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JUSTIÇA
Para juiz, condescendência da sociedade pode explicar pequeno número de sentenças por crime de racismo
No Brasil, 142 respondem nos tribunais por ações racistas
IURI DANTAS
DA EQUIPE DE TRAINEES
Há hoje no Brasil menos de
150 processos por crime
de racismo, segundo levantamento do Ministério das
Relações Exteriores feito para a 3ª
conferência da ONU contra o Racismo, realizada na África do Sul
no mês passado. Essa é a estatística oficial mais recente no país.
Nos principais Estados, Rio de
Janeiro e São Paulo -onde vivem
45 milhões de pessoas-, houve
25 ações penais de 1995 a 1999,
época da pesquisa.
A discriminação racial só passou a ser considerada crime nos
últimos 12 anos. Até 1989, vigorava a Lei Afonso Arinos, de 1951,
que foi a primeira a combater o
racismo no Brasil, mas considerava o preconceito uma contravenção. Inexiste estatística oficial sobre o número de processos movidos nesse período. A discriminação racial virou crime em 1989,
por texto do então deputado pelo
PDT Carlos Alberto Caó, 59.
Para ele, as poucas condenações
em tantos anos de lei se explicam
por "resistências do Estado brasileiro, principalmente do Judiciário, em cumprir a função que a
Constituição lhe atribuiu".
"O Poder Judiciário reflete a sociedade brasileira, e a sociedade
não reconhece que há discriminação", afirma a conselheira-presidente da Comissão do Negro e
Assuntos Antidiscriminatórios da
OAB em São Paulo, Maria da Penha Guimarães, 55. A advogada
acredita que a base legal para o
combate à discriminação já está
pronta. Agora, é preciso implementar políticas públicas para eliminar ou amenizar o racismo.
Na visão de Flávio Dino de Castro, 33, presidente da Associação
dos Juízes Federais do Brasil, "talvez" haja uma indisposição no Judiciário para aplicar a lei, mas isso
acontece porque não há um ambiente "cultural, econômico, institucional" propício para a denúncia das vítimas.
Para o juiz, o crime de racismo é
visto como um delito que não põe
as estruturas sociais em risco no
que ela tem de fundamental, devido ao mito de que o país vive em
uma "democracia racial". Segundo essa idéia, desenvolvida por
Gilberto Freyre na década de
1930, não haveria preconceito por
raça e sim uma discriminação social. Os negros seriam discriminados por serem pobres e não pela
cor de sua pele.
Embora discorde desse "mito",
ele considera que os juízes são influenciados por essa visão, algo
corrente na sociedade. Deriva daí
o fato de muitas sentenças assinalarem a inexistência de dolo (intenção criminosa) dos acusados.
As principais lideranças do movimento negro -que combate o
mito da democracia racial- consideram que a postura da Justiça
dificulta o cumprimento da lei.
Ivanir dos Santos, 47, presidente do Centro de Articulação de
Populações Marginalizadas
(Ceap), afirma que "alguns juízes,
na sua convicção preconceituosa
de que não há racismo, não aceitam aplicar a lei". Para Ivanir, a
solução é "educar o Judiciário".
Christiano Santos, promotor de
Justiça de São Paulo, afirma que
uma das dificuldades para a aplicação da Lei Caó é que alguns casos são considerados pelos juízes
não como racismo, mas como injúria (ofensa à dignidade ou ao
decoro de alguém).
Desde 1997, a injúria, quando
baseada em cor ou raça, passou a
ser qualificada e implicar pena
maior. Até então, chamar um negro de "macaco", por exemplo,
seria considerada injúria comum
-até seis meses de prisão ou
multa. Em 97, o deputado Paulo
Paim (PT-RS) equiparou a pena
de injúria relacionada a raça ou
cor à mesma punição da Lei Caó:
três anos de prisão e multa.
Na escola
Para aumentar a chance de as
leis contra discriminação serem
usadas, Christiano Santos defende que os bacharéis em direito
aprendam a lidar com o assunto
antes de se formarem. "Não há
nenhuma disciplina no currículo
das faculdades que os treine minimamente para lidar com o tema."
Na Universidade do Estado da
Bahia (Uneb), pelo menos, a legislação contra racismo já é ensinada. Desde agosto, 35 calouros frequentam o curso de direito constitucional de afro-descendentes.
A iniciativa é fruto de parceria
entre a Uneb e a Associação Nacional dos Advogados Afro-descendentes (Anaad). Segundo Mario Cezar Crisóstomo, 41, diretor-secretário da Anaad, mais de 50%
dos alunos são da área de direito:
advogados, promotores e juízes.
Durante o curso, os alunos
aprendem a história e o processo
que levaram ao estabelecimento
das leis brasileiras de combate à
discriminação racial.
Atualmente, tramita na Câmara
dos Deputados um projeto para
alteração da lei contra o racismo,
batizado de Estatuto da Igualdade
Racial.
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