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Novo em Folha 40ª turma
14/02/2006

Íntegra de entrevista com Nilton Travesso

DA EQUIPE DE TREINAMENTO

Existe um pragmatismo nos atores que novos que se formam com o objetivo principal de ir para a TV?

Existe. As pessoas hoje em dia entram na escola com a cabeça de partir para a teledramaturgia, com a esperança de ir para a Rede Globo e a história é completamente diferente. Eu não sinto muito essa dificuldade, essa crise na minha escola, porque é uma escola de formação de atores, profissionalizante, reconhecido pela Secretaria de Educação. Pra tirar o DRT, são dois anos, o que assusta, muitas vezes, o aluno porque ele entra lá, vê que tem que estudar história da arte, filosofia, além de expressão corporal, interpretação, história do teatro brasileiro. O susto é porque eles não imaginam que tem tanta coisa e não imaginam que isso é para solidificar a personalidade na formação de cada ator, para que eles tenham no futuro noção de como montar um personagem, senão a coisa fica muito vazia, fica muito sem expressão. É o que um grande amigo meu, uma das pessoas que me ensinaram a dirigir atores, o velho Ziembinski, dizia, se você estiver diante de uma pessoa com 50% de talento e 50% de disciplina você está diante de um grande ator ou de uma grande atriz. E, às vezes, o que eu sinto falta é dessa disciplina, porque eles acham que tudo é muito fácil, que não há necessidade de tanta, coisa, pensam: "pra que tudo isso?" Eles têm exemplos de gente que entra e está fazendo um bom papel, mas eu não sei o tempo de vida que tem essa gente... Eu fico muito contente, porque na minha escola, por exemplo, os atores que estão se formando estão montando uma pequena empresa, estão fazendo teatro, alguns, inclusive, neste ano, se apresentaram no teatro Cultura Inglesa, no próprio teatro da escola, aos sábados e domingos e isso é gratificante para eles. Na escola eles têm noção de que estão se preparando para serem bons atores. A minha escola, dentro da teoria de Stanislavsk, faz um intercâmbio com o Florent de Paris, a maior escola de formação de atores da França, onde se formou a Cristiane Realli, uma das maiores atrizes hoje. Tem alunos que saíram da minha escola no segundo termo e foram para o Florent no terceiro, porque a grade é quase a mesma. As pessoas têm que entrar com uma expectativa de que elas vão capitalizar alguma coisa na vida para poder caminhar profissionalmente. Não é uma aventura, as pessoas acham que é fácil ser ator, decorar o texto, dar uma interpretação naturalista. Mais pra frente caem do cavalo, porque quando vão fazer teatro não têm projeção de voz.

É o caso do famosos que saem dos Reality Shows e decidem que vão investir na careira de ator?

O meu medo é que tudo isso não passe de uma grande ilusão. Alguns tentaram e não conseguiram nada. É uma ilusão muito difícil a pessoa achar que dessa forma consegue fazer uma carreira. É claro que há exceções. Você veja o exemplo da Ana Paula Arósio. Quando eu fiz "Éramos Seis" no SBT, eu precisava de uma menina para fazer 4 capítulos, uma menina linda que na década de 30 freqüentava o clube inglês em interlagos. Porque a nova geração dessa época freqüentava esse clube. E ela virou a grande atração da garotada do clube, até descobrirem que essamenina era filha do zelador, não tinha nada a ver com a sociedade paulista. Quando ela fez essas cenas, ela já tinha um olhar muito forte, um poder de montar o personagem, tinha uma beleza muito estranha. Eu conversei com a mãe dela, disse que Ana Paula tinha um talento muito grande e que precisava trabalhar tudo isso. A mãe disse que a carreira dela era demodelo fotográfico e que, inclusive, elas estavam indo para o Japão. Disse que se ela quisesse, falaria com o SBT para pagar os cursos dela. Ela levou a sério, tem uma disciplina muito grande. Durante um ano e meio, nós financiamos o curso dela e ela levou a sério, estudou, batalhou. Durante esse tempo, se dedicou exclusivamente ao curso. Depois disso, veio fazer "Razão de Viver" e protagonizou, em seguida, "Ossos do Barão" . Veja as coiss como caminham. E o elenco de "Éramos Seis" era um elenco de primeira grandeza, tínhamos Othon Bastos, Irene Ravache, Bete Coelho, Nathália Thimberg, Denise Fraga, era um timaço. A Ana Paula soube aproveitar esse momento quando ela e a mãe decidiram deisistir de ir para o Japão para investirna carreira. Isso é só um exemplo. Não é assim, da noite para o dia que se passa a ter...

Alguns artistas gostam de dizer que viraram atores ou atrizes por acaso...

Eu tenho medo desse tipo de coisa, porque a carreira é muito difícil e essa ilusão é muito perigosa... É tudo mágico, mas esa magia pode se tornar um grande decepção e a pessoa às vezes não tem suporte para suportar isso.

Atores que só fazem TV não acabam ficando muito limitados?

Temos um punhado de atores que vão para a TV e acabam sempre fazendo sempre a mesma coisa. Tem a questão da beleza envolvida nisso, tem a força de uma emissora grande por trás dessas pessoas. A globo é muito forte. Em São Paulo temos apenas uma emissora fazendo teledramaturgia, que é o SBT, e com uma novela. São 200 atores para 32 papéis, sendo que esses 32 papéis, você pega a divisória disso... É muito difícil. A Globo consome mercado, mas no Rio de Janeiro, a Record também, mas está indo para o Rio de Janeiro. Então é necessário estar envolvido nisso tudo.O meu filho é diretor há 12 anos e eu sei o que ele passa com atores novos, ele sofre barbaridades, porque tem horas em que ele tem que passar o texto com eles porque senão eles não conseguem montar o personagem. O Gianechini, por exemplo. Ele foi agora para Los Angeles estudar. Está se esforçando. Acho que ele tem bastante disciplina e está levando a sério a carreira dele. Sinto que ele partiu pra trabalhar, pesquisar. Sinto esforço nele e não acomodação. Ele não se acomodou com aquele pensamento: "agora eu acertei e sei como montar um personagem", não. Ele é ambicioso. Essa ambição pode trazer para ele um trajeto muito solidificante.

Além do Gianechini e da Ana Paula Arósio, você citaria um outro bom exemplo?

O Caio Blat, que começou comigo também, em " Éramos Seis", o Wagner Santisteban, que hoje faz " Malhação". O Caio Blat sai do Rio de Janeiro e vem pesquisar em livraria, em sebo em São Paulo. Por quê? Porque tem sede, tem ansiedade de ler, de pesquisar, de trabalhar, de saber que São Paulo é um centro cultural muito forte. Então, você vê a cabeça das pessoas... Você pega os outros, eles acabam a novela querem saber de ficar passeado, de ir pro castelo de Caras.. E daí? São jovens que não investem neles, e isso é um perigo. Depois pode vri uma desilusão muito grande.

Esses atores sobrevivem muito tempo?

É como um meteorito, assim como sobe, desce e é muito perigoso. Se a pessoa tiver ambição e trabalhar, se dedicar, estudar, pesquisar, eu acho que essa é a meta...

Qual era o perfil dos primeiros atores de TV?

Para nós que fundamos a televisão, a cultura vem do teatro. As grandes figuras da época como Cacilda Becker, Cleide Yáconis, Leonardo Vilar, Walmor Chagas, Paulo Autran eram de teatro. Esses levaram a cultura teatral para a televisão. Eles funcionaram como um pequeno exército que abriu espaço para as pessoas que foram entrando e batalhando na TV. Foram os atores de teatro que começaram a fazer pra valer televisão. Tivemos talentos como Cassiano Gabus Mendes, Lima Duarte que começaram sem serem atores. O Lima Duarte começou como sonoplasta.

Um ator para ser ator de verdade tem que fazer teatro?

Não. Ele pode fazer cinema ou televisão. O que é importante é entrar numa escola de formação de ator. Não pode entrar com a cabeça de ator que só vai fazer uma coisa. Na televisão, os planos são fechados, a colocação de voz é diferente.

A TV exige uma preparação diferente?

Sim, porque a TV é mais susurrada, os palnos mais fechados, diferente do teatro, onde é tudo mais aberto. No meu curso, damos uma noção de TV e de cinema para os nosso alunos, para que ele não fique com a cabeça só no teatro. Se o ator tiver uma boa formação, pesuisar, trabalhar e souber fazer uma boa leitura de tudo isso, ele será um bom ator para teatro, cinema ou TV. O dia-a-dia também vai alimentando a pessoa na montagem do personagem. O tempo também ajuda bastante. Tudo isso ajuda muito a construir o personagem. É como ler. As pessoas não gostam de ler livro, hoje em dia, nem orelha de livro.

O SBT teve um trabalho grande com crianças em Chiquititas. Existem mães que forçam os filhos a entrar na carreira?

Ás vezes as mães se acham mais importantes do que os filhos. É a mãe que interpreta o papel do filho, porque ensaia as falas com a criança, o que é um perigo porque ela não tem preparo para fazer isso. Isso complica muito a cabeça da criança. Às vezes a criança tem talento e mãe estrutura de uma forma errada. É que nem mãe de modelo, de bailarina. Quantas mães de bailairinas vêem a filha ensaiando, mas na verdade se projetam no ensaio e vêem elas mesmas dançando.
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