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Educação
24/06/2005

Educação é política de Estado e não de governo, diz Tarso Genro

LUCIANA FARNESI E RODRIGO RÖTZSCH
Da equipe de trainees

Não houve, na história, uma continuidade, porque isso requereria um financiamento estável e progressivo
TARSO GENRO
Ministro da Educação

Gustavo Scatena/Equipe de trainees
O ministro Tarso Genro, durante a entrevista
O ministro Tarso Genro, durante a entrevista
A educação deve ser tratada como política de Estado e não como política de cada governo. É essa a principal solu­ção apontada por Tarso Genro, ministro da Educação, para que a escola pública no Brasil tenha qualidade daqui a dez anos. Antes disso, acredita, é possível apenas melhorar a escola, mas não resol­ver os seus problemas. Para o mi­nistro, formado em direito, as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (lei apro­vada em 2001), a maior parte delas ainda não cumprida, são "uto­pias que freqüentemente não têm os recursos disponíveis". Tarso, 58, falou à Folha dias an­tes de ser enviada ao Congresso Nacional a proposta de emenda constituciconal que cria o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desen­volvimento da Educação Básica) --e quase ao mesmo tempo em que estourava a maior crise políti­ca do governo. Segundo ele, a PEC é o "elo chave" da política de fi­nanciamento estável do ensino, sem a qual "fica comprometido todo o sistema educacional".

O Fundeb, promessa de campanha do presidente Lula, teve suas bases criadas na gestão de Cristo­vam Buarque e é uma ampliação do Fundef, criado no ministério de Paulo Renato Souza (1995-2002) para o ensino fundamental.

Folha - Quais são os maiores pro­blemas das escolas públicas do en­sino básico no Brasil?

Tarso Genro - Um problema de ordem geral é a qualidade do ensi­no básico --não é que não exista qualidade, é que ela é muito dife­renciada de região para região. O segundo problema é o acesso ao nível médio --só 30% das crian­ças que saem do nível fundamen­tal acessam o nível médio. Esses dois problemas remetem a um terceiro, que é o financiamento. É necessário considerar as políticas educacionais como política de Es­tado e ter uma proposta de finan­ciamento estável para todo o ensi­no básico, que permita que essas questões sejam corrigidas. Pela norma nacional, os prestadores do ensino básico são os Estados e os municípios. O MEC é o indutor do projeto educacional nacional. Portanto, as boas ou más políticas do MEC podem ter reflexo dife­renciado de região para região e de cidade para cidade.

Folha - A educação tem sido uma política de Estado na história do Brasil? E no governo do PT?

Tarso - Nós vivemos dois impul­sos estratégicos, que trataram a educação básica do Brasil como política de Estado. O primeiro foi a construção da escola pública, sob a liderança de Anísio Teixeira [educador]. Foi um momento de­cisivo da idéia de formação da na­ção brasileira. O segundo grande impulso, que ocorreu nos últimos 20 ou 30 anos, foi o processo de universalização do acesso ao ensi­no fundamental. O terceiro gran­de impulso, que está sendo pro­movido pelo governo atual, se nós obtivermos sucesso de ver a emenda constitucional aprovada no Congresso, é o Fundeb, porque ele aponta para um novo refi­nanciamento estratégico da edu­cação básica no Brasil.

Folha - O MEC tem como garantir que os recursos do Fundeb sejam usados para melhorar a qualidade do ensino básico?

Tarso - O MEC, por si só, não; por isso é que nós estamos colo­cando a questão numa emenda constitucional. Ela vai dividir os recursos em dois grandes blocos: 40% serão aplicados em projetos de qualidade, de expansão do nível médio, de qualificação do en­sino fundamental e 60% para corrigir o salário dos professores e portanto permitir a correção de algumas distorções mais graves do sistema educacional brasileiro.

Folha - O ensino fundamental está sendo universalizado, mas o Bra­sil, no Pisa [avaliação sobre nível de aprendizado de estudantes de 41 países], está sempre nos últimos lugares. Por que as crianças vão à escola e não aprendem?

Tarso - Há causas sociais, que envolvem a desagregação da fa­mília das classes trabalhadoras brasileiras, por causa do desem­prego e da exclusão. Forma-se um ambiente familiar adverso ao aprendizado da criança. E há cau­sas educacionais específicas: as questões pedagógicas, que têm que ser adequadas a essa situação das crianças; e os salários dos pro­fessores, que desestimulam a busca da carreira do magistério. Mas a causa que eu considero funda­mental é que não houve, na histó­ria da educação brasileira, uma continuidade, porque isso reque­reria um financiamento estável e progressivo que ajudaria a corri­gir as demais deficiências.

Folha - No governo anterior, o mi­nistro Paulo Renato permaneceu no cargo até o fim. No governo Lu­la, não houve essa continuidade: foi realizada a substituição do mi­nistro Cristovam Buarque. O PT co­meçou de maneira errada a sua po­lítica para educação e teve que mu­dá-la no meio do caminho?

Tarso - A manutenção de uma política de Estado não requer a permanência de ministros. A afirmação da escola pública no Brasil teve vários ministros, mas ela teve uma espinha dorsal que a consti­tuiu e que foi acompanhada por determinações legais. No caso concreto do PT, a substituição do ministro foi uma contingência política. O presidente Lula achou que naquele momento era ade­quado mudar o ministro da Edu­cação. Não foi um juízo de mérito sobre a qualidade do ministro Cristovam nem sobre a sua apti­dão para a gestão pública. Tanto é verdade que algumas políticas da­quela gestão não só permanece­ram como foram ampliadas.

Folha - Como o MEC está agindo para fazer com que seja cumprido o Plano Nacional de Educação, lei que tem uma série de metas que não estão sendo alcançadas?

Tarso - Normalmente essas me­tas são utopias, mas são utopias necessárias, desejáveis. O que ocorre freqüentemente é que es­sas metas não têm os recursos dis­poníveis, ou então há uma visão do Executivo de que a educação não é prioridade. Por isso a possi­bilidade do cumprimento dessas metas é cravar na Constituição elementos que obriguem que as políticas educacionais sejam políticas de Estado, independente­mente de governo e que a violação das suas normas seja uma possi­bilidade reduzida do gestor.

Folha - Existe solução, no médio prazo, para que a escola pública no nível básico tenha qualidade de verdade no Brasil?

Tarso - Não. Eu entendo que a médio prazo é possível apenas melhorar a escola pública. E acho que, se a educação se constituir efetivamente como política de Es­tado, a partir de dez anos nós podemos ter uma escola pública de qualidade semelhante à da Espa­nha, de Cuba e da França, para ci­tar três países com alta qualidade.
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