São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2002
 

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Analgésico pode ser "veneno"

BRUNO LIMA
DA EQUIPE DE TRAINEES

Nem tomando 26 comprimidos de analgésico por dia, a advogada Elaine Lucas, 38, conseguia se livrar de sua dor de cabeça.

Procurou homeopata, acupunturista, oftalmologista, ortopedista, clínico geral e cinco diferentes neurologistas. Foi até a terreiro de umbanda. Um médico disse que a dor só passaria quando ela se separasse do marido.

Foram necessários 15 anos para que Elaine encontrasse um especialista que a mandasse parar de tomar analgésicos.

Embora não seja novidade que os analgésicos podem tornar crônica a dor de cabeça, muitas pessoas e muitos médicos não sabem disso. Segundo o neurologista Pedro Moreira, 55, presidente da Sociedade Brasileira de Cefaléia, a situação é preocupante.

No Hospital das Clínicas da USP, 21% dos pacientes que procuraram o ambulatório de cefaléia nos últimos dois anos abusavam de analgésicos, e mais de 40% tinham dor de cabeça diária.

"O analgésico, que é um santo remédio quando tomado em doses pequenas, é um veneno terrível em grandes doses", diz o médico Edgard Raffaelli Jr., 72.

Médicos que tratam exclusivamente de dor de cabeça recomendam tomar analgésicos no máximo quatro vezes por mês.

Tratamento dolorido

O primeiro passo para tratar uma dor de cabeça crônica é interromper o uso de analgésicos.

Nos primeiros dias sem o remédio, a dor é mais intensa do que a sentida normalmente. Também podem ocorrer sintomas de abstinência, como enjôos, vômitos, tremores, insônia e nervosismo.

"Foram três dias de uma dor alucinante", diz a psicóloga Mónica Catalina, 43, que iniciou o tratamento em novembro.

Essa desintoxicação é necessária para que o cérebro consiga reequilibrar a liberação da serotonina e das endorfinas, que são os "analgésicos" do próprio cérebro.

"Você se propõe a passar um tempo sofrendo para não sofrer mais depois", declara Raffaelli.

As estatísticas dizem que 95% das pessoas experimentam dores de cabeça em alguma fase da vida, mas a maioria desconhece que existem tratamentos e acaba piorando a própria dor, afirma o coordenador do Ambulatório de Cefaléias Crônicas do Instituto de Neurologia da UFRJ, Abouch Krymchantowski, 43.

Ele coordenou um estudo, finalizado este mês, que avaliou o comportamento de balconistas de farmácias nas cinco regiões do país diante de consumidores com queixas típicas de enxaqueca.

Mais de 80% deram diagnósticos e receitaram medicamentos, e somente cerca de 40% sugeriram procurar um médico.

Segundo Krymchantowski, a automedicação é estimulada pelas próprias bulas dos remédios, que ensinam a tomar um comprimido de seis em seis horas até passar a dor. "A dor passa e volta", afirma o médico.

A enxaqueca é apenas um dos 150 tipos de dor de cabeça já descritos pelos médicos. Faz parte do grupo das chamadas cefaléias primárias, em que a dor de cabeça não é um simples sintoma, mas a própria doença. Para tratá-las, analgésicos não adiantam: é preciso atuar no distúrbio bioquímico que existe no cérebro, pois é ele o responsável pela dor.

Orgasmo e cefaléia suicida

Um exemplo de dor de cabeça primária é a cefaléia em salvas, também chamada "cefaléia suicida" (por ser a dor de cabeça mais intensa já descrita pela medicina).

"Nenhum analgésico faz passar essa dor", conta o ator Gracindo Jr., 58, que tem a doença. Os episódios de dor, comparados a facadas, duram menos que o tempo de absorção dos comprimidos.

Outra dor de cabeça tratada com medicamentos não-analgésicos é a cefaléia do orgasmo, que surge durante o ato sexual.

"Quando vai chegando perto da ejaculação, parece que a cabeça vai explodir", conta Anderson Ferreira, 30, que descobriu o problema aos 14 e somente há um ano teve coragem de ir ao médico.

NA INTERNET:
www.dordecabeca.com.br



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