem “Ivo viu a uva”, aquela coisa silábica, e tem as teorias mais recentes, mas o que me dizem é que, lá fora, o pessoal está voltando, e eu pude comprovar. A minha neta de seis anos e meio meio, que mora nos Estados Unidos, me deu um livro, é fantástico. Ela lê com entonação, ela faz interpretação. Eu perguntei para minha filha como é que ela aprendeu e era um método basicamente silábico. O problema da alfabetização não é trivial, é um problema em todas as partes. Ali tem uma raiz, porque se a pessoa não aprende aos sete, oitos anos de idade, não se alfabetiza direito, de fato, ele passa a ter dificuldades o resto da sua vida escolar. Ele vai ter dificuldades para frente em todas as disciplinas. Alfabetização é um tema crucial. Infelizmente, as nossas escolas de educação não ensinam os professores a alfabetizar. Se discute muito a teoria da educação, as várias correntes, mas não se ensina a prática da alfabetização. Quando nós quisemos mudar isso colocando na lei a figura da escola normal superior, que era uma idéia do Darcy Ribeiro, a resistência das faculdades de educação foi brutal e é brutal até hoje. A pedagogia é uma coisa muito mais teórica, muito mais genérica, e eu sinto isso desde o tempo em que eu era secretário de educação de São Paulo. O primeiro ponto, a primeira política que eu acho que tem que cuidar é da questão da alfabetização. Nós fizemos isso, nós criamos o Profa, o programa de formação de alfabetizadores. Nós fizemos um conjunto de vídeos, de materiais de apoio.

Seria uma capacitação?

Paulo Renato - Mais do que uma capacitação. É uma capacitação, mas também é um conteúdo que nós oferecemos para as faculdades de educação. O Profa, inclusive é uma coisa interessante, de todos os programas todos nossos parece que é o único dos programas de educação fundamental que está sendo mantido no atual governo. Esse é um tema importante, a alfabetização, e ter políticas para melhorar os professores. O que nós fizemos naquela ocasião foi tomar aqui em São Paulo, na Grande São Paulo e em cidades aqui perto umas 15 experiências de gente que obviamente sabia alfabetizar, que seus alunos ao final do primeiro ou segundo ano estavam todos alfabetizados. Nós pegamos essas professoras de escola pública, fomos lá, filmamos o que elas faziam na sala e sintetizamos tudo em um programa de treinamento. Uma política seria cuidar da alfabetização com muita atenção; outra política seria desenvolver estratégias para reduzir a defasagem idade-série. Uma coisa que nós começamos e que eu acho que agora foi abandonada é os programas especiais de aceleração escolar. Tomar os alunos que estão mais de dois anos defasados de sua série e tratar esses alunos como especiais dentro da escola, em salas especiais, com uma turma especial, com professores treinados, com material especial e fazer eles darem o salto, voltarem a acertar o passo com a sua turma. Isso é uma coisa que teve um grande sucesso, e melhorar isso. No fundo, é uma política de combate à repetência. A terceira política tem que ser a escola se preparar para não repetir, ou seja, a escola tem que ter como meta não repetir. Não significa não avaliar, não significa aceitar que o aluno não aprenda.

Como é que se faz isso?

Paulo Renato - Olhar a experiência lá fora de como é que se faz. Experiência lá fora é a seguinte: o aluno começa a mostrar dificuldade na aprendizagem, ele imediatamente passa a ter um apoio extra. Ele passa a ter um acompanhamento extra de um professor, a escola se preocupa com que ele aprenda. No sistema de repetência que nós temos no Brasil, nós transferimos a responsabilidade da aprendizagem para o aluno. O professor passa a matéria, o aluno está lá, aprende ou não aprende, repete ou não repete. Nos Estados Unidos, na Inglaterra, em qualquer lugar, não existe repetência, você fala repetência e eles não entendem do que se trata. A escola se responsabiliza em fazer com que o aluno aprenda. Com classe de reforço, com horas extras, com professor, e a escola tem que se preparar para isso.. E eu acho que as escolas brasileiras que adotaram o sistema de ciclos não se prepararam, não houve programas especiais que capacitassem as escolas para essa nova abordagem.

Na teoria, o senhor seria a favor da promoção automática?

Paulo Renato - Não é que eu seja a favor, eu sou a favor de que a criança não repita. Isso é uma coisa difícil de entender. Uma vez eu peguei uma taxista, e ele me disse: “ministro, a minha não está aprendendo, ministro. O senhor tem que dar um jeito nisso, a coisa da promoção automática não dá certo. Eu vejo que a menininha não está aprendendo”. Agora vai explicar para o taxista que as escolas não tomaram as medidas complementares. Uma coisa interessante é que nós temos poucas experiências de ciclo no Brasil. Nós tivemos uma em Porto Alegre no começo do governo do PT, tivemos o ciclo básico aqui em São Paulo no governo Montoro, quando eu fui secretário, tivemos no primeiro governo do PT com Paulo Freire e Erundina, depois tivemos a experiência maior no governo de São Paulo, com a Rose, no governo Mário Covas, e também algumas escolas, não todas, em Minas Gerais. E nós não tínhamos avaliação naquele tempo, agora nós temos. O que se extrai da avaliação, especialmente em Minas, onde foi feita uma avaliação universal com todas as escolas, é que, se algum benefício havia, era positivo. Ou seja, na média, os alunos dos ciclos da mesma série estavam melhores do que os alunos das escolas que não tinham ciclo. Agora, isso precisaria ser mais estudado, mais aprofundado. Você não pode atribuir tudo ao ciclo, você pode assumir que a escola que adota o ciclo é uma escola mais consciente com os problemas de aprendizagem, uma escola mais progressista do que uma escola sem ciclo, mas o fato é que não havia essa coisa de o aluno passa e não aprende, não se notou na avaliação. Eu sou defensor dos ciclos, mas tem que haver preparação adequada da escola para isso.

Quais são os outros problemas além de evasão e repetência?

Paulo Renato - Em geral, há problemas de qualidade. A evasão e a repetência é a manifestação mais evidente da qualidade, é a conseqüência. Os problemas da qualidade estão, em primeiro lugar, na formação do professor. Eu acho que o professor, as escolas de educação têm muitas deficiências, então precisam melhorar. Segundo lugar, tem que haver programas de treinamento e capacitação dos professores permanente. Qualquer profissão existe isso, quanto mais na profissão de educador. Você precisa se atualizar. Terceiro, eu acho que a carreira do professor, em geral, não estimula o desempenho dos professores. Ela valoriza o tempo de serviço, ela não valoriza o desempenho do professor. Ela valoriza o currículo, os cursos acumulados que ele tem, mas não valoriza o desempenho. Por exemplo, ela não premia o professor que está nas escolas mais difíceis, na escola da periferia, onde as condições são mais complicadas. Em geral para lá vão os professores em início de carreira. Quem tem pontuação na carreira para ir para uma escola melhor vai para uma escola melhor. Não há um extra, digamos assim, para o sujeito ir trabalhar numa escola de periferia, por exemplo. A carreira não permite isso. E isso é muito difícil porque a corporação dos professores resiste muito a isso no Brasil e em todo lugar. Eu fui secretário de educação, aprovei o estatuto do magistério aqui em São Paulo, que acho que foi um avanço, mas que ficou muito aquém do que poderia ter sido para melhorar o desempenho da escola. Você poderia, por exemplo, ter um sistema de carreira em que houvesse uma avaliação do professor em função da aprovação dos alunos, dos resultados dos alunos. Esses professores deveriam ter um bônus, um prêmio. Não se pode dar isso porque o bônus se incorporaria no salário. A legislação da carreira do professor é uma legislação que não estimula o desempenho do professor. Na área do professor, eu vejo esses três problemas: o problema da qualidade da formação, falta de treinamento e a própria carreira que não estimula. Um outro problema central também, da mesma dimensão dos outros, é a questão da gestão escolar. Eu acho que o diretor da escola é a pessoa chave na escola. O diretor da escola, primeiro, tem que ser um gerente, ele tem que saber usar os recursos que ele tem para ter um melhor aproveitamento. Segundo, ele tem que ser um líder na sua comunidade escolar e no seu bairro. Quando nós temos um bom diretor, nós temos uma boa escola pública. Esse é um ponto importante. Uma vez uma menina de 13 anos, uma menina negra da Bahia, no programa Roda Viva em que eu fui entrevistado por crianças, começou o programa, foi o programa mais difícil que eu já fiz, e ela me perguntou: “ministro, me diga por que há escolas públicas boas e escolas públicas ruins?”.

Então, ministro, por que há escolas públicas boas e escolas públicas ruins?

Paulo Renato - Eu acho que a questão é a participação da comunidade na escola e a gestão da escola, é isso que faz a diferença, porque os professores são os mesmos. Eu estou falando da formação do professor, mas nós temos boas escolas públicas com esses professores que estão aí, nós temos boas escolas públicas com esses salários que estão aí, com essa carreira que está aí. Nós temos boas escolas com as mesmas condições, com os mesmos livros, com tudo. O poder público dá as mesmas condições para todos, por que algumas são boas? Vocês certamente viram já matéria no Jornal Nacional em janeiro sobre a fila na frente das escolas públicas. Toda vez vinham me entrevistar, “ministro, o que o senhor acha?”. A primeira leitura era que estava faltando vaga na escola. Não, estava faltando vaga na boa escola, porque ao lado, você vai ver, tem uma escola vazia, escola pública vazia. Se você for onde tem uma escola pública boa, no mesmo bairro tem uma escola pública ruim. Essa diferença eu acho está na gestão da escola, que envolve a participação da comunidade, a participação dos pais na escola, a capacidade de liderança do diretor da escola. E o diretor tem que ser treinado para isso.

E onde é que entra o setor público? A secretaria, o ministério..

Paulo Renato - Eu acho que a responsabilidade do setor público é implementar as políticas. Por exemplo, eu acho que cada secretaria deveria ter um programa de treinamento de diretor anual.

E por que não tem?

Paulo Renato - Eu acho que algumas têm.

Mas o senhor foi ministro durante oito anos.

Paulo Renato - Mas nós criamos programas, nós criamos uma cartilha para diretor de escola que até hoje está sendo utilizada em programas de treinamento de diretor. Nós criamos programas de treinamento de diretores, de secretários etc. através do Projeto Nordeste, que foram programas muito exitosos. Esses programas estão praticamente parados hoje. Na educação tem outro problema que está na raiz de todos os problemas: é a continuidade das políticas. Você tem que ter continuidade nas políticas, as políticas de educação não podem ser políticas partidárias, tem que ser políticas de estado. Elas têm que estar baseadas cientificamente em bons diagnósticos e serem implementadas como tal. escola pública. Você veja, no Brasil, com exceção do Capanema, segundo, venho eu, terceiro, o Jarbas Passarinho, quarto, o Nei Braga. Nós quatro, que tivemos todos mais de quatro anos de gestão, a média de ministros é de menos de um por ano. E as políticas não têm continuidade, mesmo no atual governo. Você pega a política do Cristóvão e do Tarso e não tem nada que ver uma com a outra.

O senhor considera que elas são diferentes?

Paulo Renato - Totalmente.

Quais são as diferenças? Porque o Tarso disse que não há diferença, o prefeito de São Carlos, Newton Lima Neto, disse que não há diferença.

Paulo Renato - Eu acho que eles são os dois únicos que dizem isso. O Cristóvão diz que há total diferença.

Quais são as diferenças?

Paulo Renato - Eu acho que a diferença principal é o foco. Um estava focando na alfabetização de adultos; o outro está focando no ensino superior. Se perdeu a preocupação com a educação básica. Nós estamos com dois anos e meio de governo e não se sabe ainda o que é o Fundeb, que foi a grande bandeira do PT. Nós definimos o Fundef a partir do zero e em quatro, cinco meses ele estava no Congresso. Nós começamos a discussão do Fundef em março, em setembro eu fiz a reunião com os governadores e em seguida foi para o Congresso. Eu acho que não há atenção para a educação básica hoje, muitos desses programas, o de treinamento dos professores (Proformação), o Parâmetro em Ação foram abandonados. O programa de informatização das escolas foi abandonado. Não se levou adiante o Fust, que nós deixamos pronto. Tivemos ali problemas, questionamentos do Tribunal de Contas, em função se era Microsoft, se não era Microsoft, se era Windows, se não era Windows. Isso estava resolvido quando nós deixamos o governo. Não se fez nada em dois anos e meio. Eu acho que as políticas efetivas em relação à educação básica foram abandonadas. Nós tínhamos programas de treinamento de diretores, o Prasen, treinamento de secretário de educação... Essas medidas têm que ter continuidade, têm que ser uma coisa permanente para que possam produzir resultado ao longo dos anos. A educação não é uma coisa que você toma uma medida hoje e no momento seguinte aparece o resultado. Você tem que considerar que nós temos um milhão, quase dois milhões de professores na educação básica. Esses professores estão formados, você tem que mover esses professores, fazê-los mudar, porque da maneira como eles estavam atuando até hoje os resultados são ruins. E até que você consiga mudar a atuação de dois milhões de professores toma muito tempo. O que eu acho ruim na educação é a falta de continuidade.

Como o senhor vê a divisão de responsabilidade entre estados e municípios?

Paulo Renato - Eu acho que na educação básica havia uma grande confusão até o Fundef. Uma confusão que começou no tempo do Império, quando se deixou um pouco vaga a questão da responsabilidade de estados e municípios em relação ao ensino fundamental. Há um artigo do Jamil Cury, presidente da Capes nos primeiros meses do governo Lula, em que ele diz que o Fundef resolveu um problema que tem mais de um século, 150 anos que é essa indefinição de responsabilidade de estados e municípios em relação à educação básica. Agora isso está resolvido. Resolvido isso, que o Fundef resolveu, isto é, a responsabilidade está associada aos recursos. A responsabilidade pode ser compartida entre estados e municípios, mas se em um Estado o Estado é o responsável, ele tem a maioria dos recursos, e em outro Estado os municípios são os responsáveis, os municípios levam os recursos para poder fazer com melhor qualidade, coisa que não acontecia antes. O resto é perfeito, o município é responsável pela educação infantil.

O problema que você tem hoje no ensino básico ainda é o financiamento do ensino médio e o financiamento da escola infantil, o que aparentemente o Fundeb trataria de resolver.

O Fundef tinha uma proposta de cobrir com o orçamento da federação os estados que não dessem conta de atingir o valor mínimo. Isso no final do governo Fernando Henrique não conseguiu ser atingido, não é isso?

Paulo Renato - Não, sempre se atingiu.

Mas eram poucos estados.

Paulo Renato - Sempre foi isso. Desde o começo quando nós definimos, inclusive no exercício de simulação que nós fizemos para ir para o Congresso, eram oito estados, os oito estados mais pobres. E isso continuou, os mesmos estados continuaram a ser beneficiados. A discussão que havia era outra. É que alguns interpretavam que o valor mínimo do Fundef deveria ser muito superior ao que era, com o que você incluiria muito mais estados. Mas não era o espírito nem a letra, apesar de a redação, eu reconheço, ter ficado um pouco dúbia. A interpretação que nós fizemos é uma interpretação que tomava o valor mínimo inicial e passava a corrigi-lo de acordo com a evolução da receita dos estados e municípios e número de alunos, para manter sempre aquele oito estados sendo beneficiados. Nós entendemos que o valor mínimo era muito inferior a esse porque era dado pelo valor mínimo do menor Estado. A discussão era essa. O governo não deixou de atender a lei, o governo atendeu de acordo com uma interpretação que beneficiava os oito estados mais pobres, que tinham menos recursos.

Queria perguntar novamente, já que lhe interrompi, onde entra o ministério e as secretarias?

Paulo Renato - Na educação básica, o ministério tem que exercer uma função de coordenação, o ministério não pode entrar na execução das políticas. O ministério tem que desenvolver as linhas gerais da política, tem que cuidar da eqüidade do sistema. Por exemplo, o Fundef é um caso, ele cuidou da eqüidade. Aquele dinheiro direto na escola é outro caso. O ministério cuida da eqüidade, a gente dá condições para que as escolas possam investir. Enfim, o governo criou um programa de ajuda aos estados para Ensino Médio, foi para 14 estados mais pobres. O Governo Federal tem que cuidar das linhas gerais. O governo federal tem que fazer os parâmetros curriculares nacionais, tem que dar as diretrizes do ensino fundamental. O governo federal tem essa política de eqüidade também na questão da merenda, o governo dá uma parte do dinheiro da merenda. O governo federal é orientação geral, é a eqüidade e a orientação geral no aspecto pedagógico e financeiro. Os estados deveriam se preocupar com a educação média e com a regulação do ensino fundamental. Eu acho que o ensino fundamental e a educação infantil deveriam ficar na mão no município, mas não acho que isso seja um grande problema. Eu acho que haver essa distribuição compartilhada entre estados e municípios não é um pecado grave, pode-se fazer desse jeito desde que os recursos sejam distribuídos adequadamente. Agora, os estados e municípios têm que se preocupar, muito mais do que o governo federal, com a gestão dos sistemas, com a eficiência no uso dos recursos e com os resultados a serem obtidos. Eu defendo, por exemplo, que o governo federal não deveria fazer avaliação universal no ensino fundamental. O governo deveria continuar com a amostragem porque a amostragem é que vai permitir definir políticas. Nós fizemos isso. Por exemplo, a política de formação de professores, de exigir que todos tivessem nível superior foi baseada nos resultados do Saeb. A política de estimular a participação dos pais na escola esteve baseada no Saeb. A política do “Biblioteca na minha casa”, 60 milhões de livros entregues para os alunos, foi baseada nos dados do Saeb, que destacava a importância da leitura no processo de aprendizagem. Eu acho que o governo federal tem que ficar nesse nível. Agora, os estados e municípios têm a obrigação de fazer avaliação universal nas suas escolas, até para poder ligar o resultado da avaliação com políticas específicas para aquelas escolas. Isso é importante, que o estado na gestão dos sistemas tenha uma política de eficiência na gestão pública e que passe isso para seus diretores de escola. Passe essa visão, treine seus diretores anualmente, capacite, faça seminários e exija resultados em matéria de aprendizagem de alunos. Em geral, as técnicas de administração escolar estão muito mais nos processos e não nos resultados. Então se aprende a preencher uma prestação de contas, você aprende a quem se se reportar isso, você aprende os processos. Mas você não está vinculado a um resultado. Você vai ser cobrado pelo desempenho dos seus alunos nos testes de avaliação. A política dos governos estaduais e municipais têm que ser uma atitude muito mais gerencial, de cobrança, de gestão pública do que tem que sido feita até hoje em grande parte do Brasil.

Muita gente cita a escola integral como solução. Ela é viável?

Paulo Renato - Essa é a pergunta. Eu sou a favor desde que haja recursos para fazer isso com qualidade. Eu acho que no Brasil nós tivemos algumas experiências e, curiosamente, eu tive que enfrentar todas elas. A experiência dos Cieps surgiu na época em que eu era secretário de educação de São Paulo. O Brizola me cobrava por que eu não adotava os Cieps. Depois, quando eu assumi o Ministério da Educação, tinha os Ciacs e Caics do Collor e do Itamar. Havia 140 Caics entregues e 400 comprometidos, com contrato assinado. Alguns desses não tinham começado, outros estavam no começo. Eu decidi interromper o programa, mas decidi também que não iria deixar obra pela metade. Sendo quem acabou com os Caics, eu fui quem mais construiu escola de período integral no Brasil. Fiz e entreguei para os estados e para os municípios. Eu acho que o problema é esse, é um problema de recursos. Eu acho que uma regra na política educacional que eu aprendi na prática como secretário da educação é que ou você faz para todos ou não faça para ninguém. Ou você adota uma política que pode chegar a todos ou não faz. Você pode começar pequeno na política, mas você tem que ter no horizonte que aquilo possa se estender para a rede. Tem um frase que eu coloquei no meu livro, que me causa muita polêmica, muita discussão quando eu vou nas universidades fazer palestras: eu detesto projeto-piloto porque eles sempre dão certo. Já viu projeto-piloto dar errado? Não tem. Eles sempre dão certo, são pequenininhos, todo mundo cuida. O que eu quero saber é se as condições do projeto-piloto podem ser estendidas. Essa é a pergunta que deve ser feita. Eu acho mais importante, por exemplo, você cuidar da avaliação. Eu acho muito mais importante a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, por exemplo, cuidar de seus alunos do que construir CEUs. Porque isso é uma gota no oceano. Enquanto, se você faz uma política de avaliação, você imediatamente vai descobrir ali sugestões de políticas para o conjunto da rede que vão melhorar o conjunto da rede. Eu acho muito mais importante, que é o que foi feito no governo do Estado, aumentar uma hora de aula para todo mundo que criar escolas de período integral para 20 escolas. Eu acho que essa é a orientação que eu sigo em relação à escola em tempo integral. Agora, que é bom é bom. Nos países mais desenvolvidos, todos são escolas com período integral.

Eu queria saber o que o senhor acha da incorporação de filosofia e de novas disciplinas na grade.

Paulo Renato - Eu acho que nós temos que olhar qual é o objetivo da educação básica nesse mundo novo que nós vivemos. Nós vivemos um mundo em que a educação é permanente. A era do conhecimento que nós vivemos é uma sociedade em que as pessoas precisam aprender permanentemente, durante toda vida. Você deixou de aprender cinco anos e está obsoleto. Você precisa aprender permanentemente. No mundo inteiro, o sistema educacional foi pensado para ensinar as pessoas até os 25 anos de idade. Terminou a universidade e não tem mais nenhuma avaliação. Mesmo quem não terminou a universidade. O sujeito está lá trabalhando numa fábrica não se diz que ele tem que voltar a estudar, pelo menos não até agora. Ele podia viver o resto da vida com aquele conhecimento que ele adquiriu no ensino médio ou na educação primária ou no Senac. Hoje, não pode mais. Para se manter no emprego, ele precisa continuar estudando. Se ele quiser melhorar no emprego, vai ter que estudar mais ainda. Isso é uma coisa que a nova tecnologia nas empresas exige que todo mundo tenha ensino médio, e as pessoas não têm ensino médio, elas precisam voltar a estudar para ter ensino médio. A educação permanente não é só para quem terminou a universidade, é para todos. Os sistemas educacionais não estão pensados para isso até agora. Então você tem que pensar o sistema educacional e conceber o sistema educacional que permita, que facilite essa idéia da educação permanente. Eu faço uma divisão, talvez seja apenas uma questão metodológica, para explicar um pouco. Para estruturar um sistema, você tem que definir qual é função da educação básica nesse novo modelo. A função da educação básica tem que ser ensinar as pessoas a aprender, só isso. Raciocinar, pensar, a ser crítico, a aprender. E é função da educação pós-média oferecer educação permanente em todos os níveis. Seja para o sujeito que terminou a graduação e tem que voltar a estudar um mestrado, doutorado, seja para o operário que está trabalhando e precisa se atualizar. O sistema todo tem que ser pensado nessa direção. A missão da educação básica tem que ser ensinar as pessoas a aprender, a raciocinar. Nesse sentido, eu não me preocupo tanto com o conteúdo que vai ser passado, se isso se chama sociologia ou filosofia. O que eu me preocupo é que a pessoa tem que aprender a pensar. Se o ensino da filosofia ajuda a pessoa a pensar, eu sou a favor. Mas não é por uma razão burocrática de que todo mundo tem que saber um pouco de filosofia ou tem que ter lido um pouco de Platão, Aristóteles. Não é isso, eu acho que é preciso observar qual é missão da educação básica. A missão é preparar a pessoa para a vida, aprender. Eu não meu preocuparia tanto com com o que está sendo passado de conteúdo. Você veja, por exemplo, o Enem. O Enem é um exame de raciocínio. Toda a informação de conteúdo que ele precisa, ele fornece no enunciado das perguntas. Qualquer um de nós, se tiver tempo, é capaz de responder o Enem. Eu demoraria muito mais tempo do que um aluno de ensino médio, mas eu seria capaz responder aquelas provas porque é uma prova que exige, basicamente, a capacidade de raciocinar.

Comparando o Brasil com outros países (Pisa etc), todo mundo fica sempre muito assustado porque o Brasil se sai muito mal. Eu queria que o senhor citasse alguns modelos de outros países que deram certo, por que deram certo e o que eles têm que nós não temos.

Paulo Renato - Eu acho que a coisa mais importante que os outros países têm que nós não temos é que eles começaram muito antes. Os países europeus universalizaram o acesso à educação no século 19, mesma coisa na Argentina, no Uruguai e no Chile. Nós fomos universalizar o acesso ao ensino fundamental em 97. Essa é a grande diferença, e isso se reflete nos resultados do Pisa. Primeiro porque a população é menos educada e, ao ser menos educada, os seus filhos aprendem menos também do que aprenderiam se fossem melhor educados. Segundo, porque o Pisa não analisa a escola, analisa a população. É uma mostra da população com 15 anos de idade. Não é jovem de primeira série do ensino médio, é jovem de 15 anos de idade. No Brasil, você tem com 15 anos de idade gente que está no primeiro médio, na oitava série, quinta série, quarta série até analfabeto. Nos países mais avançados, todo mundo que fez o exame está no primeiro médio. Há uma diferença na composição da população em função das raízes históricas da educação brasileira. A coisa principal eu acho que é isso: nós só despertamos para a educação básica nos anos 90. O país que melhor se sai nesses exames é a Finlândia, mas é uma sociedade que não só começou a preocupação com a educação no século 19 ou antes disso, mas também é uma sociedade pequena, que está em uma condição geográfica especial. Os grandes países que têm grandes sistemas educacionais em geral têm grandes problemas também na educação. Os Estados Unidos têm problema, a Alemanha tem problemas. Os grandes países tem problemas pela própria heterogeneidade da população, grande migração.

Mas estão bem melhores do que o Brasil.

Paulo Renato - Estão bem melhores do que o Brasil, mas estão melhores por isso. Alemanha e Estados Unidos universalizaram o ensino fundamental no século 19. Por mais que haja problemas de qualidade entre eles, eles estão melhores do que o Brasil. Porque, eu insisto, o Pisa não é uma amostragem de alunos de escolas, é uma amostragem da população.

Qual é a perspectiva realista que o senhor vê para que a escola pública brasileira tenha qualidade de verdade?

Paulo Renato - Não é tempo, é política.

Quanto tempo uma política precisa ser implantada para dar resultados? É um projeto de 25, 30 anos, como disse o Sérgio Motta?

Paulo Renato - É menos, porque já passaram dez.

E os últimos dois anos?

Paulo Renato - Esses dois últimos, eu acho que foram bastante desperdiçados. Tomando os indicadores educacionais que nós tínhamos em 1995 e tomando os indicadores de 2002, o avanço do Brasil não teve paralelo na história. Se aquele ritmo tivesse tido continuidade por mais 10 anos, nós estaríamos com o problema resolvido. Como ministro, eu enfrentei muita coisa difícil, mas talvez o momento mais difícil foi quando eu fui no programa do Luciano Huck, na TV Bandeirantes. Ele convidou também uma gangue de jovens da periferia, que estavam encapuzados. Aí, um aluno me perguntou sobre quanto tempo eu achava que dava para ter uma escola pública de qualidade. Eu falei que em mais quatro, cinco anos já dava para ter resultados. Um dos caras da gangue saltou para cima de mim, “eu não tenho tempo de esperar cinco anos, o que o senhor está pensando?”, e partiu para me agredir. A sorte que eu fiquei calmo, não esbocei nenhum gesto de que eu iria reagir e chegaram os seguranças. Essa pergunta me causa um trauma!

O senhor disse que os dois últimos foram problemáticos, quais foram os erros?

Paulo Renato - O principal pecado é a falta de foco na educação básica. O resto nós podemos discutir. O governo tem medidas melhores, piores etc, mas focadas em áreas que também são importantes. O Prouni é um programa importante, tem seus defeitos, mas é importante. Só que é acesso ao ensino superior, estamos trabalhando lá na ponta. Eu acho que nós deveríamos continuar trabalhando na educação básica. A maioria dos programas de educação básica estão abandonados: treinamento de secretários, diretores, de professores. Eu acho que também o Cristovão cometeu um erro gravíssimo ao aprovar um parecer do Conselho Nacional de Educação que dá uma interpretação esdrúxula para a LDB na questão da formação dos professores. Na LDB, nós colocamos que até 2007 todos os professores do ensino básico teriam que ter ensino superior, e o conselho interpretou que até 2007 todos os novos professores teriam que ter. O nosso entendimento era outro, o resultado é que todos abandonaram o curso. Reclamaram que era caro, mas era para isso que havia o dinheiro do Fundef para fazer com os municípios pudessem pagar os professores.

E onde o PT acertou na educação básica?

Paulo Renato - Nós não tivemos nada que se pudesse dizer que acertou ou errou. Simplesmente, não houve nada. Eu acho que errou ao terminar o programa de distribuição de livros, o Leitura em Minha Casa, o PT errou ao não finalizar o Fundeb até agora, acho que errou ao descontinuar os programas de treinamento de professores, de diretores e de secretários de educação. Na educação básica, o acerto foi terem continuado o Enem.

O Fundeb pode ser uma solução?

Paulo Renato - Eu não sei qual é o projeto do Fundeb. Ele poder muito bom ou muito ruim. Eu acho que uma coisa muito mais simples que o governo poderia propor era criar três fundos: prorrogar o Fundef, que está dando certo, criar o fundo do Ensino Médio com os estados (que é responsabilidade dos Estados, não tem nada que misturar município no ensino médio) e criar o fundo da pré-escola com os municípios. É muito mais transparente, mais tranqüilo. Ao fazer um fundo só, você está misturando três níveis de ensino com duas fontes de renda. Eu acho que é um problema difícil de resolver através um fundo só, mas eu não vi ainda o projeto. Nós tivemos apenas o anúncio de que o projeto virá, notícias soltas nos jornais, mas não tivemos ainda a proposta apresentada. Quando ela vier, nós poderemos apoiá-la ou criticá-la.

E o Bolsa-Família?

Paulo Renato - O Bolsa-Família é o novo nome do Bolsa-Escola, com uma mudança positiva, que é o aumento do valor médio do benefício, e duas negativas. A primeira delas é ter diminuído a população-alvo, porque a população-alvo agora é a população que é de até um quarto de salário-mínimo per capita e antes era de meio salário-mínimo per capita. O segundo aspecto negativo é desvincular o Bolsa-Família da efetiva assistência à escola. O governo diz que colocou na lei, mas é impossível vincular o Bolsa- Família à freqüência escolar porque o benefício não está vinculado a cada aluno, mas a família. No Bolsa-Escola, tinha que ter freqüência de 85 por cento dos dias letivos, então aquele aluno receberia os 15 reais da bolsa. No caso do Bolsa-Família, se em uma família de três pessoas, um vai para as aulas e os outros dois não, o que você faz? Você corta a bolsa? É impossível. Agora, o número está expandindo. Nós deixamos o Bolsa-Escola com milhões de famílias, eles estão com seis milhões e poucos. Eu acredito nesses programas, eu acredito que é um programa importante. Além do aspecto educacional, a ajuda às famílias pobres junto com a educação é uma política correta, uma política certa. Eu defendo isso.

O que o senhor acha do Plano Nacional de Educação?

Paulo Renato - É um plano que nós preparamos e que houve muitas contribuições da própria Câmara. É um plano realista para o Brasil, acho que, naquele momento pelo menos, nós tínhamos plena convicção de que nós poderíamos tudo que está aí. É um plano bem realista e de certa forma audacioso. Ele via uma continuidade, uma aceleração nas políticas.

Mas, segundo a avaliação da Comissão de Educação e Cultura, várias metas que já deveriam ter sido atingidas não foram cumpridas. Por que isso aconteceu?

Paulo Renato - Eu precisaria ver que metas não foram cumpridas e por quê. Quando nós aprovamos o plano, nós entendíamos que era um plano que necessitaria muita atenção por parte do governo, mas que era perfeitamente exeqüível. Eu precisaria ver o relatório da Comissão para ver em que áreas não foram cumpridas.

A falta de dados sobre educação é um problema?

Paulo Renato - Eu acho que piorou desde o nosso período. Nós tínhamos um dos melhores sistemas do mundo. Muitas das informações hoje não estão da mesma forma, com o mesmo detalhamento à disposição de todos. Em geral, nós não temos carência de informação. O censo é anual, é um censo de padrão internacional, tem bons dados. Eu acho que as informações não estão sendo divulgadas com a mesma abertura que eram divulgadas no passado.

No Saeb de 2003, mais de 50% dos alunos de quarta série tiveram desempenho crítico ou muito crítico em português e matemática.

Paulo Renato - Os problemas de aprendizagem na escola pública brasileira não foram criados agora, certo? Quando você tem no mundo inteiro um rápido processo de incorporação de população à escola, de novas camadas da população que não estavam na escola, você tem uma queda no desempenho médio da escola

É inevitável?

Paulo Renato - É inevitável porque o principal fator associado ao desempenho do aluno é seu histórico familiar: os filhos de família educada em geral têm, em todo o mundo, melhor desempenho do que os de família não educada. Quando você incorpora um novo contingente de população à escola, você está trazendo para escola crianças e jovens oriundos de famílias não educadas. Aquele aluno que veio para escola está melhor do que estava antes, o aluno que já estava na escola pode até estar melhor, mas a média do sistema cai. É inevitável. Quando eu disse isso por escrito pela primeira vez, disseram que eu era contra os pobres na escola. Eu disse, pelo contrário, eu sou a favor, mas esse é o resultado normal.

Analisando a média do Saeb de 1995 a 2003 para alunos de quarta série, oitava série e terceiro médio você vê que as curvas todas têm um declínio e depois começam a subir de novo. Onde está a queda maior? A queda maior está no período de grande incorporação. A queda não é tão importante porque todos os demais fatores associados ao bom desempenho da escola-- qualificação dos professores, participação dos pais na escola, leitura, condições da escola_melhoram também. Me perguntaram no exterior por que não criei o Bolsa Escola em 1995. Eu contei que em 95 no Brasil, tenho testemunho de duas matérias no jornal nacional. Uma delas retratava a realidade de professores do nordeste, com uma professora que ganhava R$15,00 por mês, e outra era uma escola em Belém do Pará que tinha o chamado “aluno jacaré”: alunos que não ter carteiras e que ficavam deitados no chão e anotavam a lição da professora deitados no chão. Eu tinha que primeiro consertar o sistema antes de estimular mais crianças a ir para escola. O Fundef resolveu isso, distribuiu o dinheiro para que as prefeituras e os Estados pudessem pagar melhor os professores e ter melhores condições.

Não é fácil melhorar o desempenho dos alunos de uma hora para outra, o problema tem muitas razões históricas enraizadas. É preciso haver políticas específicas para a aprendizagem. E as políticas tem que ter continuidade.

Não era boa escola pública dos anos 50 e 60?

Paulo Renato - Não, nunca houve boa escola pública no Brasil. Nós tínhamos Caetano de Campos, Pedro 2º, mas tínhamos 40% de crianças fora da escola, então a escola pública não era boa. Era boa para poucos, então não era uma boa escola pública.

Onde estudaram seus filhos?

Paulo Renato - Meus filhos estudaram em Campinas, em escola particular. Tinha condições, estávamos voltando do Chile e eles tinham sido alfabetizados numa escola francesa. Uma confusão.

Mas hoje o senhor colocaria seus filhos na escola púbica?

Paulo Renato - Depende da escola pública, né? Tem escola boa.
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