São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2002
 

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SAÚDE MENTAL
Dor altera personalidade e chega a provocar depressão

RENATO ESSENFELDER
DA EQUIPE DE TRAINEES

Dores físicas também afetam o psiquismo do paciente. A convivência prolongada com o sofrimento crônico pode levar a pensamentos suicidas e até a transtornos mentais mais sérios, como a depressão. Como corpo e mente são inseparáveis, tudo que afeta um, afeta o outro.

Por causa dessa interatividade, ao mesmo tempo que o estresse emocional pode desencadear um processo doloroso (como úlcera gástrica, por exemplo), a dor modifica a relação do indivíduo com o mundo. "A dor conduz a um retraimento da pessoa sobre si mesma", afirma o psicanalista e professor Rubens Volich, 46, do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo.

Para ele, além de aliviar a dor, é necessário compreendê-la, já que ela pode ser sinal de outros sofrimentos não-expressos. "Entender a função de determinada síndrome dolorosa potencializa os recursos terapêuticos", completa.

A visão psicanalítica da dor é ampla. Para a psicanálise, o homem sofre também por medo, angústia ou tristeza. Para a medicina, dor é um estado de exceção, vinculado a uma lesão física ou disfunção biológica.

Há consenso, entretanto, no sentido de evitar que a dor vire o centro da vida dos pacientes. Estudo do Hospital das Clínicas da USP realizado em 1995 mostrou como o sofrimento altera a sociabilidade. Segundo a pesquisa, mais de 90% dos portadores de dor crônica tornam-se agressivos, irritadiços ou deprimidos.

Nos EUA, levantamento realizado em 2000 pela indústria farmacêutica Purdue revelou que 57% dos doentes com dor crônica sentem-se "cansados o tempo todo". Outros 49% afirmaram sentirem-se "muito mais velhos do que realmente são", e mais de 30% dos mil entrevistados disseram que às vezes sentem dores tão intensas que prefeririam morrer.

Estigma

A depressão, aliás, está na pauta da OMS (Organização Mundial da Saúde) como um dos mais importantes males do futuro. Hoje, o transtorno já é a quarta causa de incapacitação no mundo. Em 2020, será a segunda -atrás apenas do grupo de doenças cardíacas. Estima-se que 121 milhões de pessoas ao redor do mundo estejam, neste momento, deprimidas.

A depressão, mais do que mal estar, causa também mortes. A OMS calcula que 10% a 15% dos deprimidos tentam suicídio. Do total de um milhão de pessoas que se matam anualmente, 60% delas são portadoras de depressão ou esquizofrenia.
Dedicado à saúde mental, o último relatório anual da OMS aponta que 70 milhões de pessoas são hoje alcoolistas, 50 milhões têm epilepsia, 37 milhões sofrem com mal de Alzheimer e 24 milhões são esquizofrênicas.

No Brasil, o Ministério da Saúde estima que 3% da população -mais de 5,2 milhões de pessoas- sofra de transtornos mentais. Para quem sofre de dor crônica, a incidência é de 30%.

Na opinião do psiquiatra da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, Cesar Skaf, esses números estão aquém da realidade. "O transtorno de humor é subdiagnosticado. A maioria dos médicos não está preparada para o diagnóstico", diz.

O próprio comportamento do doente contribui para a subnotificação. "O paciente não se dá conta, ou nega, as questões emocionais. Muitas vezes é mais fácil se queixar da dor física do que da psíquica", avalia Betty Boguchwal, 46, psicóloga do Centro de Dor do HC.

Segundo relatório da OMS, até 70% dos portadores de distúrbios mentais não procuram ajuda, seja por "estigma social, discriminação ou negligência".
Mas, mesmo que esse cenário de preconceito e despreparo fosse completamente extinto, a guerra contra a dor não estaria vencida. Para o diretor do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da PUC-SP, Manoel Tosta Berlinck, 65, o sofrimento é inescapável. "O humano é uma espécie dolorida. Se acabar a dor, acaba o homem."



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