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Novo em Folha 40ª turma
14/02/2006

Religião assume o capitalismo, diz sociólogo

DA EQUIPE DE TREINAMENTO

Frases

Elas [igrejas neopentecostais] colocaram a realidade do marketing e da administração de empresas para as outras religiões

As igrejas neopentecostais estão prometendo oferecer, aqui e agora, uma experiência religiosa de contato físico com Deus, e isso supera qualquer experiência religiosa de igrejas tradicionais
ANTÔNIO FLÁVIO PIERUCCI
O capitalismo chegou ao mundo religioso. A concorrência entre as religiões é acirrada, e algumas igrejas pentecostais já se assumem como empresas. Por isso, abrir uma igreja hoje em dia não é tarefa fácil.

Essa é a opinião de Antônio Flávio Pierucci, professor da Universidade de São Paulo e especialista em sociologia da religião. Em entrevista à Folha, Pierucci explica a revolução promovida pelas igrejas neopentecostais no mercado religioso brasileiro: "Elas colocaram a realidade do marketing e da administração de empresas para as outras religiões". Mas diz que o crescimento delas terá um limite. "É mais fácil ser católico que evangélico. Por que deixar de ser católico para entrar numa igreja que cobra os tubos de você?"

Folha - Existe uma tendência nas igrejas evangélicas de tornar o pastor também um administrador?

Antônio Flávio Pierucci - Não sei se é uma tendência, porque cada igreja tem uma história. No Brasil, sobretudo nas três últimas décadas do século 20, quando houve a abertura democrática, passa a haver uma concorrência entre as religiões. Nesse momento, as igrejas pentecostais se destacam. Como um dos traços dessas igrejas é o estilo empresarial, com ênfase numa racionalização da atividade e no crescimento, hoje isso é um imperativo para todas as igrejas. Muitas até já assumem que devem ser pensadas como empresas.

Folha - Essa ênfase na administração não enfraquece o lado religioso?

Pierucci - Pelo contrário. Pode-se deixar de lado o conteúdo sofisticado do refinamento teológico da formação de pastores, mas, ao mesmo tempo, dá-se uma ênfase grande à experiência religiosa. Embora a igreja seja muito racionalizada, o ato religioso vira uma verdadeira celebração do irracional, que é o êxtase, a profecia, o dom das línguas. As igrejas pentecostais e neopentecostais estão prometendo oferecer, aqui e agora, uma experiência religiosa de contato físico com Deus, e isso supera qualquer experiência religiosa de igrejas tradicionais.

Folha - Por isso é difícil concorrer com as grandes igrejas pentecostais?

Pierucci - Sim. Essas igrejas hoje são muito bem estruturadas. Diante disso, em vez de fundar a própria igreja, é mais fácil ingressar nas já existentes e fazer carreira de pastor lá. O jogo econômico é violento, e a sobrevivência, aleatória. Não dá pra supor que se crie uma igreja simplesmente fazendo um curso de como se formar pastor em poucas lições. Não vejo como isso possa dar certo.

Folha - O número de denominações está, então, diminuindo?

Pierucci - Não, muita gente ainda quer ter a própria igreja, e não só como negócio, mas porque não quer obedecer às outras. Porém, assim como são criadas, essas igrejas somem. No limite, é o seguinte: cada religião procura "infidelizar" os fiéis da outra e fidelizar os seus, com regras de manuais de administração.

Folha - Por que as religiões evangélicas cresceram tanto no país nas últimas décadas?

Pierucci - O primeiro fator é a liberdade religiosa, que, na prática, se transformou numa livre concorrência religiosa. Com essa liberalização, o eixo é deslocado da demanda para a oferta. São os neopentecostais os responsáveis pela mudança nessa dinâmica: passaram a crescer e colocaram a realidade do marketing e da administração para as outras. Outro fator do sucesso protestante é a possibilidade de mudar de igreja e continuar evangélico. O católico, se muda, deixa de ser católico.

Folha - Por que o crescimento é maior na periferia das grandes cidades?

Pierucci - Antes se achava que era porque as pessoas nas periferias estavam desenraizadas e que as igrejas criariam laços para elas. Mas isso não explica porque cresce uma igreja e não a outra. A explicação da oferta é melhor: cresce a igreja que estiver mais racionalizada que a outra. Nas periferias, facilita o fato de haver uma menor resistência intelectual, já que pessoas mais escolarizadas tendem a ter outro tipo de demanda com relações espirituais. O pentecostalismo, dos anos 50 pra cá, passou a enfatizar a cura. Quem precisa dessa cura são os mais pobres. Essas igrejas oferecem milagres de verdade, descaradamente, até.

Folha - Algumas igrejas evangélicas flexibilizaram, nos últimos tempos, normas de conduta. Certas denominações permitem, por exemplo, que mulheres tomem anticoncepcionais. Isso ajudou a sustentar o crescimento?

Pierucci - Sim, mas não muito. Os pentecostais continuam muito estritos. Algumas liberaram normas, porque uma igreja que quer crescer não pode rejeitar pessoas pelo seu modo de se vestir, por exemplo. Mas as pessoas não querem virar evangélicas para ser como os católicos, que não ligam para nada. O protestantismo libera coisas pequenas, mas não aprova a união de gays.

Folha - Analistas dizem que a Igreja Católica deve perder fiéis com o novo papa, mais conservador que o anterior. Isso abre ainda mais espaço para as evangélicas?

Pierucci - A Igreja Católica não vai perder fiéis por causa do novo papa, mas porque é um tipo de igreja tradicional. Enquanto houver gente que queira igrejas mais rigorosas, que regulamentem mais a sua conduta, a igreja católica tende a perder fiéis pra elas. Apesar disso, há um limite para esse crescimento, porque uma parte da população não quer seguir regras mais rígidas. É mais fácil ser católico que evangélico. Por que deixar de ser católico para entrar numa igreja que cobra os tubos de você? Quanto ao novo papa, duvido que ele vá afastar fiéis. O fato de a igreja proibir isso ou aquilo não significa nada para o católico, que sabe que existem regras, mas que é possível desobedecê-las. As católicas fazem abortos, confessam e são absolvidas. Os protestantes não têm isso.
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