Arthur da Costa e Silva

3.out.1899 - 17.dez.1969

 

Presidente


Cinco mil frangos, 800 galinhas, 200 patos, 150 perus e 300 faisões do Paraná foram preparados para a cerimônia de posse do novo presidente da República. Naquele mesmo dia, 15 de março de 1967, entrava em vigor uma nova Constituição, aprovada no governo anterior de Castello Branco. Um jornal venezuelano chegou a noticiar à época: “Novo ditador estréia no Brasil”. Ele era Arthur da Costa e Silva, criado num antigo casarão em Taquari, interior do Rio Grande do Sul, e que se tornara general antes dos 50 anos de idade.

 

Representante da linha dura das Forças Armadas, iniciou a carreira militar em 1918 na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro. Nos anos 1960, seu envolvimento no Ministério da Guerra foi crucial para seu futuro na política. Juntamente do general Castello Branco e de outros oficiais de alta patente, fazia parte de pólo conspirativo no então Estado da Guanabara. Logo após o golpe, no dia 4 de abril, foi empossado oficialmente como ministro da Guerra.

 

Dois anos depois, deixou o ministério para candidatar-se às eleições indiretas. Durante os três meses seguintes, portou-se como se estivesse em campanha eleitoral, espalhando pelo país a imagem de "seu Arthur", o bonachão que iria descontrair o país.

 

Já presidente, o aluno nota 10 nos tempos do colégio estava em Belo Horizonte no dia em que o Congresso rejeitou a licença para processar Márcio Moreira Alves, estopim para a aprovação do Ato Institucional nº 5: era paraninfo de estudantes de administração e ciências contábeis.

 

Em entrevista concedida em março de 1969, justificou a edição do AI-5, alegando que a Constituição não tinha sido capaz de manter a segurança interna e o desenvolvimento econômico e cultural do país. Em pronunciamentos pouco antes de ser eleito, entretanto, afirmava que seu governo traria o “restabelecimento da plenitude democrática” ao Brasil.

 

O presidente morreu pouco tempo depois, em dezembro de 1969, dia 17, uma quarta-feira, aos 70 anos. Quando teve o infarto fulminante, na verdade, já não era mais presidente, apesar de ainda ocupar o Palácio Laranjeiras. Em agosto daquele mesmo ano, uma junta militar passara a assumir o comando do país. O outrora cronista de assuntos militares para os jornais "O Imparcial" e "A Noite" –de Irineu Marinho– tinha sido diagnosticado com trombose cerebral. A partir dali ficou impedido de exercer sua função e morreu sem poder assinar a reforma constitucional que prometia reabrir o Congresso. A viúva de Costa e Silva, Yolanda, recebeu centenas de telefonemas e telegramas naquele dia.

 

 

 

 

 

Ouça o áudio

 

 

Meus senhores, eu convoquei o Conselho de Segurança Nacional, que é o órgão consultivo do governo, da Presidência da República, para colocá-los, a todos os membros, em parte de um problema que se apresenta com uma gravidade muito grande e que deve ser equacionado e resolvido dentro, com a maior tranqüilidade de espírito e a maior isenção de ânimo. O presidente da República [tosse], que se considera ainda um legítimo representante da Revolução de 1964, 31 de março, vê-se em um momento crítico, em que ele tem que tomar uma decisão optativa: ou a Revolução continua ou a Revolução se desagrega.

 

Até agora, todo o povo brasileiro, inclusive os senhores, todo povo é testemunha do meu grande interesse, do meu grande esforço, da minha maior boa vontade e tolerância no sentido de que houvesse uma compreensão e união entre a área política e a área militar, ambas responsáveis pelo advento revolucionário. Várias divergências, vários embates, várias incompreensões e nós, pacientemente, nós quase que pregando essa harmonia entre essas duas áreas, nós conseguimos chegar a quase dois anos do governo presumidamente constitucional da Revolução.

 

Eu não preciso apelar para o testemunho dos meus ministros, e dos meus, dos membros do Conselho de Segurança, para que afirmem e que confirmem essa minha declaração. Portanto, todos são testemunhas e agora mesmo Sua Excelência, o vice-presidente da República, acaba de depor perante mim, dizendo que tem acompanhado e é testemunha viva desse interesse, meu. Mas chega o momento em que, acima da vontade de um homem, está o interesse nacional, a harmonia, a tranqüilidade, a paz para o povo brasileiro.

 

Nós compreendemos, perfeitamente, que foi um fato, talvez aparentemente insignificante, que tenha motivado essa [tosse]... Não digo, não vou empregar o termo que seria muito forte, mas essa revelação da falta de apoio político do governo. Quando o governo contava e pela compreensão dos homens públicos do país [tosse], daqueles que têm tanta responsabilidade quanto nós, para a manutenção da paz, da ordem e da tranqüilidade pública, compreendessem perfeitamente que não podiam colaborar numa agressão a uma outra área, também responsável pela Revolução, e que se tem mostrado dignamente acatadora de todas as ordens e de todos as, os princípios estabelecidos pela Constituição, na ordem jurídica e civil.

 

Apresenta-se, portanto, um fato novo, com características típicas de provocação para que não continuemos nesse processo evolutivo da Revolução, para a consecução da ordem democrática ou do regime democrático completo. Disse eu e repito, disse perante homens do Congresso que era mais fácil, para mim, adotar medidas de prepotência e de força, do que manter a continuidade do regime dentro da Constituição, porque eu não estava com a, não estava tendo a compreensão necessária e nem o denodo daqueles que deviam me ajudar a defender essa ordem democrática. Meus senhores, naquela hora, eu nem sabia o que se estava preparando e o que ainda ia acontecer. E o que aconteceu foi muito pior do que se podia esperar. Porque como vamos tomar, em que sentido vamos tomar a manifestação do Congresso? Da Câmara dos Deputados?

 

No sentido meramente de solidariedade a um membro do Congresso? Vamos tomar no sentido de uma manifestação ou uma expansão ou uma extrapolação de recalques, que porventura tenha sido pela hostilidade, causado pela hostilidade do poder público em relação à área política? Não creio. Porque eu não creio que a área política tenha merecido, de qualquer governo, de qualquer chefe de Estado, as considerações que eu tenho dispensado a essa área. A ponto que até me comprometer na minha área militar, de onde eu provenho, da minha área revolucionária, de onde eu surgi e de onde pretendo, onde pretendo me manter à custa de qualquer sacrifício. Não tenho o mínimo interesse pessoal, pelo contrário, desejo, se Deus me ajudar, chegar rapidamente ao fim do meu governo para entregar esse cargo penoso e duro a quem possa melhor do que eu cumprir essa e conseguir essa harmonia entre a área política e a área militar, porque sem isso o Brasil irá à desagregação.

 

Ainda há poucos dias, falando a um grupo de deputados, eu usei uma imagem: a maré é violenta contra as costas nossas, procurando erodir a área revolucionária e a área política, levando o país à desagregação. Desagregação material, moral e política. Como não há dúvida de que se trata de fazer isso por todos os meios e modos. Então, é um momento histórico em que devemos ter uma definição clara e insofismável de que o Brasil precisa dessa união. Meus senhores, quando o fenômeno se me apresentou, eu repeli uma decisão imediata, porque compreendo que um fato como esse, um ato como esse, exige reflexão, mas também exige, após a reflexão, uma decisão.

 

A decisão está tomada e é proposta ao Conselho de Segurança Nacional, para ampla discussão, para a ampla opinião de cada um, porque eu não desprezo o conselho do Conselho de Segurança Nacional. Eu preciso que cada membro diga aquilo que sente, aquilo que pensa e aquilo que está errado nisto, para que possamos, com consciência tranqüila, e vivamente apoiado numa, num conselho como este, de responsabilidade enorme perante a nação, eu possa autenticar, [corte], para depois estabelecer uma discussão. Muito obrigado [palmas].

 

[Sessão suspensa]

 

[Sessão reaberta] Desejo ouvir a opinião de um a um, senhores membros do Conselho de Segurança Nacional. Como é natural, a maior autoridade deste Conselho é Sua Excelência o vice-presidente da República, tão interessado quanto eu na solução do problema, porquanto estamos ligados pela mesma decisão, numa eleição que se fez no Congresso Nacional, num colegiado, em que a maioria era do Congresso Nacional. Senhor vice-presidente, eu desejaria ouvir a sua opinião, o seu conselho.

 

 

 

 

Após todos os ministros se pronunciarem, Costa e Silva discursa novamente e encerra a reunião

 

 

Pelo apanhado que acabo de fazer das diversas manifestações dos senhores membros deste Conselho, tenho a impressão de que o Ato Institucional, ora proposto, conta com a quase unanimidade de aprovação deste Conselho. Evidentemente, as observações feitas são, apenas, de caráter formal, de redação ou mesmo de pouca influência no conteúdo, no contexto geral. Sugiro, portanto, que a redação final deste ato, já do conhecimento de todos os membros do Conselho, seja revista por uma Comissão que eu tomo a liberdade de nomear agora, compreendendo Sua Excelência o senhor ministro da Justiça, Sua Excelência o ministro extraordinário chefe da Casa Civil, Sua Excelência o ministro da Educação e Cultura, para, num apanhado dessas sugestões, feita a devida triagem, que se aproveite aquilo que não venha a modificar no fundo o ato ora proposto, que contou com a aprovação quase unânime de todos os membros do conselho, como a pouco e pouco fui registrando uma conclusão da opinião de cada um.

 

Ponderáveis sem dúvida as observações de ponderação de Sua Excelência, o senhor vice-presidente da República, que, como jurista e um grande parlamentar, vê que damos um passo definitivo, talvez podendo passar por uma fase intermediária. Em todo caso, dentro do Conselho de Segurança Nacional, nós devemos pesar a opinião de cada membro e adotar o voto da maioria. Já em determinada ocasião, quando o ministro da Guerra de então apresentou uma representação, sugerindo e pedindo, a cassação do mandato de um homem público do Brasil, calcado em razões que foram expostas francamente ao Conselho de Segurança Nacional, Sua Excelência, então presidente da República, submeteu à opinião de cada membro a representação proposta, apresentada. E eu me lembro que Sua Excelência escrevia 'sim", "não", "interrogação"; "sim", "não", "interrogação" poderosamente, obstinadamente, contra o processo revolucionário.

 

Eu me louvando nesse exemplo de Sua Excelência o senhor presidente Castello Branco naquela época, também, embora seja o Conselho de Segurança Nacional o órgão consultivo e não deliberativo, eu prefiro me louvar [corte] não deliberativo, eu prefiro me louvar no voto quase unânime de todos os membros do conselho, tendo em conta, em muita conta, o voto poderosíssimo de Sua Excelência, o senhor vice-presidente da República. Eu bem sei que Sua Excelência, por uma, um escrúpulo natural, está vivendo um momento tão dramático quanto nós outros, porque quero revelar ao conselho que Sua Excelência, há poucos minutos, em confidência com o presidente da República, apresentou a sua indiscutível solidariedade às decisões do presidente da República, incorporando-se à sua própria situação. Isso me trouxe um grande conforto.

 

Porque eu compreendo perfeitamente que Sua Excelência poderia, a qualquer momento, em face de qualquer decisão do presidente da República, de entregar-se a uma decisão que não fosse a sua própria decisão, ele estaria ocupando este lugar, com as mesmas responsabilidades e talvez com muito maior brilho e maior competência para resolver esse problema de ordem política e institucional. Sua Excelência acabou de me dizer que a sorte dele é a minha sorte, e isto me dá uma grande autoridade para emitir o seu voto com toda a lealdade e com toda a convicção.

 

Devemos, portanto, respeitar o seu voto, embora não seja o da maioria do Conselho, eu prezo muito a sua opinião. E peço a Deus que não me venha amanhã convencer de que ele é que estava certo, porque ele admitiu mesmo a hipótese do ato final. Entendemos, como entende o conselho na sua sabedoria de maioria, quase unanimidade, de que essa escalada, esse degrau se torna evidentemente e necessário. Nós aceitamos essa deliberação. Eu confesso que é com verdadeira violência aos meus princípios e idéias que adoto uma medida como essa. Mas adoto porque estou convencido que é do interesse do país, é do interesse nacional, que ponhamos um "basta" à contra-revolução.

 

Já numa outra reunião deste conselho, os senhores ouviram a palavra do chefe do Serviço Nacional de Informação. Houve o conselho, houve a opinião de que deveríamos, já naquela época, levantar uma barreira a esse trabalho insidioso, persistente e obstinado, terrível mesmo, de contra-revolução. E aqui estou hoje a par de uma investidura, senhor de uma investidura constitucional, com uma responsabilidade tremenda e indeclinável de chefe de uma Revolução que há poucos anos se impôs ao país para a solução desses mesmos problemas que se agravaram muito nos últimos anos. Porque então naquela época não havia a exploração da mocidade como há hoje, não havia a interferência deslavadamente ostensiva do dinheiro internacional, procurando interromper o processo revolucionário, por motivos, talvez, inconfessáveis, por interesses que não são os nacionais, e contra os quais devemos levantar esta barreira no momento que não seja de crise irremediável. Eu considero que o momento é grave, mas ainda não desesperador para a nação. E por isso mesmo, devemos lançar mão dos remédios que podem ainda recuperar o organismo nacional.

 

Não nos move... [corte]

 

Mas também exige, após a reflexão, uma decisão. A decisão está tomada e é proposta ao conselho de segurança nacional para ampla discussão, para a ampla opinião de cada um. Porque eu não desprezo o conselho do Conselho de Segurança Nacional. É preciso que cada membro diga aquilo que sente, aquilo que pensa e aquilo que está errado nisto. Para que possamos, com consciência tranqüila, e vivamente apoiar numa, num conselho como esse, de responsabilidade enorme perante a Nação, eu possa autenticar, eu possa assinar esse ato que aqui está proposto. Dou aos senhores 20 minutos para a leitura do que está escrito.

 

Não vou mandar ler, eu quero que cada um leia, cada um pense. E eu vou me retirar nesse momento por alguns instantes, para voltar e estabelecer então a discussão do ato. Eu sei que é um pouco rápido, é pouco, isso eu devia ter sido distribuído com maior antecedência, mas infelizmente não foi possível termos o ato acabado e completo antes de agora, desse momento agora. E eu acho justo que cada um leia, podem discutir entre os senhores. E eu, como parte do problema, eu me retiro no momento e os deixo francamente à vontade para depois estabelecer uma discussão. Muito obrigado.

 

Desejo ouvir a opinião de um a um, senhores membros do Conselho de Segurança Nacional. Como é natural, a maior autoridade deste Conselho é Sua Excelência o vice-presidente da República, tão interessado quanto eu na solução do problema, porquanto estamos ligados pela mesma decisão, numa eleição que se fez no Congresso Nacional, num colegiado, em que a maioria era do Congresso Nacional. Senhor vice-presidente, eu desejaria ouvir a sua opinião.

 

 

 

Como "legítimo representante da Revolução de 1964", o Presidente disse encontrar-se em um momento crítico: precisava decidir se a "revolução" deveria "continuar ou se desagregar". O discurso de Márcio Moreira Alves e, pior, a refutação do Congresso em puni-lo foram os fatos novos que ameaçavam o "processo evolutivo da Revolução", disse.

 

Segundo Costa e Silva, o caminho natural do regime militar era chegar ao "regime democrático".


As linhas tortas para se chegar lá, no entanto, exigiriam, contraditoriamente, a radicalização do arbítrio e do cerceamento aos direitos políticos, no raciocínio do Presidente. O discurso de abertura durou quase dez minutos e bem que poderia se resumir a uma frase: "essa decisão está tomada". Entre a continuação e a desagregação do regime militar, Costa e Silva já havia escolhido. Fez questão de dizer que não "desprezava" o conselho; queria que cada membro se expressasse. No fundo, o artifício funcionava para dividir responsabilidades.

 

Mas o teatro terminou quando, no ato final, Costa e Silva qualificou todas as ressalvas feitas pelos ministros como "observações apenas de caráter formal, de redação, ou mesmo de pouca influência no contexto geral". Com o que Elio Gaspari chamou de "cruel malandragem", Costa e Silva fechou a reunião dizendo que havia confabulado com o vice-presidente Pedro Aleixo antes da sessão. "Sua Excelência acabou de me dizer que a sorte dele é a minha sorte." Fim do espetáculo, AI-5 decretato por unanimidade.