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Novo em Folha 40ª turma
14/02/2006

Entrevista: Carlos Lemos

DA EQUIPE DE TREINAMENTO

Folha: O estilo neoclássico é escolhido pelas incorporadoras porque tem um custo reduzido?

Carlos Lemos: Não. Absolutamente. Na verdade é tudo igual. O concreto armado é igual para todos, a massa de revestimento é igual para todos, os pisos, banheiros, privadas, chuveiros, canos. Tudo é o mesmo preço. Esse negócio de estilo mais barato eu acho que é uma premissa falsa. Você também pode ter um prédio caro neoclássico. Em geral, os mais caros são os neoclássicos, que comovem a classe média alta, que acha que morar num prédio neoclássico é fino, é bonito.

Folha: Os arquitetos dizem que um bom projeto não é necessariamente mais caro que um mau projeto. Provocar o uso do neoclássico é uma jogada de marketing das incorporadoras, pois o revestimento dele custa mais barato?

Lemos: A questão não é bem essa. Eles usam muito psicologia aplicada. Eles pressupõem que a classe média e a classe média alta têm determinado gosto refinado e o gosto refinado é de um estilo clássico. O incorporadores estão querendo alcançar o gosto médio da sociedade. Acham que é mais fácil vender um edifício neoclássico para quem está numa corrida de ascensão na sociedade, do que fazer uma coisa moderníssima. Tem que caracterizar a habitação com terracinho, com balaustrada, com peitoril, molduras, com uma ornamentação, com as soluções requintadas, próprias daquela sociedade. É isso que no fundo comove a sociedade. Isso teve início há uns 50 anos. Acho que o Adolpho Lindenberg foi um dos primeiros a fazer esses prédios neoclássicos, que vendem muito bem. Mas ele venderia também se fosse outro. Ele tem uma clientela cativa, grande. O problema maior não é nem o estilo. O problema maior está no programa que eles vendem, nas plantas. O estilo no fundo é uma roupagem para vender o produto.

Folha: Então existe ao menos uma razão mercadológica?

Lemos: É o mercado. Claro. É o mercado. A gente podia até fazer um retrospecto histórico. No começo da verticalização, havia uma carência muito grande por habitação, de modo que tudo aquilo que se oferecesse era vendido. O estilo ficava a critério do incorporador, mas todos os incorporadores daquele tempo eram pessoas que percebiam que estavam em plena modernidade, em pleno progresso. O Brasil já estava produzindo ferro, já podia produzir concreto armado. Todos ofereciam o quê? Arquitetura moderna para vender. E nunca deixou de vender nada. Comprava-se arquitetura moderna e procuravam-se programas compatíveis com o seu modo de vida, procurando sobretudo conforto. Portanto, os cômodos eram grandes, os móveis cabiam com largueza. E esse clima de oferecimento de arquitetura moderna nos empreendimentos veio até o final da década de 70 (...) A partir do final de 70 começaram a aparecer no mercado, companhias de grande capital. Dizem, e deve ter sido verdade mesmo, que foram capitais que vieram até de Israel. Montaram-se então, incorporadoras que viam a questão com outros olhos. Enquanto no começo a arquitetura oferecida era referente a programas de habitação do cotidiano da família paulistana, do cotidiano da classe média, e de estilo moderno, porque estavam todos vivendo aquela modernidade daqueles dias, essa novas incorporadoras, de grandes capitais, passaram a perceber outro ambiente.

Folha: Quando o perfil desse mercado mudou?

Lemos: Da década de 80 para cá, o padrão é outro, a classe média não estava com carência de habitação. Em 82, não havia mais uma carência tão grande assim. Então a política foi diminuir as áreas construídas para baratear a mercadoria. E aí os apartamentos de dois quartos passaram a diminuir de 90, 85 metros quadrados para 75, 80. Agora até com 65 você pega com dois quartos, banheiro e cozinha, tudo minúsculo. E enquanto barateavam a área construída, também enfeitavam o bolo. É aí que vêm os estilos, achando que o estilo ia convencer a classe média baixa a comprar. Mas aos poucos a arquitetura moderna foi sendo abandonada.

Folha: Como o cliente interfere na tendência das fachadas?

Lemos: O cliente que vai comprar o apartamento não pode interferir. Ele tem que comprar o que o mercado está oferecendo. E não existe essa hipótese de encalhar o prédio porque ninguém gostou. Não existe isso. Tudo o que se oferece tem que ser vendido. O gosto é imposto pela incorporadora. Tanto é assim que se vê que, enquanto antigamente havia uma diversidade muito grande de arquiteturas modernas e diversidade de arquitetos altamente qualificados, hoje existem dois ou três modelos chaves, padronizados, e dois ou três arquitetos que são absolutamente dependentes do mercado.

Folha: Por que essas incorporadoras chamam sempre esses mesmos quatro ou cinco arquitetos?

Lemos: Esses têm um vínculo com a incorporadora. Um paga e outro faz a mercadoria que o outra está desejando. O profissional liberal autônomo faz no projeto aquilo que ele acha que deve projetar, e não aquilo que o cliente exige que ele faça. O arquiteto que está ciente daquilo que deve fazer se nega a fazer uma casa neoclássica. Mas o arquiteto do incorporador faz. Faz o prédio que pedir.
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