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Novo em Folha 40ª turma
14/02/2006

Íntegra de entrevista: Marisa Micheloti

DA EQUIPE DE TREINAMENTO

COM SUA EXPERIÊNCIA CLÍNICA, O QUE PROVOCA A FORMAÇÃO DE UM CASAL DO TIPO IOIÔ, QUE SE JUNTA E SE SEPARA VÁRIAS VEZES?

Na verdade o que provoca hoje esse tipo de relação é a conseqüência da mudança do papel do homem e da mulher na sociedade contemporânea. O novo papel, o novo funcionamento do que é ser homem e o que é ser mulher cria uma instabilidade interna no mundo masculino e no mundo feminino e conseqüentemente reflete na relação amorosa.

CULTURALMENTE E SOCIALMENTE COMO AS PESSOAS ESTÃO REAGINDO À QUESTÕES LIGADAS À SOCIEDADE DE CONSUMO? O IMEDIATISMO, O INDIVIDUALISMO, O NARCISISMO...

No nosso país há uma influência cultural forte na definição dos papéis amorosos. A cultura influencia diretamente nesta relação. A conseqüência dessas relações ioiôs, vaivém, que é uma coisa que eu até chamo de elástica, é fruto do novo papel da mulher. É a conseqüência pós-feminista deixou para a relação feminina. A mulher teve que se transformar numa série de coisas e desejou isso e o homem ainda precisa fazer um processo de transformação, que ainda não aconteceu, para acolher essa nova mulher. É um processo de desencontro muito grande que eu vivo, de acordo com a experiência que eu tenho tanto nos grupos de gênero lá no Hospital das Clínicas, onde a gente estuda homens e mulheres, tanto com a minha experiência clínica, no meu consultório particular. Fica bem evidente a questão entre um desejo e uma frustração. Tem o desejo de manter uma relação, mas tem uma frustração dessa relação não se estabelecer exatamente como o desejo pede.

ESSE DESEJO SERIA BASEADO NA IMAGEM, NO IDEAL?

O desejo fica muito na questão da complementariedade do parceiro. Os papéis que complementam a sua necessidade.

O DESEJO SÓ É NORTEADO PELA COMPLEMENTARIEDADE?

Ele é norteado a partir do mundo inerno do indivíduo. Eu projeto no outro a minha necessidade de complementariedade.

E ESSE DESEJO RECEBE INFLUÊNCIA EM IDEAIS DE CONSUMO PROJETADOS PELA MÍDIA?

Ela faz parte do aspecto sócio-cultural.

NO CASO, VOCÊ PODE PROJETAR NO OUTRO UMA NEUROSE QUE TE COMPLETE?

Isso acontece muito, porque dependendo da necessidade e da história de vida de cada indivíduo com seus primeiros vínculos de amor, relacionados normalmente aos vínculos paterno e materno, que fazem você projetar uma necessidade semelhante ou oposta àquilo que você viveu. Se foi uma coisa prazerosa, vai ser semelhante. Se foi algo violento, oposta. Então essa idéia de complementariedade é uma visão narcísica mesmo que você citou que é que os indivíduos estão muito mais narcisícos e solitários e não abrem mão de nada que não seja uma manutenção da sensação do narcisismo.

QUAL O PERFIL EMOCIONAL DESSAS PESSOAS? VOCÊ TERIA COMO TRAÇAR UM PERFIL EMOCIONAL? COMO SÃO AS CARACTERÍSTICAS EMOCIONAIS E O HISTÓRICO FAMILIAR DESSAS PESSOAS?

Na verdade, eu não estou chamando essas relações de neuróticas. Você é quem está. A neurose temos que olhar com um outro olhar. Uma característica forte nessas pessoas é a dificuldade de dependência. De ter uma relação de dependência, porque toda relação de amor é uma relação de dependência. Para se estruturar um relação de amor, você necessita basicamente de uma relação de dependência, que aí a primeira relação de amor e de dependência é uma relação materna, que você depende desse amor e cria uma história a partir da dependência. E numa história homem-mulher a grande dificuldades das pessoas, como característica da atualidade é as pessoas estarem avessas às dependências. As mulheres estão independentes financeiramente e na hora de uma relação de amor não existe essa independência total. É uma independência parcial. As pessoas estão com grande dificuldade de apego afetivo para criar uma relação de dependência. Uma característica da História é essa. Tem um pouco da influência sócio-cultural e entendendo a família dentro de um micro, num macro social.

NO CASO DESSE PAPEL DE CONSTRUÇÃO DA FAMÍLIA...COMO A MULHER SE POSICIONA HOJE? NA BUSCA DO PARCEIRO PARA DEPOIS FORMAR UMA FAMÍLIA?

Hoje a gente tem um conceito de família muito diferente do que a gente pode dizer de 50 anos atrás. A mulher tem um papel reduzido no contexto familiar. Por um lado tem a chegada do homem em outros aspectos que não são os aspectos econômicos. A família ainda está passando por uma reestruturação muito grande. Hoje a gente não consegue, como terapêuta de família, definir o que é família, porque a gente tem uma multiplicidade de formações familiares. Eu acho que as pessoas estão querendo formar uma família mas com uma diversidade de montar uma família que não vejo particularidades, pois eu vejo todas as maneiras possíveis de se construir uma família.

A INSTITUIÇÃO FAMÍLIA ESTARIA EM CRISE?

A família nos moldes de 50 anos atrás sim. Mas há uma multiplicidade de famílias sendo construídas. A gente faz as agregações familiares, então a gente faz uma leitura do que é família diferenciada do século passado.

O QUE EU FALO DE PERFIL É PERGUNTANDO SE ESSAS PESSOAS TÊM BAIXA-AUTOESTIMA, SE TEVE PAIS BRIGUENTOS?

A questão da insegurança é algo muito comum. Sendo que eu acho que a família, seja lá em que moldes ela se estruture, ela é algo muito importante para a estrutura do indivíduo, como a sua primeira matriz de identidade. Ela realmente vai ser a raíz. Seja com padrasto, madrasta, isso não tem tanta importância. O que importa mesmo é que ela tenha valores e que realmente assuma o papel dela, porque isso é muito importante para a auto-estima, como você está dizendo, e de maior importância para a vida do indivíduo, como uma rede de sustentação para o crescimento emocional dele. O importante é a família assumir a responsabilidade de ter papéis e papéis que precisam ser exercidos com motivos. Acho isso muito importante, mas acompanhando a modernidade em que a família vem se estruturando.

QUAL O SENTIMENTO QUE REGE ESSAS RELAÇÕES? É AMOR MESMO?

Eu acho que o que mais predomina é o medo. É o medo da perda da identidade, que está sempre ameaçando. De não ser mais casado, de ter que transformar sua identidade pessoal em identidade conjugal. É o que permeia essa relação. O medo de perder algo e ter medo que isso não possa ser mantido na nova relação. Em toda mudança que a gente faz na vida a gente perde alguma coisa para ganhar outra. Temos que saber lidar com perdas também. As pessoas estão muito temerosas.

EM FAMÍLIAS CUJOS PAIS TINHAM UMA RELAÇÃO CONTURBADA, COMO FICA A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE UMA PESSOA? Provavelmente essa pessoa que tem uma estrutura de uma identidade familiar extremamente patológica, complicada e desestruturada vai ter uma conseqüência na maneira que o indivíduo vai fazer vínculo na vida maior, fora da família. A família interfere diretamente na formação de como o indivíduo vai se relacionar. HÁ ALGUM ESTUDO QUE FALE DESSA INSTABILIDADE EM SÃO PAULO? ALGUM DADO ESTATÍSTICO QUE COMPROVE A ELASTICIDADE DESSAS RELAÇÕES?

Pode ser que sim, Gabriela, mas eu não conheço assim de cabeça não.

COMO ESSES CASAIS PODEM RESOLVER SEUS PROBLEMAS? Eles tentam resolver sozinhos. Se fosse pra dar uma orientação de forma muito objetiva, eu diria para eles tirarem proveito dessas crises. A idéia é não ficar na manutenção da crise para construir algo diferente. Percepções de crise muito semelhantes e que não trazem transformações. Tirar lições de rompimento e retornar com alguma construção, com algo novo. QUANDO UM CASAL SE ATRAI PODE SER PELA NEUROSE?

Pode ser pela complementariedade patológica. Se eu estou acostumada inconscientemente com cenas de violência eu vou buscar violentadores, que me maltratem também, como uma referência. Pessoas que procuram a auto-destruição e fazem o papel de vítima. Filhos que foram muito agredidos terminam achando pessoas num casamento que agridem muito também. Então essa é a complementariedade patológica mesmo.

COMO ESSAS PESSOAS PODEM SE CURAR?

Se não conseguir sozinho, numa terapia, só através da terapia mesmo, porque ele é capaz de sinalizar o que acontecendo nesta relação e construir a possibilidade de ficar junto ou então do casal se separar mesmo. Qualquer mudança ou a grande solução é se separar mesmo. Não é o que os terapêutas de casais almejam mas às vezes é a solução mesmo.

MARISA MICHELOTI, 44 anos, psicológa, formada pela UNISA. Fez psicodrama na Faculdade de Psicodrama de São Paulo. Tem especialização em educação sexual pela Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana. É coordenadora do grupo de gênero do serviço de psicoterapia do Hospital das Clínicas, do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Trabalha com Luiz Curshnir no grupo de gênero do HC, onde ele é o coordenador-geral e ela é coordenadora também.
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