São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2001
 

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HISTÓRIA

Um século sem enxergar a exclusão

João Wainer/Folha Imagem
À frente da gravura de Zumbi, que desafiou o poder colonial do século 17, Cléber Firmino, 20, aluno de pré-vestibular Educafro, diz que, para ter chances hoje, o negro deve lutar o dobro que os outros brasileiros e enfrentar o descaso dos governantes


FREDERICO MENINO
DA EQUIPE DE TRAINEES

Historiadores concordam que se hoje o negro tem menos oportunidades que outros brasileiros na hora de estudar trabalhar ou quando exerce seu direito de cidadania, isso é resultado de mais de um século de não-reconhecimento da exclusão racial como verdadeiro problema nacional.
Tal omissão remonta à década de 1880, quando a abolição havia se tornado um processo iminente. Naquele período, abolicionistas como José do Patrocínio, Joaquim Nabuco e André Rebouças já debatiam sobre o que fazer com o negro que, pela via legal, sairia da senzala em 1888.
O debate dos abolicionistas não foi, porém, levado adiante, pois a elite política da época ignorava qualquer plano de integração efetiva do liberto na sociedade.
"No final do Império, quando predominava no Brasil a escravidão e a propaganda do racismo científico, tínhamos uma sociedade oligárquica, iletrada e autoritária", afirma Luiz Felipe de Alencastro, professor da Universidade de Paris (Sorbonne).
Joseli Mendonça, 40, da Unicamp, afirma que mesmo os abolicionistas tinham planos conservadores para o futuro dos libertos.
"Joaquim Nabuco, por exemplo, acreditava que os libertos, incapazes de viver em liberdade, deveriam continuar atrelados aos ex-senhores, recebendo uma educação não voltada para a autonomia, mas sim para a dependência", diz Mendonça.
Livre em 1888, o negro não presenciou grandes melhorias em seu dia-a-dia, como aponta a historiadora da UFRJ, Márcia Amantino, 34: "A Lei Áurea jogou na rua milhares de negros sem profissão, estudo ou condições de vida". Somente 0,9% dos libertos de 1888 eram alfabetizados.
Proclamada a República em 1889, ganhou força o ideal nacionalista, baseado num país unido e alheio às divisões, fossem elas regionais, sociais ou raciais.
Flávio Gomes, 37, da UFRJ, ressalta a construção e propagação do mito da democracia racial a partir da República: "A idéia de que no Brasil todas as raças convivem harmoniosamente inibiu o debate sobre a integração efetiva do negro desde a República. Afinal, para falarmos em integração, devemos reconhecer a exclusão".
Esse reconhecimento passa a ocorrer a partir da década de 1950, quando sociólogos -como Florestan Fernandes, Roger Bastide e Costa Pinto- põem em xeque a veracidade da democracia racial.
O convívio pacífico entre as etnias componentes da sociedade brasileira deixa de ser uma virtude da nação e passa a ser encarado como um problema histórico.
O movimento negro irá abraçar essa versão e lutar contra a omissão do governo e da sociedade no combate à discriminação racial.

Debate hoje
Considerada por boa parte dos especialistas como principal fator da exclusão do negro, o acesso à educação é atualmente a tônica dos debates sobre o combate ao racismo no Brasil.
Dentre as discussões, tem destaque a implantação do sistema de cotas nas universidades. A proposta constava no relatório que a delegação brasileira levou à 3ª Conferência da ONU contra o Racismo, realizada em setembro em Durban (África do Sul). Não há, contudo, definição sobre a implantação do projeto.
O debate atual, embora reconheça a existência da exclusão racial no Brasil, é considerado por alguns historiadores tão conservador quanto aquele travado pelos abolicionistas do século 19.
"No Império não se discutia a idéia de cidadania plena e efetiva para os negros como se faz hoje. Porém, a mesma ousadia que a elite imperial não teve quando decidiu não dar educação pública para os libertos falta para o governo atual", afirma o historiador da Unicamp Sidney Chalhoub, 44.
Segundo Chalhoub, para que o panorama de exclusão do negro seja de fato invertido, serão necessárias mais do que cotas, as quais representam apenas uma medida paliativa, na medida em que resolverão o problema de alguns negros mas não serão suficientes para sanar a exclusão.
"A integração é algo que não pode ser garantido sem que sejam revistas as estruturas sociais do país", afirma o historiador.


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