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Educação
24/06/2005

Íntegra de entrevista: Simon Schwartzman

Simon Schwartzman, 66, é presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. Presidiu a Fundação Instituto Brasileiro de Geo­grafia e Estatística (IBGE) entre 1994 a 1998. Estudou em escolas particulares.

Quais os maiores problemas das escolas públicas no Brasil, no ensino básico?

É a qualidade das escolas. Problemas que têm a ver com recursos, formação e qualidade de professores, com maneira como o sistema educacional está organizado (a estrutura de secretarias, a burocracia pela qual as escolas são administradas).

Hoje o Brasil, se você comparar internacionalmente, ainda dedica poucos recursos por aluno. Apesar de que o Brasil já gasta uma porção alta do orçamento em educação (algo como 5 a 5,5% do PIB), isso em termos absolutos ainda é pouco. É difícil aumentar, para 6 ou 6,5%, porque os gastos em educação competem com outros gastos.

Há uma preocupação porque esse dinheiro não é bem gasto. Nosso sistema educacional desperdiça muito dinheiro. Se fosse possível só ajustar de maneira adequada a idade-série, poderia-se economizar 20% do dinheiro. Depois, os gastos principais do governo em educação pública básica são municipais e estaduais, mas o governo federal, que também tem uma contribuição a dar, concentra o esforço quase todo no ensino superior.

O volume de dinheiro que se gasta no Brasil na educação superior, por estudante, é dez vezes ou mais do que o que vai para educação básica. Isso é uma deformação, porque a educação superior é mais cara que a básica, mas esse não é o fator predominante.

O Fundef foi um avanço muito grande porque tentou disciplinar a forma com que os estados e municípios gastam o dinheiro e também cria uma obrigação do governo federal de contribuir para compensar os estados que têm menos dinheiro. A ampliação do Fundef para o Fundeb, significaria incluir também a educação pré-escolar e a educação média, seria um avanço se o governo federal colocasse mais dinheiro (o que não está muito claro se vai fazer), e se garantisse que o dinheiro da educação básica não será transferido para outros níveis.

Um problema sério no Brasil hoje é uma expansão muito grande da educação pré-escolar, e ela tem o risco de começar absorver o dinheiro de outros níveis. Se você conseguir manter separado os recursos da educação fundamental, pré-escolar e média, e além disso, aumentar os recursos do governo federal, então o Fundeb seria uma boa coisa.

E casos de desvio de dinheiro?

São problemas normais. Em qualquer programa público, você vai ter desvios, corrupção. Isso se controla com uma boa administração, é um problema secundário. Quando se começou com o Fundef, começaram a aparecer informações se os municípios e estados estão ou não colocando dinheiro na educação, antes disso ninguém sabia nada porque havia uma obrigação constitucional, mas não havia mecanismo de acompanhamento.

E o pouco de recursos que temos é bem utilizado?

Não. Primeiro, temos problemas de distribuição. Depois, temos uma situação em que as escolas do sistema público são normalmente gerenciadas como parte de uma grande burocracia estadual. E aí você tem problemas de enormes quadros de funcionários, de professores que não estão na sala de aula. Não há uma preocupação de eficiência no uso desses recursos.

Formação de professores

O problema dos anos fundamentais é fazer com que a criança aprenda a ler, escrever e contar. As avaliações que se fazem mostram que grande parte termina a escola sem isso. Houve esforço muito grande em fazer aquele sistema de promoção automática, de eliminar a repetência. Mas isso não resolveu o problema da qualidade da educação. A repetência evidentemente é um problema que tem que ser eliminado. Por que as crianças não aprendem na escola? A gente sabe que o sucesso da criança na escola depende em grande parte das condições socio-econômicas e culturais da família. Você coloca uma criança de classe média na escola, ela vai aprender mesmo que a escola não seja grande coisa. Porque a família vai estar ali incentivando, ela aprende até sozinha em casa. Mas se você coloca uma criança de pais sem recursos, que não tiveram educação, ela precisa de uma atenção especial, de uma metodologia e de materiais pedagógicos adequados. As nossas faculdades de educação não formam professores capacitados para educar esses alunos com menos condições de aprendizagem. O processo educacional nesse nível básico tem metodologias muito bem definidas, é como que uma linha de montagem, não tem muito erro --desde que o professor tenha formação técnica adequada. Os nossos cursos de pedagogia não dão isso e há uma ideologia que prevalece nos meios educacionais contra um método mais estruturado. Há ideologias da criatividade, da liberdade do professor que acabam redundando em que crianças que vêm pra escola sem condições adequadas acabam não aprendendo.

Outra coisa é que não se vê a direção da escola preocupada com o desempenho dos alunos. A escola recebe uma série de obrigações, mas não há um envolvimento da escola com resultados. Frequentemente, o próprio diretor não tem poder de decidir se um professor está bom ou ruim e trocar de professor. Ele nem sabe o que está acontecendo em sala de aula. A escola funciona de forma burocrática, os professores não tem um estímulo voltado para o desempenho. Outros países tem experimentado outros sistemas de organização. O Chile talvez tenha sido o país que mais avançou na América Latina, há associação de benefícios salariais a resultados pedagógicos.

Então as deficiências começam na pré-escola?

Um ou dois anos antes da escola ajuda muito. O problema é que as vezes as crianças acabam sendo depositadas em creches. Se professores da educação básica não têm formação adequada, os da pré-escola têm formação muito pior. E o trabalho pedagógico com crianças de 5 ou 6 anos é muito mais difícil, exige uma formação mais especializada. O que se vê são professores que acabam ficando como babás --o que pode ser útil ao permitir que a mãe trabalhe, mas do ponto de vista pedagógico não tem efeito.

Sou cético quanto a idéia de que é importante estimular a pré-escola a crescer porque tenho dúvida se elas estão sendo acompanhadas de um programa pedagógico adequado.

Muita gente costuma dizer “no meu tempo é que a escola pública era boa”. O ensino no Brasil se deteriorou?

Não é comparável porque no passado havia um número muito pequeno de pessoas que iam para essas escolas. Tinha um grupo pequeno de escolas muito boas, onde só entravam alunos de classe-média, média-alta, que tinham acesso a ter cultura. Hoje, temos quase 100% de crianças de 7 a 14 anos de idade na escola.

O recrutamento do professor sofreu muito pelo fato de que hoje em dia existem outras profissões que atraem muito mais. Não adianta dizer “naquele tempo era bom”, aquele tempo não tem volta.

Modelos como os CEUs e o Cieps são soluções?

Nunca olhei muito de perto. No RJ, aparentemente é um fracasso, não se fala disso há muito tempo. Um dos problemas é que a escala é muito grande: bota muita gente junto e fica mais difícil administrar. Depois, o tempo de permanência dos alunos nessas instituições não é preenchido totalmente com trabalhos pedagógicos adequados. E essas escolas todas são muito caras, não dá pra generalizar a partir delas. Você pode fazer meia dúzia de CEUs e de Cieps, mas você vai atender a população inteira desse jeito?

A escola de hoje está adaptada ao aluno atual?

Se você está falando do ensino médio, temos um problema grave, porque está quase todo estruturado para preparar o aluno para o vestibular. Como pouca gente vai fazer vestibular, as pessoas gastam um tempo e uma energia enorme aprendendo coisas inúteis, que vai esquecer logo depois. Na educação fundamental, o problema continua sendo de leitura e escrita. O aluno tem que aprender a ler livro. O vídeo, os outros tipos de coisa, pode até ser uma maneira de estimular, mas é secundário.

O que não pode é a escola abandonar suas responsabilidades e a comunidade resolver tudo.
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