|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Analgésico pode ser "veneno"
BRUNO LIMA
DA EQUIPE DE TRAINEES
Nem tomando 26 comprimidos
de analgésico por dia, a advogada
Elaine Lucas, 38, conseguia se livrar de sua dor de cabeça.
Procurou homeopata, acupunturista, oftalmologista, ortopedista, clínico geral e cinco diferentes
neurologistas. Foi até a terreiro de
umbanda. Um médico disse que a
dor só passaria quando ela se separasse do marido.
Foram necessários 15 anos para
que Elaine encontrasse um especialista que a mandasse parar de
tomar analgésicos.
Embora não seja novidade que
os analgésicos podem tornar crônica a dor de cabeça, muitas pessoas e muitos médicos não sabem
disso. Segundo o neurologista Pedro Moreira, 55, presidente da Sociedade Brasileira de Cefaléia, a situação é preocupante.
No Hospital das Clínicas da
USP, 21% dos pacientes que procuraram o ambulatório de cefaléia nos últimos dois anos abusavam de analgésicos, e mais de
40% tinham dor de cabeça diária.
"O analgésico, que é um santo
remédio quando tomado em doses pequenas, é um veneno terrível em grandes doses", diz o médico Edgard Raffaelli Jr., 72.
Médicos que tratam exclusivamente de dor de cabeça recomendam tomar analgésicos no máximo quatro vezes por mês.
Tratamento dolorido
O primeiro passo para tratar
uma dor de cabeça crônica é interromper o uso de analgésicos.
Nos primeiros dias sem o remédio, a dor é mais intensa do que a
sentida normalmente. Também
podem ocorrer sintomas de abstinência, como enjôos, vômitos,
tremores, insônia e nervosismo.
"Foram três dias de uma dor
alucinante", diz a psicóloga Mónica Catalina, 43, que iniciou o tratamento em novembro.
Essa desintoxicação é necessária
para que o cérebro consiga reequilibrar a liberação da serotonina e das endorfinas, que são os
"analgésicos" do próprio cérebro.
"Você se propõe a passar um
tempo sofrendo para não sofrer
mais depois", declara Raffaelli.
As estatísticas dizem que 95%
das pessoas experimentam dores
de cabeça em alguma fase da vida,
mas a maioria desconhece que
existem tratamentos e acaba piorando a própria dor, afirma o
coordenador do Ambulatório de
Cefaléias Crônicas do Instituto de
Neurologia da UFRJ, Abouch
Krymchantowski, 43.
Ele coordenou um estudo, finalizado este mês, que avaliou o
comportamento de balconistas de
farmácias nas cinco regiões do
país diante de consumidores com
queixas típicas de enxaqueca.
Mais de 80% deram diagnósticos e receitaram medicamentos, e
somente cerca de 40% sugeriram
procurar um médico.
Segundo Krymchantowski, a
automedicação é estimulada pelas próprias bulas dos remédios,
que ensinam a tomar um comprimido de seis em seis horas até
passar a dor. "A dor passa e volta", afirma o médico.
A enxaqueca é apenas um dos
150 tipos de dor de cabeça já descritos pelos médicos. Faz parte do
grupo das chamadas cefaléias primárias, em que a dor de cabeça
não é um simples sintoma, mas a
própria doença. Para tratá-las,
analgésicos não adiantam: é preciso atuar no distúrbio bioquímico que existe no cérebro, pois é ele
o responsável pela dor.
Orgasmo e cefaléia suicida
Um exemplo de dor de cabeça
primária é a cefaléia em salvas,
também chamada "cefaléia suicida" (por ser a dor de cabeça mais
intensa já descrita pela medicina).
"Nenhum analgésico faz passar
essa dor", conta o ator Gracindo
Jr., 58, que tem a doença. Os episódios de dor, comparados a facadas, duram menos que o tempo
de absorção dos comprimidos.
Outra dor de cabeça tratada
com medicamentos não-analgésicos é a cefaléia do orgasmo, que
surge durante o ato sexual.
"Quando vai chegando perto da
ejaculação, parece que a cabeça
vai explodir", conta Anderson
Ferreira, 30, que descobriu o problema aos 14 e somente há um
ano teve coragem de ir ao médico.
NA INTERNET:
www.dordecabeca.com.br
Texto Anterior: Fé na ciência cria expectativa irreal Próximo Texto: REMÉDIO DA ALMA: Poeta não era fingidor Índice
|