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Novo em Folha 40ª turma
14/02/2006

Entrevista: "A arquitetura é a arte de construir"

DA EQUIPE DE TREINAMENTO

Confira trechos da entrevista concedida à Folha por Joaquim Guedes, arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Folha: Qual a diferença entre projetar uma casa para um cliente e projetar um edifício de apartamentos para o mercado imobiliário?

Joaquim Guedes: Quando você faz alguma coisa no mercado imobiliário, normalmente são projetos para qualquer pessoa que venha comprar essas unidades. Então não faz sentido detalhar excessivamente. Você faz uma planta, uma estrutura, um sistema técnico que dá suporte a essa construção e o resto deixa para a pessoa completar depois. Isso significa uma certa economia. Tem também um outro fator. Num edifício muito alto, em geral, as unidades se repetem, e isso também dá margem a uma certa redução. A casa, obviamente, é o máximo de artenasanalidade, de pensamento artesanal. Tudo é detalhe. O que pesa muito é a diluição do custo do terreno pelas unidades [do edifício]. Fazendo um apartamento de luxo em cima do terreno, ganha-se uma barbaridade. Hoje, há apartamentos que se vende a R$ 10 mil, R$ 15 mil o metro quadrado. Evidentemente, a construção está longe de custar isso, mas o terreno se reproduz várias vezes. Outra coisa importante é que toda vez que se agregam materiais e detalhes, agregam-se custos. Esse agregado de mais idéias, que são materiais e detalhes, em geral o incorporador imobiliário não quer pagar.

Folha: O senhor acha que o mercado imobiliário limita o trabalho do arquiteto?

Joaquim Guedes: Às vezes pedem ao arquiteto que faça uma coisa sumária. Em uma ocasião, me pediram que eu fizesse uma planta. ‘Depois eu desenho aqui no meu escritório e faço o resto, me faz uma planta de prefeitura, depois eu ponho os materiais e na hora de fazer a fachada eu quero que você venha me dar um palpite nas cores’, disseram. Isso não é arquitetura. A arquitetura é a arte de construir, de coordenar elementos. Senão, fica uma coisa bastarda, uma acumulação desorganizada e aleatória de efeitos. (...) O mercado tem um poder enorme. Ele controla o fluxo dos recursos que envolvem o sistema da obra, o sistema da produção arquitetônica. Esse fluxo de recursos confere às pessoas um poder extraordinário e, em última análise, é o que realiza a operação de construção e a sua transferência aos usuários finais. O comando dessa economia confere ao seu controlador um poder imenso. É ele que controla os fluxos de capitais. Em decorrência disso, a remuneração correta da invenção da obra, da invenção da cidade é muito mal assistida.

Folha: Como o senhor avalia a arquitetura que se faz hoje em São Paulo e qual é o impacto que ela tem na paisagem da cidade?

Joaquim Guedes: Eu acho que a arquitetura é fundamental para a vida cotidiana, não apenas em relação aos interiores onde eu vivo, mas aos exteriores, que também são arquitetura. Cidade é arquitetura. (...) E quando você vê esse sistema construído por arquitetos que são desviados, que são maltratados na sua formação, só pode dar esta droga que é a cidade onde a gente vive. (...) Enquanto não se fizer uma relação profunda dessas relações, conferindo à arquitetura e à formação do arquiteto um lugar especial e uma compreensão especial, nós vamos ter uma cidade feia. Seria preciso um maior interesse da sociedade (...) O que eu acho realmente dramático hoje é que a burguesia paulista e empresariado brasileiro em geral não se dêem conta da sua responsabilidade na encomenda de serviços. É muito importante, portanto, dedicar uma atenção especial à qualidade do espaço construído, do espaço humano. Todo espaço construído é humano.

Folha: Há modismos e uma padronização das fachadas na arquitetura que se faz hoje?

Joaquim Guedes: Algumas frentes de trabalho conseguem soluções excepcionais que encantam a sociedade por alguma razão e, aí, o exército de trabalhadores menos talentosos vai atrás. Evidentemente, essas práticas se exaurem e são substituídas por novas soluções e novos talentos. A moda é inexorável. Ela acaba tendo um papel reciclador e que estabelece práticas e resultados. É compreensível. Eu acho que a tão decantada arquitetura brasileira moderna clássica – há 40 anos eu uso essa expressão – teve um grande papel renovador da forma, mas ele não foi acompanhado por uma solução profunda de problemas da realidade brasileira. Nem sociais, nem econômicos, nem físico-climáticos. Então, com o tempo, as insuficiências desse sistema, em lugar de serem pouco a pouco atendidas pela melhor arquitetura, que não era solicitada e não era reconhecida como necessária, acabou fazendo água. E ao fazer água, esse mesmo sistema que não tem capacidade de procurar boa arquitetura, acabou comprando coisas terríveis no mercado.

Folha: Pode-se dizer que o estilo neoclássico, que influencia tantos projetos, é usado porque atrai clientes em busca de status?

Joaquim Guedes: A sociedade afluente, de origem indiferenciada, vai buscar nos antiquários, nos sinais do passado que não são dela, alguma coisa que lhe dê história. Daí os decorativismos fundados não na produção da inteligência contemporânea, no design (...) A produção de desenho para as necessidades contemporâneas da sociedade é que deveria ser o norte. Quanto melhor fossem feitos esses objetos e mais ao alcance de todos estivessem, mais belos seriam os nossos lugares de morar e de transitar. Mas, em lugar disso, há essa atração por algo que confira a essa sociedade afluente um passado que ela não tem.
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