São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2002
 

Envie esta notícia
por e-mail
  Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ciência quer mapear a dor individual

Flávio Florido/ Folha Imagem
Técnico do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares realiza controle de qualidade do samário, uma terapia desenvolvida no Brasil para aliviar dores ancológicas; 383 doses foram vendidas em 2001


RAFAEL CARIELLO
DA EQUIPE DE TRAINEES

No futuro, analgésicos e anestésicos podem vir a ser fabricados "sob medida", dependendo da sensibilidade à dor do freguês.

A "medida" seria tirada do DNA do paciente, no qual alguns genes controlam a fabricação de proteínas que, em maior ou menor quantidade, determinam se uma martelada dói mais no seu dedo ou no do vizinho.

Os genes são trechos do DNA (sigla em inglês para ácido desoxirribonucléico) que estão presentes nas células. Se compararmos o DNA a uma biblioteca -com todas as informações sobre as características físicas de uma pessoa-, os genes seriam os livros, com "assuntos" específicos -cor dos olhos, cabelo etc.

Nessa biblioteca, os livros, ou genes, não trazem títulos na lombada. Aos poucos, os cientistas vão descobrindo o conteúdo de cada um e catalogando. É o que se tenta fazer agora com a procura pelos genes da dor.

A maior parte dessa busca acontece em animais de laboratório. Segundo o psicólogo americano Jeffrey Mogil, 35, da Universidade McGill, no Canadá, os resultados dessas pesquisas são, com alguns ajustes, válidos também para o DNA humano.

O cientista americano diz que "é bastante, bastante provável que os genes [da dor" relevantes sejam os mesmos [em homens e ratos"".
A explicação para isso está no fato de a dor ser uma característica biológica presente em muitos animais. Funções iguais em diferentes espécies são controladas por setores iguais do DNA. As mutações ou especializações é que "necessitam" de genes novos ou modificados.

No caso da sensibilidade à dor, os genes definem com que intensidade os neurônios (ver arte ao lado) recebem o estímulo doloroso, transportam-no no seu corpo celular (com maior ou menor velocidade) e passam a informação ao neurônio seguinte.

O neurologista Maurice Vincent, 39, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), lembra, no entanto, que "a tolerância à dor não depende apenas de fatores biológicos, mas também de fatores culturais". "A emoção modula o sentimento da dor."

A técnica

Uma das melhores técnicas, segundo Jeffrey Mogil, para descobrir os genes da dor é conhecida como "linkage mapping" (mapeamento da combinação).

O primeiro passo desse método consiste em identificar animais que respondam incomumente a estímulos dolorosos -que sejam insensíveis a ela, por exemplo.
A seguir, duas cobaias indiferentes ao sofrimento são cruzadas. Parte de seus descendentes herdarão a insensibilidade e outra parte não.

Como suas características genéticas são o resultado da combinação das características dos pais, é possível identificar quais regiões dos DNAs -genes- do pai e da mãe estão combinadas ou dissociadas de maneira diferente nos dois grupos.

Os genes responsáveis pela modulação da sensação de dor são aqueles que, ao mesmo tempo, são encontrados nos DNAs de todos os ratos insensíveis e que nunca são encontrados nos DNAs dos animais que não herdaram essa característica.

Futuro

Segundo Mogil, o número de genes especificamente relacionados com a percepção dolorosa é de algumas dezenas. À medida que forem sendo descobertos e que forem identificadas as proteínas que eles codificam, novos tratamentos para a dor surgirão.

No curto prazo, será possível, segundo o cientista americano, usar "mais inteligentemente" os remédios já disponíveis.

Antes de uma cirurgia, por exemplo, os médicos poderão determinar a dosagem de anestésico que um paciente deverá receber. Se a análise do seu DNA informar que ele é mais sensível à dor, uma dosagem maior deverá ser administrada.

A longo prazo, novas drogas poderão ser desenvolvidas e, garante Mogil, os próprios genes poderão ser "tratados", modificando a sensibilidade do paciente à dor.








Texto Anterior: Problema está fora de controle
Próximo Texto: Memória torna crônico o sofrimento
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S.A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.